Há dois meses, cumpriram-se 5 anos da quebra do Lehman Brothers, episódio que para muitos foi a “queda do Muro de Berlim do capitalismo”. Nos anos posteriores, houve uma coleção de obituários. Em maior ou menor grau, uma plêiade de analistas não hesitou em qualificar o episódio como o enterro do capitalismo.
Na sequência, a maior intervenção do Estado na economia foi saudada como a prescrição certa a ser seguida, independentemente das circunstâncias vigentes. Diversos governos latino-americanos não apenas não escondiam seu regozijo pela situação, como davam-se ao luxo de dar conselhos. Chegamos a assistir ao ridículo de a Venezuela, com sua inflação descontrolada, pontificar regras a serem seguidas pelo resto do mundo, como se o chavismo fosse uma receita séria a ser copiada. Aqui também, nossas autoridades não perderam a oportunidade de dizer aos “brancos de olhos azuis” que deveriam esquecer suas recomendações ortodoxas e seguir as práticas locais, baseadas na noção de “mais Estado e pau na máquina”. Vistas em retrospectiva, tais declarações, de singular bizarrice, cobrem o país de opróbrio. Mais uma vez, como tantas vezes na História, comprova-se que “as consequências vêm depois”. Estamos começando a pagar a conta de nosso desprezo pelas normas que regem o sucesso dos países.
Há 200 anos, no seu magnífico “A democracia na América”, Tocqueville nos dizia que “é preciso que os governantes se apliquem em dar de novo aos homens esse gosto pelo futuro e que, sem o dizer, ensinem a cada dia aos cidadãos que a riqueza, o renome, o poder, são os preços do trabalho; que os grandes triunfos se encontram situados ao cabo de longos desejos, e que nada se obtém de durável senão aquilo que se adquire com dificuldade”. É essa concepção que levou os EUA a serem a potência que são hoje e é essa filosofia que explica, por exemplo, o espetacular sucesso da Alemanha.
Em contraposição a essa filosofia, que foi que nossos governantes tentaram incutir na sociedade no atual século? Qual foi o recado? “Vinde a mim e eu vos protegerei”, era a mensagem do pai-Estado. Enquanto aqui deitávamos falação sobre as bondades da intervenção estatal e continuávamos a aumentar o gasto público acima do crescimento da economia, numa torcida indisfarçável para que a área do euro implodisse — caracterizando o fracasso da estratégia alemã de abordagem da crise — havia três movimentos acontecendo, que o país ignorou olimpicamente.
O primeiro foi a consagração da Alemanha, que fez um ajustamento notável da sua economia e hoje voltou a ser a locomotiva da Europa, baseada na competitividade, na produtividade e nos mesmos princípios que geraram décadas de prosperidade no pós-guerra.
O segundo foi o ajuste gradual da periferia europeia, não apenas no sentido de que os países desajustados da área do euro — com destaque para a Espanha — começaram a dar sinais de melhora de alguns indicadores de competitividade, mas também pelo poder de atração que a perspectiva de um euro fortalecido implica para os países que inicialmente ainda não pertenciam à área, como os que compõem a região dos Bálcãs.
Por último, o terceiro foi o reerguimento dos Estados Unidos, que combina os resultados de um fenômeno inerente ao capitalismo — a renovação provocada pelo shale gas, com seu enorme potencial dinamizador — com os efeitos benéficos da persistência na redução do déficit público, tendência claramente delineada desde 2010 e que, com um ajustamento fiscal de 5% do PIB em quatro anos, aponta para a perspectiva de retorno do desequilíbrio fiscal para menos de 3% do PIB em horizonte de prazo relativamente curto.
Em 2010, quando Lula era “o cara” e a economia brasileira estava “bombando”, aproveitando os últimos minutos de glória do ciclo das commodities, acreditamos que a política de gastar a rodo e financiar tudo e todos era a prescrição certa a fazer, em vez de perseguir objetivos de longo prazo baseados no que mestre Sérgio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil” (1936) qualificava como “esforços sem perspectivas de rápido proveito material”. Três anos depois, as consequências estão aí: temos um crescimento fraco, nossas contas fiscais pioram a cada ano — e, no mundo que conta, a austeridade venceu. Fizemos a escolha errada.
Fábio Giambiagi é um especialista nas áreas de finanças públicas e previdência social e faz parte do Departamento Econômico do BNDES desde 1996
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Millenium