Uma sobrevivente de tortura e abuso sexual extremos fugiu da China para a Tailândia e agora quer que o mundo saiba como o regime chinês criou um bloco de celas especial num campo de trabalho masculino para abusar sexualmente de mulheres praticantes do Falun Gong. Ela publicou um relato de sua experiência no Minghui.org, um website do Falun Gong, e este artigo é uma adaptação de seu testemunho.
Em 7 de janeiro de 2000, a Sra. Yin Liping, na época com 32 anos, foi presa, condenada a um ano e seis meses para reeducação pelo trabalho forçado e levada para o Campo de Trabalhos Forçados de Tieling. Nos próximos nove meses, ela foi remanejada de Tieling para o Campo de Trabalhos Forçados de Liaoning e, depois, para Campo de Trabalhos Forçados de Masanjia.
Ao longo do caminho, ela sofreu várias torturas, privação do sono e enorme carga de trabalho diária. Seu peso caiu de 75 para 60 kg e ela começou a vomitar sangue regularmente. A porta estava aberta para Yin receber tratamento mais brando, desistir de sua crença no Falun Gong e aceitar ser o que as autoridades chamam de um “transformado”. Mas ela recusou-se a fazê-lo.
Em 19 de abril de 2001 – neste ponto Yin tinha servido mais de 15 meses de sua sentença de 18 meses – ela e nove outras detentas do Falun Gong, que se recusaram a ser transformadas, foram convocadas e informadas que seriam transferidas. Um dos capitães da guarda disse com um sorriso irônico: “Estamos enviando vocês para um lugar onde poderão praticar melhor o Falun Gong.”
Yin dirigiu-se a um dos guardas encarregados de seu grupo e silenciosamente pediu a ela que não mais maltratasse os praticantes do Falun Gong.
Ela olhou para outra guarda, uma de sua idade que tinha sido encarregada dos prisioneiros que atormentavam Yin, e Yin sentiu compaixão por ela. Yin a abraçou e sussurrou em seu ouvido que, eventualmente, ela teria de pagar por prejudicar os outros e que deveria parar.
A guarda se encheu de lágrimas e lhe disse: “Diga-lhes que você está doente. Você está doente.” Yin percebeu depois que os guardas sabiam o que as esperava.
Campo de Trabalho Masculino
Um ônibus levou este grupo de mulheres praticantes do Falun Gong para o Campo de Trabalho Masculino de Zhangshi.
“Fomos alinhadas lado a lado no pátio do campo”, disse Yin Liping. “Dois policiais com olhares tensos fizeram a chamada. Então um deles leu uma lista de regras. Ele disse: ‘Se praticantes do Falun Gong que se recusam a serem transformados morrerem, suas mortes serão contadas como suicídio.’ Estas eram consideradas ordens do [líder chinês] Jiang Zemin. O guarda parecia muito feroz. Eu não me lembro das outras regras que foram lidas.”
O grupo foi levado para um prédio branco e sua pressão arterial foi verificada. Uma delas foi levada embora e nove ficaram. Havia um escritório da guarda ao lado de barras de metal com uma porta trancada. Além da porta havia um corredor com mais salas.
As nove foram levadas e cada uma foi colocada numa sala. A sala de Yin tinha uma cama de casal e um armário de madeira para pendurar roupas. Quatro homens já estavam em seu quarto. Quando ela caminhou pelo corredor para ir ao banheiro, ela viu uma grande sala com 30 homens dormindo no chão. Yin sentiu medo e se perguntou o que ela estava fazendo naquele lugar.
Às 22h, ela pediu aos homens que estavam em seu quarto para saírem, para que ela pudesse dormir. “Dormir?”, disse um homem de meia-idade rindo. “Você vai dormir? Ninguém está autorizado a dormir sem ser ‘transformado’. Uma mulher foi ‘treinada’ aqui por 18 dias sem permissão para dormir. Por fim, ela enlouqueceu.’”
‘Gritos de terror’
Então, Yin Liping ouviu gritos do corredor da praticante Zhou Guirong. “Ela chamava meu nome incessantemente”, disse Yin Liping. “Eu tentei tudo que podia para sair da sala e vi que Zhou havia fugido para o corredor. Eu a segurei com força e não a larguei.”
“Os prisioneiros masculinos nos espancaram por um longo tempo. Meu olho direito inchou por causa dos golpes e minha roupa ficou toda rasgada. Zhou e eu fomos arrastadas de volta para nossas celas. Eu fui espancada por quatro ou cinco homens e fiquei desorientada. Finalmente, fui forçada a permanecer deitada numa cama. Um homem sentou-se sobre mim e me bateu. Eu fiquei tonta e desmaiei.”
“Quando recuperei a consciência, eu encontrei três homens deitados ao meu lado com suas mãos e corpos me tocando. Dois estava entre as minhas pernas, um filmava um vídeo e outro estava assistindo o vídeo. Eles continuaram sua conversa suja e eu não sei quantos outros estavam sob meus pés enquanto cutucavam meus calcanhares e riam. Eles diziam palavrões e um deles repetia: ‘Não finja estar morta. Você tem que renunciar ao Falun Gong, mesmo que esteja morta!’”
“Eu não podia acreditar no que vi”, disse Yin. “Eu vomitava sangue e havia sangue por toda a parte.”
“Eu ouvi os gritos aterrorizados de Zhou Guirong nas celas. Ela gritava ‘Liping’. Era meu nome. Eu senti como se estivesse num pesadelo. Mas não, não era um sonho. Eu tinha certeza de que não era um sonho. Os gritos de horror me trouxeram de volta a este horrível inferno na Terra.”
“De repente, eu não conseguia ouvir o barulho ou ver nada. Eu me esforcei para me levantar e procurei aquela voz familiar. Minha cabeça foi atingida com um cabide de roupas de madeira e então eu senti um líquido quente escorrendo pelo meu rosto.”
“Eu lutei para manter a consciência. Eu já não tinha noção de viver ou morrer. Nada podia me parar. Eu bati na porta do quarto o mais forte possível, enquanto os prisioneiros batiam em meu corpo. Eu continuei a chamar: ‘Zhou Guirong’. Então, ela correu para o meu quarto. Ela me segurou e corremos para a porta no final do corredor.”
“Nós fizemos todo o possível para empurrar a porta de metal. Eventualmente, a porta abriu. Nós estávamos gravemente feridas. Diante de policiais, nós não tínhamos mais medo da morte e os questionamos: ‘Isso é um campo de trabalho da China? Por que a China nos trata como criminosos? Vocês têm mãe, irmã, filha, tias? Essas ações representam nosso país?’”
“‘Se estes homens não deixarem nossos quartos, eu me lembrarei de hoje. É 19 de abril de 2001 e vocês estão de serviço esta noite. Se sairmos daqui com vida, vamos processá-los. E se morrermos aqui, nossos espíritos nunca deixarão vocês viverem em paz. Nossa tolerância não é ilimitada.’ A polícia chamou os presidiários masculinos e lhes disse para nos deixar dormir sozinhas esta noite.
“Fomos levadas para o meu quarto e quatro presos foram deixados para nos vigiar. Ficamos acordadas a noite toda olhando uma para a outra com lágrimas nos olhos. Podíamos ouvir os sons de gritos e golpes nas portas de outras salas.”
‘Estudando’
“No dia seguinte, os presos que me torturaram na noite anterior voltaram novamente com uma câmera de vídeo. Desta vez, uma mulher se juntou a eles. Eles trouxeram vários livros do Falun Gong. Eles liam um parágrafo e, em seguida, explicavam o conteúdo de forma a insultar o Falun Gong. Então, eles liam outro parágrafo e davam outra explicação.”
“Um homem que tinha me abusado na noite anterior perguntou por que eu não estudava com eles, então ele me arrastou para a cama e continuou a me bater e repetir a pergunta e dizer: ‘Você não quer ser uma praticante do Falun Gong?’ Eu disse que não cometi nenhum crime e isso não era lugar para eu estudar. Por que eu tenho que estar presa para estudar?”
“Os prisioneiros escreveram tudo o que eu disse e então perguntaram se o que escreveram estava correto. Então chegou a hora de comer, mas eu não conseguia comer nada lá e meu corpo estava muito fraco. Então a noite chegou e aconteceu a mesma coisa da noite anterior. Eles recomeçaram a me torturar e abusar sexualmente. Os guardas da polícia haviam mudado e já não eram os mesmos da noite anterior.”
“Zhou Guirong foi espancada e correu para o meu quarto. Eu me levantei e vomitei sangue. Naquele momento, todos os sons pararam. Então Zhou Guirong chorou e gritou meu nome. Em seguida, a polícia reportou ao líder da equipe e permitiu que Zhou Guirong ficasse para cuidar de mim.”
“Mas eles não deixaram de perseguir Zhou e continuaram a ‘estudar’ os ensinamentos do Falun Gong com ela de forma distorcida. Zhou não via um livro do Falun Gong há muito tempo e ia aceitar o material, mas eu lhe disse: ‘Não podemos estudar aqui, é uma humilhação.’ Ela largou o livro e eu lhe disse: ‘Quando voltarmos para casa, estudaremos os ensinamentos do Falun Gong corretamente.’”
“Os demônios não nos deixavam em paz durante a noite. Um homem disse que minha cabeça e corpo estavam muito quentes e que não me deixassem morrer. Todos eles vieram testar minha temperatura e ficaram silenciosos. Eu não me lembro como eu sobrevivi àquela noite.”
“No terceiro dia, Zhou e eu de repente nos lembramos de Ren Dongmei, que nunca fora casada. Ela foi presa na cela mais interna. Nesta altura, Zhou e eu não tínhamos pensamentos sobre a morte. Nós corremos pelo corredor e gritamos o nome de Ren. Eu encontrei alguns guardas, lhes contei que Ren era virgem e pedi que a poupassem: ‘Você tem filhas também, não é?’”
“Por anos, eu não anotei os detalhes do que passei lá. Minha mente entraria em colapso se eu tentasse. Eu não ousaria e não queria pensar nisso, pois, toda vez que essas memórias ressurgiam na minha mente, eu me sentia presa em horror e sofrimento profundos.”
“Posteriormente, eu soube que antes de sermos enviadas para lá, outras 33 praticantes foram enviadas e ‘transformadas’ desta forma. Algumas sofreram colapso mental. Por anos, eles continuam a brutal perseguição aos praticantes do Falun Gong.”
Do grupo de nove que foram abusadas sexualmente no Campo de Trabalho Masculino de Zhangshi, Yin Liping sabe que Zhou Guirong e Su Juzhen mais tarde morreram de tortura. Mas antes Su sofreu um colapso mental.
Epílogo
O Dr. Jingduan Yang é um psiquiatra na Filadélfia, EUA, que tratou sobreviventes de tortura dos campos de trabalhos forçados da China e também entrevistou vários sobreviventes do notório Campo de Trabalhos Forçados de Masanjia. Ele disse que a dificuldade de Yin Liping em relatar sua história é comum às vítimas desses abusos graves.
“Isto é o que se chama de transtorno de estresse pós-traumático”, disse Yang. “Um sintoma é ficar indiferente, frio, esquivo, não querer ouvir, assistir ou ver qualquer coisa que possa lembrar a vítima do que foi feito com ela. Ela vive constantemente em terror e ansiedade. Estes são sintomas comuns.”
“O impacto desse tipo de abuso é horrível”, disse Yang. “Dificilmente podemos mensurar o que foi feito a essas pessoas. Isso destrói a autoestima de uma pessoa e implanta medos e terror físico, emocional e cognitivo.”
“Este medo está sempre na pessoa e pode ser reativado a qualquer momento, se algo lembrá-las remotamente do trauma. Isso afeta permanentemente como elas respondem aos outros. Mesmo que sejam removidas de onde o abuso ocorreu e vivam num lugar seguro, elas têm pesadelos, flashbacks e sensação de terror.”