A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, anunciou na quarta-feira (16) em Brasília a criação de uma comissão para investigar os abusos cometidos durante a ditadura militar que ocorreu no país, entre os anos de 1964 e 1985. A cerimônia contou com a presença dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso.
A criação da Comissão da Verdade põe fim a uma etapa, superando um tabu que perdurou por mais de 26 anos de tentativas de esclarecimento sobre as ações praticadas pelo grupo de militares que governou o país. Durante a ditadura, foram suspensos os direitos civis e as liberdades individuais, inclusive culimnando no fechamento do Parlamento. O clamor maior é pela confirmação de violações dos direitos humanos como torturas contra dissidentes políticos e a morte e desaparecimento de um grande número de militantes.
A atual mandatária do Brasil foi integrante da resistência no período da ditadura militar. Ela foi torturada pelos órgãos de inteligência (DOPS), criados pelos militares especialmente para intimidar seus opositores e minar a resistência, sofrendo espancamentos e choques elétricos, tendo acompanhado de perto o encarceramento, a tortura e a morte de muitos militantes e políticos nos anos 70.
O projeto da comissão foi criado em novembro do ano passado e, originalmente, projetado para investigar as violações cometidas apenas durante o regime militar. Mas este período foi recentemente estendido também aos anos anteriores, até 1946, para incluir os abusos da era pós-Segunda Guerra Mundial.
A comissão terá o poder de convocar testemunhas para investigar as violações cometidas tanto pelas Forças Armadas quanto pela resistência, mas não de julgar ou condenar. No início de maio, foram anunciados os nomes dos sete membros da comissão. Entre eles está a procuradora Rosa Maria Cardoso da Cunha que representou Dilma Rousseff no início dos anos 1970.
O ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, um dos nomeados para a comissão, disse que o trabalho do grupo ajudará a evitar que tais abusos dos direitos humanos venham a se repetir. “A instalação desta Comissão de Verdade significa passo relevante. Comprometemo-nos perante a história que o nosso trabalho terá a força do ‘nunca mais…’ ”, afirmou.
A presidente do Brasil, muito emocionada durante a maior parte da cerimônia, disse que o país devia explicações para aqueles que perderam seus entes queridos perseguidos pelo regime. “…o Brasil merece a verdade. As novas gerações merecem a verdade. E, sobretudo, merecem a verdade factual aqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo, como se eles morressem de novo e sempre, a cada dia”, declarou Dilma Rousseff.
O projeto foi inspirado na Comissão da Verdade instalada na África do Sul após o “Apartheid” e a subsequente Reconciliação. No entanto, a criação desse órgão para a apuração de violações dos direitos humanos é apenas um tímido passo se comparado com as iniciativas de Argentina, Uruguai e Chile, vizinhos regionais do Brasil, onde ex-militares de alta patente foram julgados e presos.
O Brasil nunca condenou ninguém por participar de abusos praticados durante a época da ditadura militar e se recusou a tornar públicos os arquivos militares do período. Mesmo após o regime militar, seus representantes continuaram a intimidar os que ensaiavam movimentos nesse sentido.
É lugar comum que um número de aproximadamente 20 mil pessoas tenha sido submetido a tortura, muitas vezes através de espancamentos, choques elétricos, abusos psiquiátricos, violação sexual, entre outras formas. Estima-se que um número superior a 500 brasileiros foram mortos ou desapareceram durante o regime militar.