Autor de ficção aborda horror da vida real

29/06/2014 12:53 Atualizado: 29/06/2014 12:53

Mark Alpert, um escritor de ficção científica, estava à procura de um enredo há alguns anos que envolvesse inteligência artificial, vigilância em massa, cyborgs perigosos e visão cibernética. “Certa fusão de homem e máquina”, comentou ele. Então, por que não criar uma história em que as pessoas são lobotomizadas, conectadas a uma rede de computadores e postas para assistir a vídeos de vigilância em tempo integral?

Um enredo incrível, com certeza, especialmente quando um toque de credibilidade é fundamental para thrillers de ficção científica. “Os leitores querem pensar que as tramas podem realmente ocorrer”, disse Alpert numa entrevista. “É por isso que escritores de suspense passam tanto tempo fazendo pesquisa sobre agências de espionagem, procedimentos policiais e armamento.”

Então, é crível que um governo realmente faça algo assim?

Entrando na China

Bem, para ser justo, o Partido Comunista Chinês não faz exatamente isso, mas Alpert estava lendo sobre atividades relacionadas e sua imaginação fez o resto do trabalho. “Era 2009. Eu já tinha lido sobre a extração de órgãos de prisioneiros chineses condenados à morte. Isso era de conhecimento geral, se você lesse o Epoch Times ou o New York Times, isso estava ocorrendo.”

“Portanto, essa parte não é um passo tão grande”, disse ele.

Seu novo romance, “Extinção“, publicado no ano passado, baseia-se no frenético esforço de vigilância do regime chinês, supostamente para controlar o crime (mas na verdade para monitorar dissidentes), e a necessidade simultânea de processar todos os dados de vídeo e imagem.

A tendência “sinistra” do Partido Comunista Chinês, comentou Alpert, para controlar o que seu povo pensa também desempenhou um papel em sua história. “Isso se combinou na minha cabeça: na ideia de uma rede homem-máquina, chamada ‘Harmonia Suprema’.”

A ideia de uma “sociedade harmoniosa” foi o lema do regime comunista sob o ex-líder chinês Hu Jintao, que passou as rédeas do poder para Xi Jinping em novembro de 2012. Alpert viu as peças se encaixarem. “A ‘harmonia suprema era a expressão máxima disso, a valorização da harmonia acima da liberdade individual. É isso que ela representa: uma consciência central absoluta. Sem qualquer liberdade individual.”

Isso seria efetivado cortando-se o tálamo – localizado acima do tronco cerebral, parte de sua função é regular a respiração, a consciência e enviar sinais motores ao córtex cerebral – de dissidentes políticos e plugá-los na rede de computadores. Eles monitorariam as imagens coletadas por insetos-cyborgs voadores. No final do romance, no entanto, os prisioneiros lobotomizados desenvolvem uma consciência própria e se voltam contra seus criadores.

Previsivelmente, não haverá uma versão chinesa do romance na China continental. Mas Alpert estava surpreso que até mesmo alguns americanos não admitissem a ideia de que o Partido Comunista Chinês era o tipo de governo que poderia plausivelmente, mesmo que no plano da ficção científica, iniciar um programa desse tipo.

“Nossa, isso soa um tanto fantástico”, lembrou Alpert sobre o que um leitor lhe disse num evento de autógrafos no norte de Michigan. “Mas eu dizia: ‘Bem, na verdade, algo semelhante tem ocorrido na extração forçada de órgãos.’ As pessoas ficavam muito surpresas com isso. Elas diziam: ‘Sério? Eles condenam prisioneiros e extraem os seus órgãos? Isso é incrivelmente assustador. Eu pensei que fossem simplesmente rumores.’”

Embora a divulgação da extração forçada de órgãos de prisioneiros de consciência pelo regime chinês não seja muito difundida pela grande mídia, parece haver um entendimento geral sobre a expansão dessa política do Estado chinês, como evidenciada por audiências no Congresso dos EUA e na União Europeia, por livros, estudos investigativos e reportagens premiadas nos últimos anos.

Apesar de “Extinção” não ser publicado na China, Alpert é um autor best-seller na ilha vizinha de Taiwan, que é uma democracia. “A tradução em mandarim de meu primeiro romance, ‘Teoria Final’, vendeu mais de 50 mil cópias lá”, escreveu ele numa postagem de blog no website Killzone Authors no ano passado.

E continuou: “Eu posso fazer isso soar ainda mais impressionante, observando que Taiwan tem apenas 23 milhões de pessoas, ou cerca de 7,5% da população dos EUA. Usando um pouco de matemática criativa, eu estimo que minhas vendas em Taiwan sejam o equivalente a vender mais de 650 mil livros nos EUA. Nada mal, Grisham!”

“Extinção” parece ter sido bem recebido pelos leitores em Taiwan até o momento. Um comentarista de pseudônimo “Dollergy” escreveu no popular website Books.com.tw: “Isso foi inventado na China. Originalmente, o sistema ‘Harmonia Suprema’ foi usado para controlar os dissidentes, como pessoas do movimento Xinjiang Independente, e assim por diante. Isso foi descrito de forma brilhante e me faz pensar nas séries ‘Fundação’ de Isaac Asimov.”

Outro crítico, de pseudônimo “No Dust”, escreveu: “O autor de ‘Extinção’ refere-se à prisão de dissidentes e ao sistema de vigilância de Chongqing, na China, e acrescenta um pouco de imaginação criativa combinada com um futuro realista de alta tecnologia. Isso nos faz questionar se o futuro realmente se desdobrará como o romance descreve.”