Bolha econômica da China em perspectiva

14/09/2014 10:40 Atualizado: 14/09/2014 10:40

Quão grande é a bolha da China?

A China parece estar nos estágios finais de uma bolha de investimento alimentada por dívida. Não é que não tenhamos vimos isso antes, simplesmente não vimos algo nessa escala.

Vejamos alguns números: o sistema bancário da China agora tem ativos de US$ 27 trilhões; o sistema bancário dos Estados Unidos tem ativos no total de US$ 15 trilhões. Neste momento o sistema bancário da China tem ativos de mais de um terço do PIB global.

Observando os registros históricos de dados que temos, nunca houve um momento em que um país tivesse esse peso na economia global. O Japão nunca chegou perto disso mesmo no auge de sua bolha, não obstante o fato de que essa bolha era também muito grande.

Ao olharmos para o que tem impulsionado o crescimento da China nos últimos poucos anos, eles expandiram os ativos bancários em 2 a 3 trilhões de dólares. Mas a economia da China é de apenas US$ 10 trilhões. O crescimento tem declinado segundo as estatísticas oficiais. Analisando os números e observando a atividade real, por exemplo, o consumo de energia elétrica e o preço do minério de ferro, que está agora numa baixa de 2-3 anos, parece que a economia está desacelerando ainda mais.

Também parece ter havido um grande aumento em empréstimos improdutivos e ativos improdutivos. Isso levará algum tempo para ser digerido na economia.

Como isso seria digerido?

Com crescimento mais lento, a questão é quão lento o crescimento pode ir. Parece bastante claro que o líder chinês Xi Jinping percebe a gravidade do problema e sua luta atual contra a corrupção está tentando lidar com esse problema. Parece que nos últimos anos essa dívida que alimentou a bolha de investimento ajudou as elites a ficarem cada vez melhores de vida. Vimos isso com Zhou Yonkgang assumindo o controle da indústria do petróleo e o fato de que ele foi capaz de acumular enorme riqueza.

Inverter o modelo econômico da China significa que as pessoas que mais se beneficiaram nos últimos 30 anos terão agora de enfrentar um declínio relativo ou total. Acredito que a campanha de Xi Jinping contra a corrupção está tentando conter o problema para ser capaz de administrar o declínio na economia. Se é possível fazer isso ou não continua a ser uma questão.

Então, quais são as estatísticas sobre a dívida privada na China?

Na China parece que [a dívida privada] cresceu de 50% do PIB para quase 200% nos últimos cinco anos, bem acima do limite de segurança. Vimos isso na Espanha em 2008, sua dívida privada em relação ao PIB cresceu 49% nos cinco anos antes da crise, e podemos ver o que a Espanha está sofrendo hoje.

Mas a dívida tem de ser paga de qualquer maneira…

A dívida tem que ser paga, amortizada ou digerida. O que vimos no contexto do Japão é que a economia se reequilibrou nos últimos 20 a 25 anos. O consumo como parte do PIB total cresceu. Isso apenas cresceu no contexto de nenhum crescimento nominal. A China pode conseguir reequilibrar-se no contexto de crescimento nominal de 5-6%, se o consumo crescer muito mais rapidamente do que o investimento. O problema é que muito do consumo está de fato amarrado ao mercado imobiliário e às atividades imobiliárias.

Pesquisas de observadores da China mostram que, em cidades onde a atividade imobiliária tem diminuído, o consumo também diminuiu muito. Muito do consumo está relacionado com itens instalados em casas, como mobília e eletrodomésticos. Esta bolha de investimento imobiliário mostra o que ocorre com o consumo.

O que acontece se isso se agravar?

A coisa pode ficar feia. A questão é o que ocorreria com o resto do mundo. Quanto à proporção do PIB global, o Japão era realmente maior no pico de sua bolha do que a China é hoje. Quando o Japão desacelerou as pessoas temiam o impacto no PIB global. Mas quando você pensa sobre isso desta forma você vê que um país que é um exportador de peso está na verdade importando demanda do resto do mundo. Se ele fica mais lento e as exportações como uma porcentagem do PIB caem, de fato isso contribui para o PIB global. Então isso não é necessariamente ruim para o mundo, é ruim para alguns países.

A Austrália, por exemplo, engatou seu vagão econômico à China e não acho que eles têm visto recessão desde 1991 ou 1992. Mas eles podem sofrer e estamos realmente vendo o desemprego aumentar na Austrália. Mas para o mundo como um todo não é necessariamente ruim.

Se a China estiver importando menos demanda agregada do mundo no total, isso não é necessariamente ruim do ponto de vista macro, embora haja vencedores e vencidos nesse espectro.

Na Europa, haverá vencedores e perdedores. A Alemanha tem ganhado exportando bens de capital para a China e participado do crescimento da China. Assim, a Alemanha poderia ser mais afetada.

O que pode ser feito?

Parece-me que há uma bifurcação. As empresas estatais são extremamente ineficientes. E elas têm sido as maiores beneficiárias da farra de crédito. Elas têm mais acesso aos bancos estatais e ao mercado de títulos. O mercado mais eficiente da China são as pequenas e médias empresas que são geridas por empreendedores, que são muito eficientes, mas também têm menos acesso ao crédito no momento.

Acredito que isso é parte do problema: como deslocar os recursos do setor estatal com interesses de poder tão arraigados para o setor mais produtivo que é mais doméstico e orientado ao consumidor que não tem o mesmo tipo de acesso.

Você recomendaria investir?

As ações chinesas têm apresentado um dos piores índices de desempenho financeiro desde a crise econômica global. Em algum momento as ações chinesas serão uma grande compra. Infelizmente, o tipo de acompanhamento diligente que você precisaria para ganhar com isso não é algo que eu poderia fazer em Manhattan falando inglês.

Há um número de empresas que podem realmente analisar contas SASIC [o órgão regulador do mercado financeiro da China], que podem atuar localmente e verificar as coisas; e eu não acredito que eu possa fazer isso pessoalmente. Acho que em certo ponto a China será uma grande compra, apenas não sei quando.

E sobre a capacidade do regime para afunilar mais perdas?

A única coisa que os saltos de crescimento da China lhe dirão é que a China tem uma crise financeira uma vez por década, e cada vez as crises da China dirão: Acabou, a China quebrará. Mas parece que a China pode passar por isso.

Na última grande crise no final da década de 1990, acredito que empréstimos improdutivos atingiram um total de um terço do PIB na época. A China foi capaz de desbloquear grande crescimento aderindo à Organização Mundial do Comércio (OMC), recebendo capital estrangeiro e recapitalizando os bancos com investidores estrangeiros, mas também com um enorme imposto sobre os consumidores por meio de taxas de juro variáveis que transferiram montanhas de dinheiro do consumidor para as empresas estatais por meio de taxas de juros mais baixas e da amortização de dívida implícita ou explícita.

Neste momento, não acho que haja qualquer coisa particular que eles possam fazer, como aderir à OMC para estimular a produtividade. Seus problemas são muito grandes em relação ao capital estrangeiro; eles já atraíram muito capital estrangeiro. Eu também não tenho certeza até que ponto eles ainda podem usar repressão financeira para recapitalizar o sistema, uma vez que eles ainda estão usando a repressão financeira agora por meio de baixas taxas de juros sobre depósitos.

Eles têm usado artifícios contábeis e temos visto uma série de bolhas explodir. Estou extremamente preocupado com a bolha, mas muito impressionado com os empresários chineses. Mas no curto prazo, estou muito preocupado.

Evan Lorenz é um analista da empresa de consultoria ‘Grant’s Interest Observer’, que é especializada em China. Antes de ingressar na Grant’s, Evan era vice-presidente da ‘Sheffield Asset Management’, um fundo de investimento sediado em Chicago.

A entrevista foi editada para concisão e clareza.