No fim de novembro deste ano, o Congresso Nacional aprovou projeto de lei que desobriga a União de cobrir as metas fiscais não atingidas por estados e municípios. Em entrevista ao Instituto Millenium, Sandro Schmitz, consultor internacional e especialista do Imil, afirma que a proposta surge no rastro de uma sequência de ações que desrespeitam a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), criada no ano 2000 justamente para impor mais controle aos gastos públicos. “No ano passado, o governo precisou fazer uma série de manobras contábeis para dizer que havia conseguido fechar as contas”, afirma Schmitz.
Além do projeto de lei, que torna facultativo ao Poder Executivo bancar os gastos dos entes federados, a chamada “contabilidade criativa” e a PEC do Orçamento Impositivo também permitem o afrouxamento do limite de gastos do governo. Segundo Schmitz, essas ações dificultam o controle da inflação e afastam os investidores. “A legislação, que dava ainda uma certa segurança, está sendo alterada. Que garantia se pode dar a um investidor? ”, argumenta. Leia a entrevista:
Instituto Millenium: Qual é a sua opinião sobre esse projeto de lei?
Sandro Schmitz: Em primeiro lugar, é uma tentativa bem clara de romper com a Lei de Responsabilidade Fiscal, considerando que desde o primeiro governo Lula essa atitude já era uma meta do governo. Não me surpreendeu nem um pouco quando soube da proposta. Em um segundo momento, trata-se de uma homenagem à irresponsabilidade política do governo. É como um cheque em branco que o Poder Executivo recebe. Na verdade, é uma consequência direta das maquiagens que o governo vem fazendo nos últimos anos, por não cumprir o superávit primário. No ano passado, o governo precisou fazer uma série de manobras contábeis para dizer que havia conseguido fechar as contas, agora não precisará mais recorrer a tais artifícios. O governo ficará autorizado pela lei a não cumprir com o superávit primário. O limite está rompido. Extremamente conveniente, principalmente em ano pré-eleitoral.
Imil: Quais problemas essas propostas podem trazer para a economia do país?
Schmitz: Os mais diversos problemas. Um deles, extremamente sério e que muita gente não considera, é que Lei de Responsabilidade Fiscal representa um dos pilares mais importantes do Plano Real. O descumprimento da LRF vai corroendo a moeda e certamente causará prejuízo sério no controle da inflação. A nossa inflação tem aumentado mês a mês no último ano e o governo não tem conseguido controlá-la. Sem um regime para segurar os gastos, as metas de inflação ficarão comprometidas severamente. Eu creio que o problema mais sério para e economia será mesmo a corrosão do próprio Plano Real, com a ampliação da estrutura inflacionária e de gastos governamentais. O Brasil vai perder competitividade e ficar cada vez mais pesado. Creio que no início do ano que vem teremos um rebaixamento do rating.
Imil: A PEC do Orçamento Impositivo também compromete a Lei de Responsabilidade Fiscal?
Schmitz: Com certeza. Se há gastos obrigatórios com as emendas parlamentares, como fica a LRF? O planejamento orçamentário tem que ser feito dentro da LRF. No momento que o Congresso impõe as emendas, o limite vai ser esquecido. Então, o orçamento impositivo é nocivo. A verdade é que de uma forma muito oculta, nos bastidores, o Congresso Nacional está desmanchando a LRF e a população não está percebendo. O orçamento impositivo, obrigando o governo a gastar com emendas parlamentares, a proposta que desobriga a União de cobrir as metas fiscais não alcançadas por estados e municípios, as manobras para atingir superávit primário, enfim, medidas que desconstroem todo o processo da responsabilidade fiscal. O custo político de dizer “vamos revogar a LRF” seria muito alto. Então, o governo vai desconstruindo a lei, aos poucos, por meio de uma série de outras leis.
Imil: Você acha que essas medidas que desrespeitam a LRF comprometem a capacidade de investimento do país em infraestrutura?
Schmitz: Seriamente. A Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014 proíbe gastos com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), cujo maior foco é justamente a infraestrutura, sem entrar no mérito do programa. O governo corta onde não devia.
Imil: O governo tem feito uma “contabilidade criativa” para fechar as contas…
Schmitz: Mas agora a “contabilidade criativa” está dispensada, já que desmancharam a regra do superávit. A contabilidade criativa era para ocultar a própria incompetência por não cumprir as metas do superávit. Como não consegue alcançar o resultado, ele elimina a regra.
Imil: Vai ficar mais difícil ainda crescer?
Schmitz: Os efeitos dessas medidas no crescimento são automáticos. Nós precisamos ter credibilidade e fica difícil em um cenário sem controle rígido de gastos do governo. Para se ter uma ideia, em abril o governo anunciou que não alcançaria a meta de superávit primário deste ano. Há cinco anos o governo não alcança a meta e, por isso, se vale da “contabilidade criativa”.
Imil: Essas medidas de flexibilização da LRF geram descrédito no ambiente de negócios?
Schmitz: O ambiente de negócios no Brasil já é ruim, considerado um dos piores do mundo. O risco país dobrou este ano. Ultrapassamos 200 pontos. O mercado sempre acha soluções, mas se torna cada vez mais caro investir no Brasil. O risco do país está aumentando muito rapidamente. Estamos tendo problema de balança comercial, de câmbio, de inflação e de superávit. E, agora, a legislação, que dava ainda uma certa segurança, está sendo alterada. Que garantia se pode dar a um investidor?
Imil: O que pode ser feito para dificultar essas manobras do governo? Há alguma fiscalização?
Schmitz: Existe, mas é um processo duro e burocrático. Temos duas fases: o controle interno e o externo. No interno, o processo é analisado por técnicos do próprio governo, que dificilmente vai punir a própria estrutura. No Tribunal de Contas da União, a ação é demorada. As contas do governo são julgadas dois anos depois. Esse controle é bastante complexo.
Imil: Pelo visto, o cenário para o ano que vem é pessimista…
Schmitz: O Brasil não é mais o queridinho do mundo. Ele ameaçou decolar e abortou o voo. A equipe econômica está vendendo uma coisa que não existe mais. Criticaram tanto os governos anteriores e agora estão montando um grande mercado especulativo no país. Para arrumar tudo, o governo precisa tomar medidas desagradáveis para a população e estaremos em um cenário de ano eleitoral.
Imil: Quais medidas seriam essas?
Schmitz: Corte de folha de pagamento, retomar o superávit primário, aumentar momentaneamente a taxa de juros, enxugar o crédito, gastar pesado em infraestrutura, fazer uma forte redução tributária do setor produtivo, revisar os custos trabalhistas previdenciários para que seja possível empregar mais, já que hoje não é interessante contratar no Brasil. Com essas medidas, o governo daria um sinal de responsabilidade para o exterior e retomaria o crescimento.
Essa entrevista foi originalmente publicada pelo Instituto Millenium