No contexto atual, em que a importância do transporte e das rotas comerciais marítimas globais são a espinha dorsal do comércio internacional, controlar áreas de importância vital para o comércio e para a economia mundial tornou-se um fator estratégico crucial: quem controla essas áreas controla o fluxo de petróleo e cerca de 90% do comércio mundial.
A construção do Canal da Nicarágua destaca a necessidade da China de querer assegurar o seu acesso ao Pacífico e ao Atlântico, no intuito de proteger as principais rotas marítimas e pontos estratégicos que conectam o gigante asiático com mercados externos e reservas de recursos.
Em sua forte ambição de atingir a meta de expansão em todo o mundo, a China anunciou sua intenção estratégica de se tornar uma potência naval global no “Livro Branco de Estratégia Militar”, publicado em maio de 2015.
O documento insta o governo chinês a abandonar a “mentalidade tradicional de que a terra é mais importante do que o mar” e enfatiza a necessidade de “proteger a segurança das rotas marítimas de comunicações e interesses estratégicos no exterior”.
As peças do quebra-cabeças
Os pontos estratégicos mais importantes do mundo para o transporte de petróleo, de acordo com a Administração de Informação de Energia dos Estados Unidos (EIA), são o Estreito de Hormuz,o Estreito de Malaca, o Canal de Suez, o Estreito de Bab el-Mandeb, os estreitos turcos e do Canal do Panamá. E a China está disposta a dominar todos eles.
Para controlar o estreito de Malaca, entre a Malásia e a Indonésia, o governo chinês está construindo ilhas no local que dão acesso ao Mar do Sul da China, onde passam cerca da metade dos embarques de petróleo do mundo.
Perto do Canal de Suez e do de Bab el-Mandeb, o regime chinês está tentando estabelecer uma base permanente no Djibouti, no ponto crucial entre o Mar Vermelho e o Mar Arábico. No Estreito de Hormuz, a China ganhou os direitos de gestão por 40 anos do Paquistão no porto próximo de Gwadar.
No Canal do Panamá, a China Harbour Engineering Company, uma empresa estatal, está tentando construir um quarto conjunto de eclusas. E nos estreitos da Turquia, o regime chinês está tentando atrair os líderes turcos com as iniciativas do Cinturão econômico e da Rota marítima para formar a “Rota da Seda do século 21”.
Conexões que levam ao mesmo lugar
No passado, os investimentos foram impulsionados pelas empresas estatais chinesas. Hoje, o cenário mudou e aparenta estar diferente; porém, olhando detalhadamente, apenas a superfície mudou, pois toda empresa chinesa “privada” tem laços fortes e estreitos com o Partido Comunista Chinês (PCC).
As informações fornecidas a conta-gotas pela China e seu culto ao sigilo governamental complicam a tarefa de identificar as ligações entre o capital privado, o Estado chinês e do Partido Comunista. Entretanto, uma coisa é clara: os investimentos “privados” servem aos objetivos geoestratégicos do PCC.
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“As empresas privadas que buscam oportunidades no exterior estão dispostas a obterem benefícios e se tornarem atrizes globais, mas, ‘casualmente’, muitos dos seus investimentos e projetos também servem ao “interesse nacional”, disse Juan Pablo Cardenal, co-autor de “La silenciosa conquista china”, um estudo sobre o impacto da expansão do país em instituições estrangeiras. “Esses empresários não são estúpidos, eles sabem muito bem que tipo de investimentos obtêm o apoio do governo”, afirmou o escritor, de acordo com o website Diálogo chino.
O projeto Canal da Nicarágua se encaixaria “como uma luva” na geoestratégia global da China, com a missão de proteger os seus próprios interesses comerciais nos centros nervosos de rotas marítimas. Com este canal o país iria garantir sua conexão a um novo acesso interoceânico em uma área extremamente crucial, com o bônus de ser gerido por uma empresa chinesa ligada a oficiais militares e ao alto escalão do governo chinês.
A empresa chinesa HKND Group, responsável pela construção do Canal da Nicarágua, construiu sua fortuna servindo às prioridades estratégicas do Partido e do governo, muitas vezes em setores que não tinham experiência anterior, como na engenharia. No entanto, obteve direitos para desenvolver o projeto de maior infra-estrutura do mundo, o Canal da Nicarágua.
Além da escavação do canal, o consórcio chinês planeja construir estradas, dois portos, um lago artificial, um resort e uma zona de livre comércio, bem como siderúrgicas e indústrias de cimento, alimentando o ceticismo de vários setores da população devido aos graves impactos ambiental e socia que afetarão um segmento substancial da população, que seria forçada a sair de seu lugar de origem. Em uma atmosfera tensa, os protestos têm tomado lugar.
Águas agitadas
Devido ao fato dos programas do governo chinês para ganhar influência sobre o comércio marítimo mundial projetarem um cenário de competição pelo poder com os Estados Unidos, sem dúvida, eles não estão livres de obstáculos.
Bernard Cole, professor da Escola Superior de Guerra e um dos maiores especialistas sobre o Exército Popular de Libertação do regime chinês, disse que quase todos os planos do PCC estão enfrentando problemas, ou apresentaram falhas desde o início.
De acordo com Cole, o porto de Gwadar, no Paquistão, é isolado e não está sendo firmemente controlado pelo Paquistão. Além disso, sua proximidade com a Índia já está causando conflitos regionais. A segurança portuária também depende de uma força paramilitar paquistanesa financiada pela China para poder conter a violência sectária, cortar as raízes do Taliban e acabar com o movimento separatista que cresce na região.
No Sri Lanka, o presidente recém-eleito, Maithripala Sirisena, está se afastando da abordagem da administração anterior, de construir laços com a China, dizendo que a situação continuará a mesma por mais seis anos, “o nosso país se tornaria uma colônia com escravos.” A política de Sirisena poderia custar ao regime chinês cerca de US$ 1,5 bilhão (R$ 6,04 bilhões) para a construção do Projeto Cidade Porto, em Colombo.
Objetivo final da construção do Canal da Nicarágua: manter o Partido no poder
A dinâmica que o regime chinês impôs para controlar os pontos-chaves do comércio marítimo é apenas parte de uma estratégia maior, com um tentáculo para mudar o atual status quo econômico em favor da China.
No dia 31 de janeiro de 2013, o capitão James Fanell, que na época era um Oficial da Inteligência da Frota do Pacífico dos Estados Unidos, fez um discurso sobre um tema que mais tarde viria a custar-lhe o seu trabalho: “Não se enganem, a Marinha do Exército Popular de Libertação do regime chinês se concentra sobre a guerra no mar e no ataque à frota de oposição.”, disse ele, acrescentando que “A China está negociando para controlar os recursos de outros países em suas fronteiras”.
Bernard Cole observou que o PCC “…está muito preocupado em manter a economia crescendo e manter o povo chinês feliz”, porque “…a preocupação número um da segurança nacional em Pequim é manter o PCC no poder”. E isso, aparentemente, a qualquer preço.
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