Fraser Howie é coautor de três livros sobre o sistema financeiro chinês, incluindo o “Capitalismo Vermelho”, classificado como Livro do Ano de 2011 pela revista The Economist. Por 20 anos, ele tem negociado, analisado e escrito sobre os mercados asiáticos. Nesse tempo, ele trabalhou em Hong Kong, Pequim e Cingapura, para empresas como Bankers Trust, Morgan Stanley, CICC e CLSA.
Epoch Times: Sr. Howie, na última vez conversamos sobre a história da dívida chinesa. Falemos agora sobre os aspectos técnicos da crise que se aproxima. Primeiro de tudo, devemos encarar a dívida bancária chinesa como a dívida do governo chinês?
Fraser Howie: Certamente, o mercado faz isso. Enquanto você pode ter inadimplências de pequenas proporções na China como já vimos, eu não acho que haja qualquer dúvida que o sistema bancário será socorrido [pelo regime].
Dito isto. Muitas pessoas se sentem confortáveis e dizem: “Está tudo bem; o governo os socorrerá.” Isso não significa que não há um custo nisso. Porque o custo vem por meio de aumento da inflação, impressão de dinheiro, maior dívida pública…
A China ainda é um país relativamente pobre. Lembre-se, se você está salvando bancos, você está resgatando empresas. Os bancos só estão perdendo dinheiro porque as pessoas que emprestaram dinheiro não podem pagar. Então, você está falando sobre empresas estatais (EEs) e todos esses desenvolvedores imobiliários e veículos de financiamento do governo local que emprestaram dinheiro e não podem pagar. Os bancos certamente serão socorridos.
Epoch Times: Como você vê a inadimplência das obrigações de empresas este ano, a primeira a ocorrer?
Sr. Howie: Eu não diria que isso pode ser desconsiderado. Mas ao mesmo tempo não acho que seja uma avalanche no sentido de que um número crescente de inadimplências leve a algum enorme evento de crédito. Acho que haverá mais inadimplências. Acho que as coisas serão controladas e gerenciadas de alguma forma.
Mas esse processo não será ditado pelo mercado. Na 3ª sessão plenária no último outono, as reformas que emergiram no ano passado, houve muito foco em processos orientados pelo mercado, sendo o mercado o fator decisivo. Eu não vejo nada disso.
Uma inadimplência é um evento altamente politizado na China: Quantas pessoas a empresa emprega; como são suas conexões políticas; quão grande é a inadimplência; quais são suas conexões com o governo local ou provincial; quem está no anzol no fim da linha; há algum banco estatal envolvido?
Há uma série de fatores envolvidos, muitos deles não econômicos, que em última instância definirão e decidirão quem sofrerá e quem não. Você verá mais inadimplências e isso é parte dos custos.
Epoch Times: Por que eles lidam com isso desta forma?
Sr. Howie: Um dos grandes problemas na China tem sido a mistura de economia e política, a tal ponto que o [regime] tem sido diretamente responsável e o [Partido Comunista] tem sido central para o desenvolvimento econômico.
Epoch Times: A maioria das pessoas acha que a China pode lidar com uma desalavancagem com bastante facilidade, porque eles têm US$ 3 trilhões em reservas cambiais (RC).
Sr. Howie: Primeiro de tudo, as RC, eu acho que elas são uma distração. As RC são apenas isso: elas são estrangeiras. Elas não estão renminbi (RMB, a moeda chinesa); elas não são dinheiro que pode ser usado a nível nacional.
Dito de outra forma, ter essas reservas descarta qualquer receio de uma crise no balanço de pagamentos. A China tem claramente moeda estrangeira suficiente para o serviço da dívida externa de uma forma que muitos países asiáticos não tiveram durante a crise asiática. Assim, isso remove esta pressão.
Mas qualquer coisa que a China queira fazer domesticamente, como resgatar bancos e imprimir dinheiro, pode ser feito sem as RC. As RC não dão maior liberdade para gerir as coisas internamente. Eu olho para as RC como o custo de a China não fazer a reforma.
Se a China fosse muito mais aberta em sua conta de capital e estivesse mais disposta a deixar o RMB apreciar de forma mais agressiva, ela não teria acumulado essas grandes reservas cambiais, mas ela também teria uma economia muito mais competitiva e saudável.
Epoch Times: Então, como o regime lidará com a desalavancagem?
Sr. Howie: Eles avançarão aos tropeços. Eles permitirão algumas inadimplências; permitirão que alguns empréstimos frustrados; resgatarão algumas entidades; darão apoio e garantias onde puderem.
Enquanto o crescimento desacelera, eles darão um pouco de estímulo. O crescimento retomará de novo, eles removerão o estímulo. O crescimento abrandará novamente e eles administrarão este processo o melhor que puderem. Eu não os vejo solucionando este problema; eu os vejo administrando o problema.
Eles estão gerindo um crescimento mais lento e maior dívida. Eles certamente não relaxarão e deixarão o mercado decidir. Eles serão intervencionistas e tentarão controlar as coisas da melhor forma que puderem. Mas eles não escaparão do menor crescimento e de níveis de endividamento mais elevados.
A China de supercrescimento com que nos acostumamos é uma China do passado. Eu não vejo isso retornar tão cedo. Veremos uma China de crescimento muito mais lento e com condições econômicas muito mais duras.
Epoch Times: Como pode o governo central aumentar a dívida para os resgates?
Sr. Howie: Há um mercado de dívida pública na China. Cerca de metade da dívida na China é dívida do governo. Isso é vendido para as companhias de seguros; e é vendido para os bancos. É certamente factível. Eles certamente podem expandir sua dívida de forma relativamente fácil.
Epoch Times: Mas se o governo central vende dívida aos bancos que ele quer socorrer, isso não é um processo circular?
Sr. Howie: Bem-vindo à China, esse é em grande parte um argumento circular do pensamento. É preciso responsabilidade corporativa e isso se torna responsabilidade estatal. Há um grande fundo de poupança na China, há grandes empresas de seguro e empresas de pensões. Há uma série de pessoas lá que podem comprar dívida pública.
Enfim, esse é o problema. Sempre que você não saldar uma dívida, então sempre haverá o argumento circular de alguém mover dinheiro de um bolso para outro.
Isso não resolve o problema e apenas o administra por um tempo, até que as coisas fiquem um pouco mais estáveis e você esteja numa posição melhor. Assim, eles rolaram as dívidas bancárias ruins de 15 anos atrás, elas ainda estão lá, acredite ou não. Quando você continua empurrando-as para adiante, chega-se ao ponto em que elas são agora uma parcela muito menor da economia, de modo que, nesse sentido, eles conseguiram se sobrepor e escapar do problema.
Epoch Times: Isso não parece tão ruim.
Sr. Howie: Mas eles não aprenderam com seus problemas. Se você rola a dívida, você irá apenas repetir as mesmas coisas de novo e de novo. É aí que você tem esse problema. Mesmo depois de uma década de crescimento milagroso pós [adesão à Organização Mundial do Comércio], você está falando de uma crise da dívida e de um problema bancário. E você se pergunta: Como chegamos aqui?
Há muita conversa sobre a mudança do modelo econômico trazer reforma genuína e maior. Remova a dependência do investimento e do crédito para o crescimento. Melhore o equilíbrio da economia entre consumo e investimento. Há um reconhecimento de que as coisas precisam mudar. Mas isso requer muito trabalho. E não há garantia de que isso funcionará enquanto as condições econômicas estão muito mais difíceis.
Houve um período de 2000 a 2008, quando existiram condições econômicas muito fortes, e poderia ter havido várias reformas e mais audácia, mas eles não escolheram fazer isso.
Era mais fácil apenas seguir o padrão ou modelo antigo e apenas aproveitar a onda de investimentos. E agora eles estão descobrindo que perderam essas oportunidades de fazer alterações. Agora, acho que eles estão muito mais contidos.
Epoch Times: E quanto às repercussões globais?
Sr. Howie: Uma década atrás, a China poderia se dar ao luxo de ter um sistema bancário falido. Porque a China estava muito distante e ninguém se importava com os bancos chineses ou em ter quaisquer investimentos em bancos chineses. Não era relevante na economia global.
A China agora é a segunda maior economia do mundo. Seus bancos estão listados internacionalmente, com um grande número de acionistas estrangeiros e nacionais. A China é claramente notícia de primeira página todos os dias.
Agora você tem um cenário em que o que a China faz ou deixa de fazer tem um impacto sobre os mercados e investidores globais. Isso é muito diferente de uma década atrás.
Mesmo que ela ainda seja relativamente isolada em termos de controles de capital e não totalmente integrada ao fluxo de capitais a nível mundial, a China tem um impacto na economia global que não tinha antes.
Epoch Times: Qual é o veredito final?
Sr. Howie: Observando tudo isso, nada disso me parece uma economia milagre. Em vez disso, a China me parece uma economia de bolha. Não á nada de maravilhoso, de fato há muito mais má gestão política do que qualquer outra coisa.