Banido da mídia estatal chinesa, Xue Fei conta tudo em autobiografia

20/02/2014 16:28 Atualizado: 20/02/2014 16:28

Xue Fei, um ex-âncora da China Central de Televisão (CCTV), foi proibido de aparecer na mídia estatal desde 4 de junho de 1989, quando vestiu preto, em sinal de luto, ao reportar sobre o Massacre da Praça da Paz Celestial. Mas ele está de volta.

“Meus dias na Hungria”, seu livro recente em que conta tudo, Xue explica o que realmente ocorreu depois daquele dia fatídico em que ele lamentou e criticou abertamente o massacre dos estudantes no noticiário da noite.

Banido

Em 4 de junho de 1989, os telespectadores chineses viram uma transmissão inesquecível. Às 19h num noticiário da CCTV, Xue e sua coâncora Du Xian, também vestida de preto, informaram sobre os acontecimentos do dia. Du falou muito lentamente e com voz de choro e tristeza, enquanto informava sobre a supressão e morte dos estudantes pelo Exército da Libertação Popular (ELP) na Praça da Paz Celestial (Tiananmen). A expressão de Xue era de depressão e raiva. Du concluiu seu relatório dizendo: “Lembrem-se deste dia negro!”

Obviamente, não foi uma declaração oficial da CCTV, que é controlada pelo Partido Comunista. Sua reportagem recebeu atenção nacional, resultando em suas transferências imediatas para trabalhos de mesa isolados, impedindo-os de aparecer em público.

Em seu novo trabalho como editor, Xue foi forçado a usar o pseudônimo “Bai Mo”. Eventualmente, ele foi inclusive proibido de ir a outras regiões a trabalho por medo de que pudesse fugir. Apesar de nunca ter pensado em ir para o estrangeiro antes, Xue percebeu que devia deixar o país.

Autobiografia

Xue mudou-se para a Hungria e tentou construir uma nova carreira, primeiro com a venda de produtos na rua. Depois de muitas dificuldades, ele retornou à China em 2001, e tentou ganhar a vida dando aulas de jornalismo televisivo.

Essas dificuldades pessoais e sua experiência sobre a Praça da Paz Celestial são reveladas em sua autobiografia. “Meus dias na Hungria”, publicado pela SinaMaps Press, está nas livrarias e a venda desde o mês passado.

A editora, uma casa de publicação do governo central, apresentou o livro de Xue em seu website oficial, deixando de fora os seus dias de âncora na CCTV, especialmente sua crítica amplamente divulgada sobre o Massacre da Praça da Paz Celestial, que ainda é um tema tabu na China de hoje. Em vez disso, a introdução aborda a decisão de Xue de deixar a CCTV, afirmando: “Xue Fei foi um âncora da CCTV, bem conhecido no início de 1990, que deixou seu cargo para buscar outras oportunidades de carreira na Hungria, desaparecendo por mais de 10 anos.”

Para evitar polêmica, outros sites do continente também não mencionaram o protesto de Xue contra o Massacre da Praça da Paz Celestial, simplesmente republicando a introdução do website da editora. A Phoenix TV e o canal de entretenimento NetEase também noticiaram as 200 palavras de introdução da editora, o que imediatamente chamou a atenção do público – não obstante a redação cuidadosa e seletiva.

Xue agora está em boa companhia, pois muitos intelectuais da chamada “Era Zhao Ziyang” – assim nomeados segundo o então secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCC) que se opôs ao Massacre da Praça da Paz Celestial – voltaram recentemente ao centro das atenções.

Willy Lam, um comentarista de assuntos da China, disse à Radio France Internationale que muitos intelectuais, a maioria economistas, reapareceram recentemente em artigos da mídia chinesa.

De acordo com fontes no regime, o atual líder chinês Xi Jinping pretenderia ajudar estes antigos apoiadores do movimento estudantil de 4 de junho para que voltem ao trabalho. Até 2017, Xi “pode começar a tomar algumas medidas”, disse Lam. Ele disse que, segundo sua estimativa, há menos de 50% de chance de isso realmente ocorrer.