De uma perspectiva obtida durante um sobrevoo pela área costeira e planícies do Estado de Queensland, na Austrália, é possível visualizar o rastro de devastação ambiental deixado pelas recentes cheias que estabeleceram um novo recorde na região. O excesso de água desfez os bancos de sedimentos dos rios, destruiu áreas agrícolas e várias minas de carvão ficaram inundadas. A indústria de mineração, a mais importante do Estado, ainda luta para se recuperar.
As chuvas torrenciais pararam há dois meses, mas o rio Fitzroy, o mais importante da região nordeste da Austrália, continua acima de seu nível normal e descarrega suas águas no oceano Pacífico, na região da Grande Barreira de Corais. No momento, a preocupação de ambientalistas e pesquisadores é de que toneladas de sedimentos e resíduos tóxicos foram carregados com a água da inundação. Eles dizem que os materiais em suspensão, levados pela inundação, alcançam a distância de 40km mar adentro, atingindo o extremo sul da Grande Barreira de Corais que é tombada como Patrimônio Mundial pela UNESCO.
Michelle Devlin, pesquisadora da Universidade James Cook, que administra a monitorização do meio marinho em torno do recife, diz ela, que os materiais em suspensão levados pela cheia do rio Fitzroy poderiam se espalhar por centenas de quilômetros em direção ao norte, para além do Canal de Whitsunday, que é uma área ambientalmente sensível. Ela diz que não há provas de que o escoamento já tenha causado danos a áreas sensíveis do coral da costa.
“O que nós fizemos foi alterar a qualidade da água com nossa atividade na captação d’água; a agricultura e a urbanização é que mudam a qualidade da água – há alta quantidade de nutrientes, aumento de sedimentos, e pesticidas, que podem potencialmente impactar o recife”, disse ela.
Devlin e outros especialistas dizem que eles esperam pelo branqueamento do coral em consequência das enchentes que varreram o centro e o sul de Queensland em dezembro e janeiro.
O branqueamento ocorre quando os pequenos organismos que compõem as colônias de corais morrem; usualmente, isso ocorre devido à elevação na temperatura da água ou por envenenamento, deixando para trás apenas um esqueleto calcário branco do recife.
Essa foi a maior inundação que a Austrália sofreu em 50 anos, afetando uma área do tamanho da França e da Alemanha juntas. Pelo menos setenta cidades e 200.000 pessoas foram afetadas e três quartos do Estado foi declarado zona de desastre. De acordo com Michelle Devlin, o desastre está longe de terminar.
“Precisamos entender realmente o impacto desse volume maior de água doce, combinada com a de outros poluentes que estão na água e, como já dissemos, nós estamos começando a notar a aparência de branqueamento e, potencialmente, pode ocorrer a mortalidade nos recifes costeiros”, disse a pesquisadora.
As áreas alagadas que fluem para o Fitzroy e sistemas fluviais da Bacia Bowen compreendem pastagens e áreas de agricultura; além do mais, naquela região está a maior concentração de minas de carvão do Estado de Queensland.
A bacia do Fitzroy tem 82% de sua área coberta por pastagens e muitos argumentam que as práticas agrícolas são o principal fator que contribui na formação do material em suspensão carregado pelo rio.
Susie Christiansen, que é Diretora Executiva da Associação da Bacia do Fitzroy, concorda que a água que está sendo liberada das minas inundadas é parcialmente responsável, mas o escoamento das áreas de pastagens e de agricultura está causando a maior parte do problema. O alto índice pluviométrico ocasionou vários deslizamentos nas encostas.
“Sedimentos são originados tanto das pastagens como das áreas de cultivo e, como eu disse, oitenta e dois por cento vêm das áreas de pastagens. Isso está vindo das encostas, ampliando as áreas de erosão, e ao falar disto, não é apenas para apontar o dedo para o problema, mas é devido à escala com que isso está acontecendo”, disse ela.
Michelle Devlin também aponta para a mudança climática como a causa das condições meteorológicas extremas, e que originam as inundações. Ela diz que a redução dos gases de efeito estufa farão diferença em longo prazo, mas a solução mais imediata para os problemas futuros, em se tratando do alagamento, neste momento, é o melhor manejo das terras.
Susie Christiansen tem o mesmo entendimento: “Não precisamos reforçar o debate sobre se isto é ou não é resultado da mudança climática, ou se é pior ou vai melhorar no futuro, se temos agora um ambiente que pode se modificar.”
Especialistas projetam que as partes afetadas do recife, dependendo da resistência do coral, demorem até 100 anos para se recuperar. Eles estão esperançosos de que as áreas de recifes intocadas, como as da Passagem Whitsunday, não sejam alcançadas pelos sedimentos suspensos na água carregada pelo rio e que, devido ao grande volume produzido devido às enchentes, avançam muitos quilômetros mar adentro.
A Grande Barreira de Corais, que se estende por mais de 2.000 quilômetros no mar da costa nordeste da Austrália, contribui com US $ 5,4 bilhões anuais para a economia australiana a cada ano, como zona de pesca e no seu uso como área de recreação e turismo. Essa área, que é protegida pela UNESCO, começa na ilha de Sandy, pouco mais de 300 quilômetros acima de Brisbane, a capital de Queensland, e se estende até a Nova Guiné.