Após mais de duas semanas de protestos estudantis por democracia bloquearem algumas das vias mais movimentadas de Hong Kong, o chefe-executivo da cidade encontrou uma maneira de combater os manifestantes. Os próximos dias testarão se os estudantes podem se organizar e mobilizar a cidade que defendem, enquanto o governo de Hong Kong procura seduzi-los com uma nova oferta de conversações.
Os protestos foram originalmente desencadeados pela decisão de Pequim em 31 de agosto que os candidatos para a próxima eleição de chefe-executivo em 2017 seriam escolhidos por uma comissão de elites que favorecem o regime comunista chinês. Assim, as pessoas de Hong Kong teriam o direito de votar num desses candidatos cuidadosamente selecionados e controlados.
Os manifestantes exigem que todos os cidadãos de Hong Kong tenham o direito de nomear e votar pelo chefe-executivo de sua escolha.
Os estudantes tentaram forçar o governo de Hong Kong à mesa de negociações, ocupando áreas-chave da cidade e bloqueando estradas movimentadas. Com efeito, os estudantes fizeram de refém a vida comercial da cidade. A estratégia pareceu dar frutos por um tempo.
Meia hora antes da meia-noite de um prazo determinado pelos estudantes numa carta aberta, Leung Chun-ying, o chefe-executivo de Hong Kong, disse numa conferência de imprensa em 2 de outubro que haveria negociações.
Depois de conversações para planejar o próximo debate, as negociações foram previstas para começar na sexta-feira 10 de outubro. Então, na quinta-feira 9 de outubro, Carrie Lam, a funcionária No. 2 de Hong Kong, cancelou as conversações e culpou os estudantes pelo fracasso.
O governo pode ter cancelado as negociações em parte porque parecia que o movimento estudantil estava perdendo fôlego. Enquanto no fim de semana anterior havia dezenas de milhares de estudantes nas ruas, ao longo da semana o número se reduziu a no máximo alguns milhares.
Se Leung pensou que o movimento estudantil estava prestes a desmoronar por si próprio, então ele calculou mal. Após o cancelamento das conversações, dezenas de milhares voltaram às áreas ocupadas e o movimento estudantil pareceu renascer.
Desalojando os estudantes
Com as negociações canceladas, Leung tinha de aceitar a ocupação dos estudantes ou encontrar uma maneira de desalojá-los. Duas tentativas anteriores de remover os estudantes já haviam falhado.
Na noite de 27 de setembro, estendendo-se pelo dia seguinte, a polícia usou grande quantidade de gás lacrimogêneo e spray de pimenta para dispersar os estudantes. A medida foi recebida com condenação internacional e mais estudantes e outros manifestantes voltaram a encher as áreas ocupadas.
Em 2 de outubro, centenas de pessoas apareceram para se opor aos manifestantes pró-democracia. Os manifestantes disseram que eles eram bandidos e membros de gangues locais. Eles assediaram, empurraram e xingaram os estudantes e tentaram intimidá-los.
Como ocorreu com o uso de bombas de gás lacrimogêneo na semana anterior, a violência não teve sucesso, à medida que mais pessoas saíram para se juntar aos protestos pró-democracia.
Logo no início da manhã de 12 de outubro, uma centena de policiais apareceu no distrito do Almirantado e removeu várias barricadas de metal que os estudantes edificaram para bloquear a estrada.
Nos próximos dois dias, a polícia apareceria de repente em grande número em diferentes lugares da cidade, desmantelando as áreas ocupadas pelos estudantes. Houve encontros decisivos nas duas vias que ligam a ilha de Hong Kong com o resto de Hong Kong.
Na tarde de 13 de outubro, dezenas de homens não identificados apareceram e cortaram as amarras plásticas que seguravam as barricadas erguidas pelos estudantes e que bloqueavam Queensway Causeway, uma rodovia de 10 pistas que atravessa o distrito central de negócios. Meia hora depois, um caminhão chegou e a polícia colocou as barricadas liberadas no veículo e partiu.
Em resposta, os estudantes febrilmente construíram barricadas ainda mais formidáveis, usando varas de bambu, recipientes de lixo, fitas, correntes e concreto. Na manhã do dia 14 de outubro, a polícia chegou com força e usou motosserras e alicates para desfazer o que os alunos construíram. Caminhões de lixo transportaram os restos.
Naquela noite, os estudantes convergiram mais ou menos espontaneamente e repeliram os policiais que guardavam a Rua Lu Wong e seu túnel. Os estudantes chegaram em grande número e não vacilaram quando a polícia usou spray de pimenta e cassetetes e rapidamente construíram barricadas para bloquear esta artéria-chave da cidade.
Por volta das 3h na manhã de 14 de outubro, a polícia retomou o túnel numa ação que exigiu menos de uma hora. Centenas de policiais marcharam pelas barricadas dos estudantes e afastaram os alunos agitando seus cassetetes e esguichando spray de pimenta.
Com a abertura de Queensway Causeway e da Rua Lu Wong, além da abertura de outras vias de Hong Kong, os estudantes viram o fim de seu controle de mais de dois dias sobre várias artérias comerciais de Hong Kong.
Brutalidade
A vitória de Leung veio com um custo. Uma estação de TV filmou o espancamento de um manifestante algemado durante quatro minutos. Repórteres enviaram por Twitter fotos dos hematomas que receberam quando policiais os afastaram agressivamente da local da ação.
Uma foto que provavelmente se tornará icônica e que captura a horror desta noite mostra um manifestante com as mãos para cima, sem mostrar qualquer resistência, enquanto um policial com o rosto avermelhado cobre a face do manifestante com spray de pimenta a centímetros de distância.
Na manhã do dia 15 de outubro, uma multidão de cerca de mil se reuniu em frente à sede da polícia. Eles não foram protestar, eles foram apresentar queixas formais sobre a má conduta policial. As acusações de brutalidade policial sensibilizaram profundamente Hong Kong. As pessoas de Hong Kong estavam acostumadas a pensar na polícia como uma força que os protege, não uma que, como na China continental, oprime o povo.
Disparar gás lacrimogêneo nos estudantes foi um evento traumático para os cidadãos de Hong Kong. A famosa cantora cantonesa Denise Ho escreveu num artigo do Apple Daily que derramou lágrimas profusamente ao assistir as cenas de uso de gás lacrimogêneo. Por toda a cidade havia tristeza e um sentimento de que a confiança foi violada. A brutalidade policial em 14 de outubro aprofundará essa perda de confiança.
Enquanto a ocasião dos protestos em massa que têm convulsionado Hong Kong tem sido a luta pelo sufrágio universal, a crença de que o pacto cívico está se fragmentando é a causa mais profunda desses protestos.
Desde a transferência para a República Popular da China em 1997, Hong Kong tem sido nominalmente governada pela política de ‘um país, dois sistemas’. Mas os cidadãos de Hong Kong têm testemunhado esforços sucessivos para fraturar o sistema que herdaram do Reino Unido, o qual lhes proporciona uma economia capitalista, um sistema judiciário independente, estado de direito e proteções às liberdades básicas.
Leung tem feito um péssimo trabalho como servidor público danificando as instituições de Hong Kong. Durante seu mandato, grupos de bandidos foram dados rédea solta na cidade para perseguir os praticantes do Falun Gong e ativistas pró-democracia. A liberdade de imprensa tem sido gravemente danificada e a integridade da polícia foi comprometida.
A sensação de que Hong Kong está sob cerco atingiu o auge quando Pequim emitiu um ‘livro branco’ em 10 de junho que redefiniu a política de ‘um país, dois sistemas’.
Ao invés de garantir um elevado grau de autonomia como a política anteriormente tinha proposto, ‘um país, dois sistemas’ foi reinterpretada para permitir que Pequim possa fazer o que quiser em Hong Kong. O estatuto especial da Região Administrativa Especial foi encerrado.
Esta é uma conclusão que os cidadãos de Hong Kong não podem aceitar. E assim, eles protestam com um sentimento crescente de desespero, à procura de uma maneira de salvar a Hong Kong que lhes está sendo tomada.
Negociações
Embora Leung tenha tido sucessos nos últimos dias, os estudantes não desapareceram. Eles ainda têm presença vigorosa perto do complexo do Governo Central, onde estão acampados em duas estradas principais, Harcourt e Connaught. Se o padrão nas últimas semanas se repetir, este fim de semana verá dezenas de milhares nas ruas novamente.
Numa conferência de imprensa na tarde de 16 de outubro, Leung, sem dúvida reconhecendo a força representada pelos estudantes, anunciou que realizou discussões com o objetivo de iniciar negociações com a Federação dos Estudantes de Hong Kong, uma das duas organizações de estudantes que iniciaram os protestos.
Na conferência de imprensa, Leung afirmou também que as negociações não podem ter pré-condições e que não é possível permitir que os cidadãos de Hong Kong, em vez de um comitê escolhido por Pequim, nomeiem os candidatos a chefe-executivo. Ele acenou com a perspectiva de um negócio, que sugere que a composição do comitê de nomeação possa ser discutida.
Essas negociações, que poderiam indicar uma vitória para os estudantes, carregam perigos próprios. Leung sem dúvida recebeu ordens sobre como acalmar as coisas em Hong Kong, mas sua atuação de boa fé na mesa de negociação seria muito surpreendente. O Partido Comunista Chinês nunca negociou com ou se comprometeu com qualquer grupo com o qual se opõe. Em qualquer caso, Leung é a última pessoa que pode responder às preocupações reais dos cidadãos de Hong Kong.