Podemos medir a ignorância de uma pessoa por meio do grau de sua convicção ao dizer que as mazelas africanas são causadas pelo capitalismo. A verdade é que a África sempre foi vítima de seus próprios governos. Chefes tribais escravizavam e comercializavam pessoas antes da chegada dos europeus; e os descendentes desses chefes é que incitam os conflitos e a violência dos dias de hoje. O colonialismo no continente foi um conjunto de acordos entre governos estrangeiros e governos locais. O apartheid na África do Sul, imposto pelo governo inglês, foi estendido pelos governos que o sucederam – e é sempre bom lembrar que o apartheid também foi uma segregação econômica. Seja qual for o ângulo da análise, veremos as mãos do Estado alimentando e administrando a tragédia social para seu próprio benefício.
Li, dias atrás, o ensaio Capitalismo Global e Justiça, escrito por June Arunga, produtora de cinema queniana. De forma objetiva e corajosa, Arunga deixa bem claro que o subdesenvolvimento do continente é causado pela falta de liberdade econômica. “Nossos próprios governos estão nos machucando: eles nos roubam, nos impedem de praticar comércio e mantém os pobres oprimidos”, afirma. Segundo ela, os maiores esforços dos governos africanos são em atrair investimentos estrangeiros, concedendo a eles as facilidades que negam à população local. Arunga aponta também a “ajuda” internacional como grande responsável pela pobreza, já que “desconecta os governos de seu próprio povo, pois as pessoas que estão pagando as contas não estão na África, mas em Paris, Washington e Bruxelas”, em suas palavras.
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Os bilhões de dólares que os países ricos despejam na África por meio de ações humanitárias e empréstimos são a principal fonte de corrupção e de estagnação social e econômica, pois faz da pobreza um grande negócio para políticos, partidos, funcionários públicos de alto escalão e grandes empresas locais e estrangeiras. Os governos dificultam e até sabotam o trabalho de ONGs dispostas a ajudar as comunidades mais pobres na mesma medida em que se esforçam para canalizar em si mesmos a entrada de recursos; e nesse processo, assim como vemos no Brasil, muitas e muitas frações desse dinheiro são desviadas para os bolsos de agentes do governo, sobrando muito pouco para aqueles que realmente precisam. No caso de zonas de conflito, a situação chega ao absurdo de governos condicionarem o envio de alimentos e de medicamentos à inclusão de armas clandestinas nos carregamentos. Porém, segundo a autora, o que mais causa impacto na vida das pessoas é a falta de liberdade econômica, dando como exemplo as restrições nos serviços bancários e de fornecimento de água, “ignorando as habilidades de nosso próprio povo para utilizar seu conhecimento local de tecnologia, preferências e infraestrutura”. Acrescento o problema gerado pelo fundamentalismo islâmico que, além de incitar discriminações e violências absurdas, ainda rejeita o potencial intelectual e produtivo das mulheres.
A falta de uma economia livre, forte e diversificada faz com que os países africanos e a grande maioria dos países árabes tenham em comum altos índices de desemprego; e o pouco de emprego formal que existe concentra-se no Estado. Como isso se sustenta? Não se sustenta. Por isso são pobres. Por isso vivem buscando a guerra, seja contra o vizinho, seja contra o “grande satã”. Por isso tantas pessoas tentam desesperadamente fugir desses países.
Arunga deixa bem claro que os governos locais são os principais responsáveis pelos monopólios controlados por empresas estrangeiras – hoje, a maioria sendo russas e chinesas. Os próprios governos sabotam o empreendedorismo local em troca de suborno estrangeiro; ou, como ela mesma diz: “Somos roubados da oportunidade de inovar, de fazer uso de nossa mente, de melhorar nossa situação com nossa própria energia e intelecto. A longo prazo, é o maior crime cometido contra nós”.
Seu depoimento remete ao trabalho do economista sueco Johan Norberg que, por meio de uma vasta pesquisa, comprovou os grandes benefícios que o capitalismo levou ao continente mesmo que ainda não prevaleça como sistema econômico. O pouco de liberdade oferecida pelos governos permite que as “ambições capitalistas” façam chegar aos africanos automóveis, motocicletas, motores, geradores de energia, telefones celulares, eletrodomésticos, materiais básicos de construção civil etc, inúmeros produtos que potencializam talentos e pequenos empreendimentos oferecendo pelo menos alguma melhoria na qualidade de vida das pessoas. A verdade que nos sobrevoa é que, se os governos locais permitissem, muitos desses produtos seriam produzidos pelos próprios africanos para o consumo deles e também de outras populações; o contrário do que ocorre atualmente, onde os governos concedem apenas licença de exploração de recursos naturais.
O depoimento de June Arunga lembra a situação do nordeste brasileiro, onde o povo também é mantido pobre por meio de um conjunto de medidas assistenciais e monopolistas – o Estado monopolizando a caridade e a geração de renda. A Região Nordeste possui excelente localização geográfica, mão-de-obra e terra baratas que certamente atrairiam muitos empresários se não fosse as imposições “trabalhistas” que ignoram completamente as características locais. Estado e burguesia socialista preferem que milhões de pessoas sobrevivam à custa do Bolsa Família em vez de trabalharem e receberem salários abaixo do valor médio praticado na Região Sudeste mas, certamente, superior ao da esmola estatal; e mesmo que permitissem a plena flexibilidade nas relações de trabalho, cada empresário interessado em obter seus lucros oferecendo trabalho e renda para a população do interior do nordeste se depararia com vereadores e prefeitos dedicados a lhes tomar dinheiro em troca da licença para oferecer emprego para as pessoas.
Não apenas nesses últimos 12 anos de PT, mas desde sempre, a Região Nordeste foi tratada apenas como uma canalizadora de dinheiro estatal para fins políticos, vide a pobreza da população em relação ao poder que os deputados e senadores nordestinos têm no Congresso Nacional. Os esforços estatais para viabilizar as grandes e equivocadas obras de infraestrutura no nordeste são inversamente proporcionais à vontade de oferecer liberdade para os próprios nordestinos empreenderem negócios e melhorarem de vida.