‘Batalha Final’ para fazer lavagem cerebral em milhões na China

19/11/2013 08:43 Atualizado: 19/11/2013 08:43

Das planícies gélidas do norte de Heilongjiang ao oeste distante no Tibete, através de toda a região central da China, o Partido Comunista Chinês (PCC) está revigorando uma campanha para transformar à força o pensamento de milhões de praticantes de uma disciplina espiritual tradicional.

Cada canto da sociedade deve ser mobilizado nesta iniciativa, segundo dezenas de diretivas do PCC postadas em websites do governo e do PCC. Inclusive locais de educação e tratamento de saúde, como a Escola Secundária Jiangmen e o Hospital Amizade de Pequim, devem participar.

“Penetrando aldeias, casas particulares, escolas, órgãos governamentais, empresas e células do PCC na população migrante”, diz um aviso no website de um município na cidade de Chongqing. “Realizar a ‘Batalha Final de Educação e Transformação de 2013-2015’ é a decisão científica tomada pela Central do PCC baseada na luta atual”, explica outro aviso.

O Falun Gong, também conhecido como Falun Dafa, uma prática espiritual tradicional chinesa, tem sido alvo de perseguição na China desde 1999. Jiang Zemin, o líder chinês na época, lançou a campanha e, até o final de 2012, ele ou seus asseclas asseguraram sua continuidade. Agora, esta “Batalha Final” de 2013-2015 é a primeira vez que uma mobilização nacional é lançada contra o Falun Gong sob o mandato do atual líder chinês Xi Jinping.

Questões políticas

Os principais membros dos serviços de segurança pública que serviam os desejos políticos do ex-líder Jiang Zemin foram removidos este ano. Como a perseguição ao Falun Gong foi pessoalmente promovida e liderada por Jiang Zemin, pensava-se que, depois que seus asseclas deixassem o poder, a perseguição declinaria gradualmente.

Estatísticas incompletas produzidas pelo Minghui.org, um website do Falun Gong, indicam uma diminuição nos casos de detenções, prisão e tortura. E o sistema de campos de trabalho forçado, que por mais de uma década aprisionou um grande número de praticantes do Falun Gong, foi discretamente desativado em algumas áreas da China este ano.

Mas a nova campanha indica que além da falta de uma decisão explícita de parar a perseguição por parte do Comitê Permanente do Politburo, o órgão mais alto da liderança do PCC, a brutalidade simplesmente continuará revigorada, segundo Yiyang Xia, diretor-sênior de Pesquisa e Política sobre a China da ‘Human Rights Law Foundation’, sediada em Washington DC.

“Fora a Revolução Cultural, que quase destruiu o PCC, basicamente nenhum movimento político como este foi interrompido”, disse ele.

Grupos de interesse

O orçamento do Partido Comunista para a segurança nacional foi superior a US$ 120 bilhões este ano na China, segundo dados oficiais.

Os funcionários que conduzem a campanha contra o Falun Gong administram este orçamento. “Há centenas de milhares de agentes de segurança cuja subsistência e benefícios vêm desta perseguição, então eles estão ansiosos por novas campanhas”, disse Yiyang Xia.

Ele acrescentou que, como já se passaram 14 anos desde o início da perseguição, um grupo enorme de beneficiários no PCC se formou, os quais estimulam ativamente a campanha, porque ganham poder e riqueza com ela.

Liang Xiaojun, um advogado de direitos humanos na China que assumiu casos do Falun Gong, disse que há três razões para a campanha continuar: A primeira tem relação com momentum: “A perseguição está em curso e ninguém [no regime comunista chinês] disse qualquer coisa sobre pará-la. Segundo, como um Estado totalitário, o PCC precisa criar inimigos. E a terceira razão é o lucro: As pessoas que trabalham na perseguição ao Falun Gong ganham financeiramente com isso.”

O Falun Gong é uma prática espiritual com base nos princípios de verdade, compaixão e tolerância e tem cinco exercícios lentos e suaves e meditação. No seu auge, na década de 1990, havia, segundo dados oficiais, mais de 70 milhões de pessoas praticando-o, mais do que o total de membros do Partido Comunista. Os praticantes dizem que mais de 100 milhões de chineses praticavam.

Lavagem cerebral

O método principal que a polícia chinesa e as forças de segurança usarão para realizar a nova campanha é chamado de “educação legal” ou, literalmente, lavagem cerebral.

Trata-se de deter e isolar praticantes do Falun Gong e então forçá-los a ler ou assistir a propaganda do Partido Comunista contra a prática. Isto suplementa a privação do sono e tortura física, às vezes extrema – como choques com bastões elétricos, posições de estresse, queimaduras, etc. – que são frequentemente relatadas.

Corinna-Barbara Francis, uma pesquisadora sobre a China da Anistia Internacional, observou que os campos de trabalho forçado eram os principais instrumentos para a realização da última campanha de transformação contra o Falun Gong entre 2010-2012. Com o desmantelamento de alguns campos de trabalho, “minha suposição é que as autoridades os enviarão para essas classes de estudo”, disse ela, referindo-se às instalações de lavagem cerebral estabelecidas em diversos locais ad hoc por autoridades locais do PCC.

Duihua, um grupo de direitos humanos baseado em São Francisco que faz pesquisa sobre a China, disse que essas instalações são ainda menos codificadas legalmente do que os campos de trabalho e operam fora de qualquer conjunto de leis oficiais.

Ilegal

A Batalha Final é uma campanha oficial encomendada pela Secretaria Geral do PCC, provavelmente com base num documento elaborado pela Agência 610, um órgão extralegal do PCC encarregado de erradicar o Falun Gong, segundo Yiyang Xia, que estudou as operações de campanhas de segurança do PCC.

Mas apesar de ser uma campanha oficial, toda a operação é de fato ilegal de acordo com a lei chinesa, dizem advogados.

“Esse documento é uma evidência da supressão dos direitos humanos”, disse o advogado Liang Xiaojun. “Os funcionários do governo que aprenderam um pouco de Direito devem saber que é ilegal dar essas ordens. As pessoas têm direito à liberdade de religião e de expressão” de acordo com a Constituição, disse ele.

O advogado Tang Jitian disse: “Não há absolutamente qualquer dúvida de que isto não tem base legal.” Se pensarmos bem, as atividades das forças de segurança devem ser classificadas como “desaparecimentos forçados e sequestros”, disse Tang.

Autoridades locais descuidadas

Analistas familiarizados com as operações do Partido Comunista dizem que as diretivas encontradas por toda a internet em websites dos governos locais não deveriam estar lá.

“Eu não estou envolvido nas operações. Eu só cuido da informação na web”, disse um administrador do site da cidade de Jinhe, província de Shaanxi, contatado por telefone. “O documento é ordenado nível após nível a partir das autoridades centrais. O Conselho de Estado promove informação aberta, por isso qualquer informação do governo que não seja marcada como secreta é publicada no site.”

Yiyang Xia observa que nenhum governo provincial colocou as informações em seus websites – apenas escritórios dos níveis mais inferiores do governo, que não entendem as regras corretamente, fizeram isso.

No entanto, aqueles que implementam a campanha são orientados a fazer um bom trabalho. “Há avaliações rigorosas da… campanha [anti-Falun Gong] a cada ano”, diz um aviso no condado de Yunyang, em Chongqing. “Se alguma comunidade não organizar ativamente… atividades [anti-Falun Gong] e não puder terminar a educação e transformação dos estudantes, as autoridades procurarão seriamente os responsáveis.”

Tao Decai, o líder das atividades anti-Falun Gong na Escola Secundária Zhongshan, em Xuzhou, província de Jiangsu, foi contatado por telefone e questionado sobre o andamento da campanha.

“Nós entregamos questionários aos alunos para levar para casa”, disse ele, o que significa que os alunos tinham de verificar se alguém em suas famílias praticava o Falun Gong. Tao não estava disposto a responder a mais perguntas e encerrou a ligação.

Cotas

Como qualquer mobilização nacional realizada por um governo comunista, esta tem várias cotas.

Um aviso do escritório do Partido Comunista na Rua Dunren em Chongqing dizia: “A cada ano, mais de 20% dos alvos mais difíceis deve ser submetido a classes de educação forçada uma vez. A taxa de reincidência deve ser inferior a 3%.”

O condado de Yunyang disse que 90% de seus bairros devem ter taxa de conversão superior a 90%.

A cidade de Xintunzi, na província de Jilin, Norte da China, estabeleceu uma meta ainda mais ambiciosa. “Para converter todos os adeptos do Falun Gong inconversos até o final de 2015, haverá propaganda contínua para expor e criticar o Falun Gong.”

‘Cômico’

A seriedade da tentativa do PCC de transformar psicologicamente um grande grupo de pessoas pacíficas, juntamente com o fracasso contínuo da campanha para realmente atingir seu objetivo, tem sido um assunto que deixa observadores perplexos e às vezes os diverte.

O advogado chinês Liang Xiaojun disse que acha a campanha “totalmente ridícula”. “É impossível que o PCC alcance seu objetivo de transformar todos os praticantes do Falun Gong”, disse ele.

“Eles estão tentando tão duro para fazer este grupo desaparecer, mas, depois de tanto esforço, o efeito não é o que eles querem, e agora isso se tornou um problema internacional”, disse o advogado chinês Tang Jitian. “Eles tentaram e falharam, e agora eles têm uma sensação de crise.”

Ele acrescentou: “As exigências são altas e eles querem que o trabalho seja feito com entusiasmo e energia, por isso há alguns aspectos cômicos nisso. Mas usar violência para mudar os pensamentos e as ideias das pessoas, na realidade, não funciona.”