Em época de aumentos generalizados nos índices de preços, os economistas tendem a explicar tal fenômeno colocando a culpa em alguns fatores pontuais, como se o aumento no preço de um determinado produto pudesse gerar toda uma reação em cascata.
Há quase que uma completa unanimidade entre economistas e comentaristas econômicos sobre a inflação ser um aumento generalizado nos preços de bens e serviços. Deste raciocínio, estabelece-se que qualquer coisa que contribua para um aumento nos preços irá desencadear inflação. Uma queda no desemprego ou um aumento na atividade econômica é visto como um potencial gatilho inflacionário. Alguns outros gatilhos, como aumentos nos preços das commodities ou nos salários, também são considerados potenciais ameaças.
Normalmente, os culpados preferidos da carestia são a alta do petróleo causada por tensões no Oriente Médio, eventos climáticos como escassez ou excesso de chuvas, pressões sindicais por maiores salários ou até mesmo a subida das tarifas aéreas, da energia elétrica e dos fretes. Mas o mais corriqueiro é dizer que inflação de preços é sinal de economia superaquecida.
A inflação é um aumento de preços?
O problema fundamental dessa confusão jaz na incapacidade de se definir adequadamente o que é inflação. A essência da inflação não é um aumento generalizado nos preços, mas sim um aumento na quantidade de dinheiro na economia, o que por sua vez provoca um aumento generalizado nos preços dos bens e serviços.
Como Mises explicou em seu ensaio, “Inflação: uma política fiscal impraticável“:
“Inflação, como esse termo sempre foi utilizado em praticamente todos os lugares do mundo, significa aumentar a quantidade de dinheiro na economia, algo que por sua vez decorre da expansão do crédito feita pelo sistema bancário de reservas fracionárias em conjunto com o Banco Central.”
“Porém, as pessoas hoje utilizam o termo ‘inflação’ para se referirem ao fenômeno que na verdade é uma consequência inevitável da inflação, qual seja, a elevação de todos os preços e salários. O resultado desta deplorável confusão é que não mais existe um termo disponível para explicar a causa desse aumento generalizado nos preços e salários. Não mais existe qualquer palavra disponível para assinalar o fenômeno que, até então, sempre foi chamado de inflação.”
“Se você é incapaz de definir corretamente um fenômeno, você não tem como lutar contra ele. Aqueles que se arvoram a capacidade de lutar contra a inflação estão na verdade lutando apenas contra a consequência inevitável da inflação: o aumento dos preços. Seus esforços irão inevitavelmente fracassar porque não se está atacando a raiz do problema. Eles tentam manter os preços sob controle ao mesmo tempo em que continuam decididamente aumentando a quantidade de dinheiro na economia, algo que necessariamente fará com que os preços continuem subindo. Enquanto essa confusão terminológica não for completamente extirpada, é impossível haver qualquer chance de se acabar com a inflação.”
O preço de um bem é a quantidade de dinheiro pedida em troca dele. Assim, para uma dada quantidade de bens, quanto mais dinheiro houver na economia, maior será a quantidade de dinheiro gasta por bem, tudo o mais constante. Isso significa que, para uma dada quantidade de bens, um aumento na quantidade de dinheiro, tudo o mais constante, deve inevitavelmente fazer com que haja mais gastos monetários por unidade de cada bem — ou seja, um aumento generalizado nos preços dos bens.
Quando a inflação passa a ser vista como um aumento generalizado nos preços, então qualquer coisa que contribua para um aumento nos preços é chamada de inflacionária. As fontes da inflação deixam de ser o Banco Central e o sistema bancário de reservas fracionárias; as fontes da inflação passam a ser qualquer outro fenômeno não relacionado a essas instituições. Nesse arranjo, não apenas o Banco Central nada tem a ver com a inflação, como também, ao contrário, o banco central passa a ser visto com um guerreiro contra a inflação.
Assim, uma queda no desemprego ou um aumento na atividade econômica passam a ser vistos como um potencial detonador inflacionário, devendo ser restringidos pelas políticas do Banco Central. Alguns outros “detonadores”, como aumentos nos preços das commodities ou um reajuste nos salários dos trabalhadores, também passam a ser considerados como ameaças em potencial, devendo portando estar sempre sob o zeloso e atento escrutínio do banco central.
A definição popular não é capaz de explicar por que a inflação é ruim
Se a inflação é apenas um aumento generalizado nos preços, como acredita o senso comum, então por que ela é considerada algo ruim? Que tipo de estrago ela faz? Os economistas convencionais dizem que a inflação — que eles rotulam como sendo um aumento geral dos preços — gera especulações e faz com que as pessoas saiam fazendo compras para se precaver contra aumentos futuros nos preços, comportamento esse que gera grandes desperdícios. A inflação, afirma-se, também corrói a renda real dos aposentados, pensionistas e dos assalariados mais pobres, além de provocar uma má alocação de recursos. A inflação, argumentam, solapa o crescimento econômico real.
Apesar de todas essas afirmações sobre os efeitos colaterais da inflação, os economistas convencionais não nos dizem qual a real causa de todos esses efeitos ruins. Por que um aumento geral nos preços seria ruim para alguns grupos, mas não para outros? Por que um aumento geral nos preços prejudica o crescimento real da economia? Ou, como a inflação gera uma má alocação de recursos? Ademais, se a inflação é apenas um aumento nos preços, então certamente deveria ser possível compensar seus efeitos apenas reajustando a renda de todas as pessoas da economia de acordo com esse aumento generalizado nos preços.
Entretanto, se aceitarmos que a inflação é na verdade um aumento na oferta monetária, e não um aumento nos preços, então todas essas afirmações podem ser facilmente explicadas. Não são os sintomas da doença, mas sim a própria doença a causa dos danos físicos. Da mesma forma, não é o aumento generalizado dos preços, mas sim o contínuo aumento na quantidade de dinheiro na economia o que provoca os estragos na criação de riqueza da economia.
Aumentos na quantidade de dinheiro na economia possibilitam que as primeiras pessoas que recebem esse dinheiro recém-criado tenham seu poder de compra elevado. Sem que tenham produzido absolutamente nada, elas agora podem adquirir mais bens, gerando uma concorrência desleal com os reais produtores de riqueza da economia, aquelas pessoas que realmente precisam produzir algo para poderem adquirir outro bem em troca.
Note que aumentos na oferta monetária desencadeiam uma troca de nada por alguma coisa. Tais aumentos retiram recursos dos reais geradores de riqueza e os desviam para os portadores do dinheiro recém-criado. Essa distorção altera a alocação de recursos na economia, privilegiando os reais beneficiários da inflação da oferta monetária (os primeiros a receberem o dinheiro recém-criado) em detrimento dos reais geradores de riqueza. É isso, e não o aumento dos preços, que gera a má alocação de recursos na economia.
As pessoas que primeiro recebem esse dinheiro recém-criado — um dinheiro que é criado do nada pelo Banco Central e pelo sistema bancário de reservas fracionárias — podem agora desviar para si próprias uma maior fatia de toda a riqueza que existe na economia. Obviamente, aquelas pessoas que não recebem nenhuma parte desse dinheiro recém-criado, ou que recebem apenas uma parte e após muito tempo, irão descobrir que para elas sobrou apenas uma fatia mínima de toda a riqueza da economia. Ou, falando mais claramente, os preços de todos os bens já aumentaram antes de esse dinheiro chegar até elas, o que significa que houve uma redistribuição de renda dos mais pobres para os mais ricos.
A renda real dos indivíduos geradores de riqueza irá cair não por causa do aumento generalizado dos preços, mas sim por causa do aumento na oferta monetária. Quando a quantidade de dinheiro é expandida — isto é, o dinheiro é criado “do nada” —, os portadores deste dinheiro recém-criado adquirem a capacidade de desviar para si próprios bens e serviços sem no entanto terem feito qualquer contribuição para a produção de bens.
O aumento generalizado nos preços é apenas a consequência de todo um processo destrutivo gerado pelo aumento da quantidade de dinheiro na economia.
Contrariamente ao senso comum, a preocupação do Banco Central em manter uma estabilidade de preços — ao, por exemplo, estabelecer um sistema de metas de inflação — pode gerar surpresas desagradáveis. Por exemplo, caso haja um forte aumento na produtividade simultaneamente a uma forte expansão monetária, os preços poderão se manter estáveis. Não obstante essa estabilidade, vários efeitos colaterais deletérios advirão dessa expansão monetária. Exatamente por isso é que os economistas, bem como as autoridades monetárias, deveriam centrar-se nas fontes da inflação monetária — expansão do crédito —, e não nos sintomas da inflação.
Sobre isso, Rothbard escreveu: “O fato de que, nos EUA, os preços em geral se mantiveram relativamente estáveis durante a década de 1920 foi interpretado pela maioria dos economistas da época como uma evidência de que não havia nenhuma ameaça inflacionária. Consequentemente, o evento da Grande Depressão surpreendeu-os por completo.”
Conclusão
Inflação é um aumento na quantidade de dinheiro na economia em decorrência do crédito criado pelo sistema bancário em conjunto com o Banco Central. Aumento de preços é apenas a principal e mais visível consequência da inflação.
Isso não se trata de uma mera pendenga semântica. É algo muito mais sério do que isso. Se você não define exatamente qual é o problema, você não tem a menor chance de resolvê-lo corretamente.
Se inflação é “aumento de preços”, então a solução para este problema não tem nada a ver com a quantidade de dinheiro na economia, mas sim com coibir o comportamento “maldoso” de empresários, que insistem em elevar seus preços sem nenhum motivo, levados apenas pela ganância. Se inflação é “aumento de preços”, então a solução para este problema pode perfeitamente ser o congelamento de preços ou a imposição de um teto para os preços de qualquer bem.
Saber a diferença entre inflação e aumento de preços é tão importante quanto compreender corretamente as causas de uma doença. É a diferença entre saber o que causa todos os seus sintomas desta doença e o que deve ser feito para eliminar a fonte dos sintomas, versus tentar lidar diretamente com os sintomas.
Definir inflação como aumento de preços é o mesmo que pensar que ‘doença’ significa um aumento da temperatura do corpo apontada pelo termômetro, o que implicaria que a solução seria simplesmente colocar o termômetro na geladeira.
Entender corretamente o significado de inflação — isto é, um aumento na quantidade de moeda — permite entender que é plenamente possível haver inflação sem estar havendo aumento de preços e, consequentemente, saber todas as consequências em termos de investimentos insustentáveis que tal inflação pode causar. (Vide a recente bolha imobiliária americana, em que os preços dos imóveis subiam, mas os preços gerais da economia estavam totalmente abaixo dos 2% ao ano, o que levou os monetaristas e os keynesianos a crerem que estava tudo perfeito e sob controle).
Portanto, é realmente fundamental saber a definição correta de inflação. Assim como o câncer pode existir sem apresentar nenhum sintoma aparente, a inflação também existe sem que esteja havendo aumento de preços — e ela estará insidiosamente fazendo uma redistribuição de renda dos mais pobres para os mais ricos e gerando todo tipo de investimentos insustentáveis que mais tarde irão gerar uma recessão.
Quando o dinheiro é criado do nada e injetado na economia, ele adentra o sistema econômico por pontos muito específicos, de modo que as pessoas que primeiro o recebem se beneficiam às custas daquelas que o recebem por último. Exatamente por isso, essa inflação monetária jamais afeta os preços de todos os bens na mesma intensidade ao mesmo tempo. Tampouco o efeito é instantâneo.
Como o dinheiro se move de um mercado para outro, de um setor da economia para outra, sempre há um atraso entre a injeção de dinheiro e a subida dos preços. Quando o aumento da oferta monetária ocorre em períodos de aumento da produtividade, o aumento dos preços demora mais a ocorrer; quando o aumento da oferta monetária se dá em períodos de reduzida produtividade, o aumento de preços tende a ser mais rápido e perceptível.
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Thorsten Polleit é economista-chefe da empresa Degussa, especializada em metais precisos, e co-fundador da firma de investimentos Polleit & Riechert Investment Management LLP. Ele é professor honorário da Frankfurt School of Finance & Management
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil