Há quem jure que a busca pelo lucro é algo cruel, abusivo, ultrajante, imoral e maléfico. É fato que há pessoas desonestas que recorrem a métodos inescrupulosos para obter lucros em seus empreendimentos, mas basear-se em tais pessoas para fazer uma condenação automática do lucro é uma postura ignorante.
A verdade é que foi a busca pelo lucro o que aniquilou aquela milenar abominação que foi a escravidão humana. Eliminar a capacidade das pessoas de buscar o lucro significaria reimplantar a escravidão no mundo. E creio que nenhum de nós quer isso de volta.
A escravidão era um sistema econômico
O que até hoje ainda não é corretamente entendido é que a escravidão era a base do sistema econômico vigente no mundo antigo — como na Grécia e em Roma.
Todo o sistema escravocrata se baseava praticamente em um só objetivo: obter excedentes. É claro que os defensores da escravidão sempre recorriam a justificativas criativas para defender o sistema escravocrata, mas, no final, tudo se resumia a obter excedentes. Pode-se dizer, portanto, que a escravidão era uma espécie de poupança coercivamente impingida.
Um indivíduo rudimentar e despreparado irá, caso seja abandonado à própria sorte, gastar praticamente tudo o que ele ganha. Se ele conseguir auferir algum excedente, ele provavelmente irá gastar este excedente em luxos, prazeres, frivolidades ou em coisas piores. Enquanto ele não desenvolver um caráter mais forte, enquanto ele não adquirir uma personalidade mais estável, sobrará muito pouco de seu excedente para ser utilizado em outras coisas.
Um escravo, por outro lado, jamais aufere rendimentos e, consequentemente, não tem como gastá-los. Todo o excedente produzido por um escravo é transferido para seu senhor. Foi exatamente este tipo de arranjo gerador de excedentes o que tornou Roma um império rico.
Mas então surgiu a Europa cristã. Antes do advento do cristianismo, não se encontra uma única cultura antiga que proibia a prática da escravidão; a escravidão era vista como algo absolutamente normal. Sendo assim, a Europa abolir o sistema escravocrata que havia herdado de Roma foi uma mudança monumental.
Os europeus substituíram a escravidão — de maneira lenta e por causa de seus princípios cristãos, e não em decorrência de algum plano consciente e deliberado — adotando as seguintes posturas:
1. Desenvolvendo o hábito da frugalidade e da poupança em nível individual. Isso requereu uma total mudança de postura e um enfoque vigoroso em virtudes como a temperança (autocontrole) e a paciência.
2. Substituindo o arranjo de “produção forçada de excedentes” pelo lucro. Para isso, os europeus tiveram de recorrer à criatividade para alterar totalmente a natureza de suas atividades comerciais. Eles tiveram de inovar, inventar e se adaptar para conseguir mais excedentes por meio do comércio.
Sob um novo sistema que acabou sendo rotulado de capitalismo, a poupança e a criatividade se tornaram os novos geradores de excedentes, e nenhum ser humano teve de ser escravizado.
Um mundo sem lucros
Por outro lado, temos exemplos bem recentes do que acontece quando uma cultura proíbe o lucro. Pense em tudo o que ocorreu em paraísos socialistas como a URSS de Stalin, a China de Mao, e as nações escravizadas do Leste Europeu, e no que ainda ocorre na Coreia do Norte e em Cuba.
São exemplos lúgubres que ilustram exatamente o que ocorre quando toda uma população é escravizada pelo partido dominante. Nestes sistemas, o indivíduo é obrigado a trabalhar e a produzir, mas é proibido de usufruir os frutos e os rendimentos de seu próprio trabalho, tendo até mesmo o seu consumo restringido pelo governo.
O lucro fornece incentivos para se trabalhar e empreender. Quando ele é abolido, não apenas o ato de trabalhar e de empreender perde sua função, como também aqueles que querem prosperar não têm como fazê-lo de maneira honesta. E isso leva ou ao desespero ou à criminalidade.
O lucro é obtido por meio de trocas comerciais inovadoras e recompensadoras. Se o lucro é eliminado, tem-se a escravidão. O formato dessa escravidão pode ser variável, mas será uma escravidão de algum tipo.
Com efeito, este resultado será o mesmo não importa se a eliminação do lucro ocorrer por meio do comunismo (em que o lucro é punido com a pena capital) ou do fascismo (em que todo o lucro é direcionado para os amigos do regime).
A questão principal é o excedente produzido:
• Se o excedente pode ser produzido e acumulado pelo cidadão comum por meios honestos, a escravidão pode ser eliminada.
• Se os cidadãos honestos não tiverem a permissão de produzir e de manter seus próprios excedentes (sendo seus excedentes confiscados ou pelo Estado ou pelos parceiros do Estado), o resultado será alguma forma de escravidão.
O lucro é simplesmente uma ferramenta — uma maneira de gerar excedentes sem a coerção imposta pela escravidão.
O que nos leva à conclusão definitiva: é impossível se livrar simultaneamente da escravidão e do sistema de lucros. Você pode eliminar um dos dois, mas sempre que eliminar um, ficará inevitavelmente com o outro.
O lucro se baseia nas virtudes
Para se viver em uma civilização que prospera por meio do lucro, é necessário que o ser humano saiba domar todos aqueles seus instintos mais primitivos — algo típico dos animais —, como a inveja. É necessário saber desenvolver o autocontrole, a paciência, a temperança e, principalmente, saber se concentrar em algo maior do que meras possessões materiais — afinal, é exatamente o materialismo o motor da inveja e do igualitarismo.
É vergonhoso que o Ocidente tenha, ao longo dos últimos séculos, se afastado de suas virtudes tradicionais, e passado a considerá-las vícios burgueses ou meras superstições. Se algum dia finalmente perdermos todas as nossas virtudes, o sistema de lucros perderá sua proteção e não mais será visto como um motor da prosperidade, e a antiga e extinta prática da escravidão irá voltar.
Nossas ações têm consequências.
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Para uma abordagem mais técnica e aprofundada sobre a questão dos lucros, leia:
A natureza econômica dos lucros e dos prejuízos
Condenar o lucro é defender o retrocesso da humanidade
A função social e moral dos lucros
Paul Rosenberg é o presidente da Cryptohippie USA, uma empresa pioneira em fornecer tecnologias que protegem a privacidade na internet. Ele é o editor FreemansPerspective.com, um site dedicado à liberdade econômica, à independência pessoal e à privacidade individual
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil