Uma briga pública emergiu na China entre duas grandes instituições estatais: a Central Chinesa de Televisão (CCTV), a emissora porta-voz oficial do Partido Comunista Chinês, e o Banco da China, um banco estatal e um dos maiores da China. Desentendimentos desta natureza são altamente incomuns na China e podem indicar as tensões políticas nos bastidores do poder.
A CCTV informou em 9 de julho que o banco tem estado envolvido há longo tempo na lavagem de dinheiro, ajudando chineses a moverem grandes volumes de dinheiro para fora do país, em violação às leis chinesas de transferência de capital.
O Banco da China Ltda. é um dos quatro grandes bancos comerciais estatais; fundado em 1912, ele é o banco mais antigo da China. Ele refutou as acusações da CCTV sobre seu envolvimento em “lavagem de dinheiro”, “peculato” e “conivência com o sistema bancário paralelo”.
Reguladores pareciam ter sido pegos de surpresa. Zhou Xiaochuan, o chefe do Banco Popular da China (BPC), o banco de reservas do país, disse simplesmente à imprensa: “Isso só ocorreu ontem, não é algo muito antigo. Precisamos de mais tempo para esclarecer este incidente, por isso não posso responder a perguntas hoje.”
‘Zona cinzenta’
A reportagem de 21 minutos da CCTV, feita em estilo investigativo disfarçado, mostrou como o banco trabalharia com agentes migratórios, falsificaria documentos de renda do cliente e moveria grandes quantidades de dinheiro para o estrangeiro. E o banco levaria uma parte do dinheiro transferido.
O ‘serviço’ oferecido pelo banco é chamado de “Youhuitong”, um negócio de liquidação transfronteiriço para a moeda renminbi (RMB, ou ‘yuan’) da China. O esquema usa as agências no exterior de bancos chineses para fazer a transferência, contornando a Administração Estatal de Câmbio, que teoricamente limitaria os cidadãos chineses a transferirem não mais do que US$ 50 mil para fora do país por ano, segundo a legislação atual.
Um gestor de clientes do Banco da China, que não sabia que estava sendo gravado, disse a um repórter da CCTV, disfarçado como cliente, que a transação ocorre numa “zona cinzenta”. O narrador da CCTV então solenemente cita um especialista, informando o telespectador que isso é definitivamente ilegal.
O Banco da China tem sido um parceiro ativo no esquema, segundo a reportagem, ajudando clientes a forjarem documentos para fundos cuja origem eles não poderiam demonstrar. O banco chega ao ponto de adulterar ou mesmo inventar contratos de empresas usando editores de imagem, informou a reportagem.
“Não importa o quão ilegal seja o seu dinheiro, nosso banco é capaz de lavá-lo para você e transferi-lo para fora da China com segurança”, ostentou um funcionário do banco ao repórter da CCTV, sem saber que estava sendo gravado.
Apenas este esquema do Banco da China tem provocado uma gigantesca fuga de capital do país, inclusive por funcionários do Partido Comunista que transferem sua riqueza ilícita para o exterior, esclareceu a reportagem. Apenas uma agência bancária na cidade de Guangzhou, na província de Guangdong, Sul da China, transferiu 6 bilhões de yuanes (US$ 967 milhões) em um ano por meio do sistema Youhuitong, meramente a quinta maior naquele ano, afirmou a reportagem.
‘Interpretação tendenciosa’
A resposta do Banco da China foi rápida e incisiva: ele disse que seu serviço Youhuitong faz parte de um projeto-piloto legal lançado em 2011, que estaria sob a supervisão apropriada do governo. A reportagem da CCTV, por sua vez, estaria “distorcendo os fatos” e apresentou uma “interpretação tendenciosa” do Youhuitong.
Se era um esquema cinzento ou não, o Banco da China não parece ser o único banco a fazê-lo. Fontes da indústria disseram ao Diário da Manhã do Sul da China de Hong Kong que o Banco Citic da China – controlado pelo Grupo Citic, que por sua vez está sob a supervisão direta do Conselho de Estado, o gabinete do governo central chinês – também facilita a transferência de moeda para o exterior para clientes chineses ricos.
“Tanto o Banco da China como o Banco Citic são capazes de fazer estes negócios apenas após obterem aprovação do ramo de Guangzhou do Banco Popular da China”, disse a fonte.
Excepcionalmente público
Muitos observadores deste contratempo no regime chinês ficaram intrigados com o fato de que uma mídia estatal porta-voz do Partido Comunista, a CCTV, tenha atacado publicamente outro braço do Estado, ou seja, um de seus maiores bancos. A reportagem investigativa incluiu visitas não anunciadas a várias agências bancárias, filmagem secreta com câmeras ocultas e repórteres que posaram como clientes ricos que queriam mover grandes quantidades de dinheiro.
“Sem dúvida, este não é definitivamente o comportamento autônomo de uma empresa estatal de mídia. Deve haver alguém dirigindo isso, como parte de uma luta de poder”, disse Wang Sixiang, um estudioso e historiador da economia chinesa, numa entrevista com a emissora nova-iorquina NTDTV. “Parece uma desculpa para ir atrás de alguém, ao invés de combater a lavagem de dinheiro”, disse Wang.