O foco perfeito para rumores se desenvolve onde a política é opaca e onde o poder opera de maneira oculta do público. A China sempre foi cheia de rumores, particularmente em tempos de caos e confusão, ou quando uma dinastia se aproximava do fim. O povo chinês, no período da internet, está cercado por todos os tipos de boatos, como foi o caso quando a Dinastia Qing estava prestes a acabar há cem anos.
Todos esses rumores podem ser atribuídos a uma causa: o incidente de Wang Lijun. Wang, vice-prefeito de Chongqing e ex-chefe da Segurança Pública, entrou no consulado dos EUA em Chengdu em fevereiro. Em 14 de março, Bo Xilai, um dos homens mais poderosos da China, foi demitido de suas funções. Daquele dia em diante, Bo, que nos últimos anos tinha sido o centro das atenções dos meios de comunicação nacionais e estrangeiros, desapareceu da vista do público. Mesmo o paradeiro de Bo é considerado “segredo de Estado”. O tipo de punição que ele poderá receber das autoridades é um segredo ainda maior. Como resultado, os boatos voam.
Muitas histórias podem ser recuperadas a partir de websites chineses fora da China. Algumas parecem ser plausíveis, como Bo sendo colocado sob prisão domiciliar, enquanto outras são incríveis, por exemplo, que um golpe está próximo. No entanto, porque as notícias sobre Bo são censuradas no interior do país, todo tipo de “linguajar” aparece no Weibo, microblogue na China equivalente ao Twitter, e eles mudam diariamente. Muitos termos têm sido usados para se referir a Bo: “não-espesso” (retirado do apelido de Bo, que significa “magro”), “Vermelho no Oeste” (devido às Canções Vermelhas cantadas no sudoeste do país), e “terceiro jovem mestre” (Bo é o terceiro filho).
No início, grandes mídias internacionais tentaram verificar manchetes que apareceram na internet. Por exemplo, quando o New York Times e o International Herald Tribune noticiaram sobre o “Boletim sobre o manejo inicial do incidente de Wang Lijun” do Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCCh) no dia 15 de março, eles verificaram com vários oficiais chineses que tinham lido. Mais tarde, outras grandes mídias entraram no jogo de adivinhação.
Em 20 de março, um relatório pedido pelo Primeiro-Ministro Wen Jiabao a Bo para retificar o “4 de junho”, ou seja, o massacre de 1989 na Praça Tiananmen, e que Bo repetidamente se opôs, foi publicado no website do Financial Times. Em 21 de março, os internautas na China descobriram que de repente a censura dos sites do país havia sido levantada e eles puderam recuperar informações sobre o “incidente de 4 de junho”. Isto deu origem a especulações ainda mais rebuscadas.
Os rumores podem ser divididos em três categorias.
O primeiro é sobre a corrupção de Bo e sua esposa, Gu Kailai; o segundo é sobre o conflito na cúpula do PCCh que Bo trouxe à luz do dia; e o terceiro é sobre o número de pessoas com antecedentes militares que estão envolvidos na luta pelo poder.
Porque as autoridades chinesas permaneceram em silêncio, o povo chinês só podia utilizar sua habilidade especial de decifrar o verdadeiro significado entre as linhas das notícias. Consta que o noticiário da noite da CCTV, um programa a muito rejeitado por espectadores jovens e de meia-idade teve um grande aumento em sua audiência. As pessoas pacientemente assistiriam ao noticiário chato do começo ao fim para ver quem não apareceria. Zhou Yongkang, membro do Comitê Permanente do Politburo e secretário do Comitê dos Assuntos Político-Legislativo (CAPL), supostamente o único que apoiava Bo, tornou-se um foco especial de atenção.
Os rumores são o que as pessoas em sociedades autoritárias usam como uma arma para resistir aos que estão no poder. Olhando para trás na história da China, os tempos em que abundavam rumores e desempenharam papéis importantes em ajudar as pessoas a fazerem sentido de uma situação eram geralmente quando as dinastias chegavam perto de seu fim e quando o país mergulhava no caos.
Rumores dão alguns insights sobre o estado das coisas numa sociedade, o que as pessoas têm em suas mentes, a situação básica da política e tendências políticas. Nos tempos modernos, a China teve três ocasiões importantes quando os boatos políticos foram desenfreados. A primeira foi no fim da Dinastia Qing, a segunda foi na véspera da retirada do Partido Nacionalista para Taiwan, e a terceira ocasião foi em 1976, quando terminou a Revolução Cultural.
Tomemos a Dinastia Qing como exemplo. O ar estava cheio com as previsões sobre o colapso da dinastia, e histórias de disputas e lutas internas no topo do governo.
O que desencadeou o motim do Exército Novo de Hubei (o prelúdio da insurreição de Wuchang que levou à queda da dinastia), em outubro de 1911, foi também um boato que tinha relevância direta na vida dos soldados. O governo imperial Manchu estava compilando uma lista de todos os soldados chineses da etnia Han, e todos os soldados chineses no Exército Novo de Hubei seriam presos e punidos por serem membros do partido revolucionário.
O rumor colocou os soldados chineses numa situação impossível, em que a obediência significava a morte. Se eles se revoltassem, tinham chance de sobreviver. Por isso, a Revolta de Chu, na noite de 10 de outubro, eclodiu.
A China não é um país com transparência das informações. Sempre que ocorre uma luta pelo poder, os boatos estão por toda parte e até mesmo funcionários de níveis inferiores se sentem felizes em espalhar e acreditar em boatos. Na era da internet, não há maneira de qualquer governo gerenciar todos os canais de comunicação na sociedade, não importa o quão bom no controle da informação possa ser. Quanto mais fortemente o governo regula, mais bizarra se torna a geração e difusão de rumores.
Os rumores desde o incidente de Wang Lijun em fevereiro forneceram uma amostra valiosa da pesquisa para a comunicação política, o estudo interdisciplinar da ciência política e a comunicação.
A relação entre sistema político de uma sociedade e seu sistema de comunicação é simbiótica. O fato de que se espalham rumores rapidamente reflete em certa medida os conflitos sociais e a governança caótica de um determinado período, e é um sinal de que uma mudança drástica, uma divisão principal ou um grande colapso, podem ocorrer. Pode-se dizer que esses rumores estão fundamentalmente corroendo a legitimidade do regime chinês.
E em meio a todos esses rumores, os chineses estão se tornando cada vez mais descontentes e desdenhosos de seu governo.
He Qinglian é uma proeminente autora chinesa e economista que atualmente vive nos Estados Unidos. Ela é autora de “China’s Pitfalls”, que trata da corrupção na reforma econômica da China da década de 1990, e “The Fog of Censorship: Media Control in China”, que aborda a manipulação e restrição da imprensa. Ela escreve regularmente sobre questões sociais e econômicas da China contemporânea