Desde a antiguidade o homem procurou compreender os fatores responsáveis pela boa saúde, longevidade e qualidade de vida. Atualmente o homem possui certo conhecimento a respeito desse tema e busca garantir isso mediante hábitos de vida saudáveis como uma dieta balanceada e exercícios físicos para preservar a sua saúde e funcionalidade. Mas haveria algo a mais para compreendermos? A antiga medicina chinesa traz uma série de considerações sobre esse tema.
Segundo o conhecimento tradicional, o corpo humano possui vários tipos de energias, fluídos, tecidos e órgãos, formando um arranjo harmônico que permite ao ser humano completar o seu ciclo vital. Qualquer componente em falta, excesso, bloqueio, ou circulando indevidamente prejudica a saúde, reduzindo o tempo de vida e gerando prejuízos ao organismo.
Assim, a imunidade passa a ser um subproduto da boa funcionalidade e circulação dos diversos tipos de energias em nosso organismo, desde as mais sutis e rarefeitas até as mais substanciais.
Existem duas energias primordiais extremamente importantes para o nosso desenvolvimento saudável, uma delas relaciona-se com nossa linhagem, nossa herança genética, conhecida como Jing (Essência). Essa essência sofrerá transformações para desenvolver o corpo físico por meio de uma energia conhecida como Yuan Qi (energia original), uma energia catalisadora de todos os nossos processos orgânicos que irá agir na essência liberando “sopros” (energias específicas) que irão dar impulso a todas as funções orgânicas. Essa energia relaciona-se com nossa “origem”, que nos remete a um estado anterior à forma (ao nascimento) e que durante a vida do ser humano o conecta com suas disposições internas inatas (celestiais), bem como carrega também aspectos cármicos, fazendo com que os homens ao nascer já sejam distintos entre si.
No livro Zhuan Falun – Girando a Roda da Lei, uma obra sobre o cultivo do corpo e da mente, encontramos a descrição de que o nosso corpo possui um campo ao seu redor (numa outra dimensão material-energética) e nesse campo se concentram dois tipos de energias conhecidas como virtude e carma. Quanto mais virtude uma pessoa tem, menores serão as chances de adoecer. Quanto mais carma uma pessoa acumula, maiores as chances de uma vida com muitas enfermidades, e maiores as chances de uma morte prematura. Essas substâncias (virtude e carma) não se acumulam durante uma única vida, mas vão sendo transmitidas e acumuladas desde tempos remotos.
Esse conceito, embora não seja diretamente difundido na moderna medicina chinesa, faz parte do conhecimento tradicional das três principais linhas filosófico-religiosas do oriente (budismo, taoísmo e confucionismo), que foram as principais correntes a influenciarem o conhecimento holístico da medicina chinesa. Esse entendimento relaciona-se com o que a medicina chinesa expõe sobre a nossa Essência (Jing) e a nossa energia Original (Yuan). Basicamente, nossa herança genética revela quanta virtude nossos ancestrais acumularam, e nossa energia original nos conecta ao plano sutil, como um guia de nossas disposições inatas. Quando somos guiados pelas nossas disposições íntimas o resultado é uma vida de realização e saúde, do contrário o corpo perde o apoio do princípio sutil que o organiza, gerando assim fatores de adoecimento.
Nos tempos antigos as pessoas viviam mais de 100 anos, porém, depois de alguns séculos as novas gerações passaram a ficar decrépitas à meia idade. Quando o lendário Imperador Amarelo perguntou ao seu médico imperial sobre essa questão, ele respondeu que era devido ao fato de que o homem tinha deixado de viver de acordo com o Tao e não mais se adaptava às mudanças da natureza. Afastou-se da lei do céu, das suas virtudes, não moderava mais os desejos e tinha desenvolvido vícios: esqueceu-se de como adaptar-se às mudanças sazonais e aos hábitos de vida que devemos incorporar em cada uma delas.
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Registros indicam que médicos da antiguidade possuem poderes sobrenaturais
Hoje, vemos casos de muitas celebridades e pessoas a quem não faltam recursos materiais sofrerem de doenças graves, mesmo com uma alimentação equilibrada, praticando exercícios físicos regularmente e ainda contando com o suporte da medicina moderna. As doenças continuam se manifestando sem respeitar idade, crença, status social e condição financeira.
A boa saúde e a imunidade são frutos diretos da tranquilidade de espírito, do viver de acordo com a lei natural, de quando se está cultivando as virtudes e moderando desejos: só assim se preserva a essência e se acumula virtude (energia de caráter positivo) para as próximas gerações. A Escola-Buda (um termo genérico para designar o conjunto de todos os caminhos que ensinam a alcançar o estado búdico) nos ensina três princípios fundamentais para alcançarmos a paz de espírito e a saúde física, são eles: Verdade, Benevolência e Tolerância. Princípios básicos para se desenvolver a retidão, a compaixão e a paz interior (a perfeição do caráter e da mente). Todo o bem que fazemos não beneficia apenas os demais: seus efeitos retornam em igual intensidade para quem o gera. Se já possuímos bons hábitos alimentares e praticamos atividades físicas regulares, já temos a base para uma boa saúde; a outra parte reside em verdadeiramente assimilar os três princípios fundamentais e cultivar a virtude.
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Isaac Padilha Guimarães Jr. é professor titular de pós-graduação em acupuntura do Instituto Brasileiro de Acupuntura e Moxabustão de Porto Alegre (IBRAMPA)