Condenando veementemente o que chamou de “atrocidades inimagináveis” cometidas pelo grupo armado Mayi-Mayi Cheka durante uma série de ataques recentes no leste da República Democrática do Congo (RDC), o chefe da missão da ONU no país pediu no sábado (26) que não haja impunidade para tais atos e que o grupo deponha imediatamente suas armas.
Somente em episódios recentes, o Mayi-Mayi Cheka é acusado pela missão da ONU de assassinar brutalmente 34 civis – incluindo 20 crianças.
“Essas atrocidades são inimagináveis e estão contradizendo os valores da humanidade. Isto deve ter consequências. Não pode haver impunidade para tais atos atrozes”, declarou Martin Kobler, chefe da ‘Missão de Estabilização das Nações Unidas na República Democrática do Congo’ (MONUSCO).
Em um comunicado de imprensa emitido no sábado, a missão condenou fortemente vários ataques ao longo das últimas semanas, perpetrados por elementos do Mayi-Mayi Cheka – em alguns casos em conjunto com combatentes do Raïa Mutomboki, em várias aldeias do território de Masisi, na província de Kivu do Norte.
“Peço ao Mayi-Mayi Cheka que abandone imediatamente as armas e pare de manipular diferentes grupos étnicos para seus interesses”, disse Kobler.
As investigações da missão da ONU têm ajudado a confirmar as execuções extrajudiciais em massa de civis, particularmente de crianças entre 6 meses e 17 anos de idade, “bem como outras violações graves dos direitos humanos que podem constituir crimes sob o direito internacional, incluindo crimes contra a humanidade, cometidos durante estes diferentes ataques”.
Em um exemplo, a MONUSCO observa que em 27 de setembro integrantes do Mayi-Mayi Cheka, em colaboração com combatentes do Raïa Mutomboki, atacaram a aldeia de Lwibo, matando pelo menos 16 pessoas, incluindo 14 crianças, e queimando e destruindo 185 casas.
Ban Ki-moon condena assassinato de membro da missão da ONU
No domingo (27), o secretário-geral da ONU condenou “veementemente” a morte de um membro da missão da ONU no país após um conflito com os rebeldes do M23. Ban Ki-moon prometeu que a ONU manterá seu compromisso de tomar “todas as medidas necessárias” para proteger civis no país.
Em um comunicado divulgado por seu porta-voz, em Nova York, o chefe da ONU condenou “nos termos mais fortes” o assassinato de um tanzaniano que ficou sob fogo cruzado no leste da RDC.
De acordo com o comunicado, os ataques ocorreram quando a MONUSCO apoiava uma ação das forças do governo congolês (FARDC) para proteger os civis no eixo Kiwanja-Rutshuru, 25 quilômetros ao norte da principal cidade da região leste, Goma.
“O secretário-geral oferece suas sinceras condolências e solidariedade à família da vítima, e ao Governo da República Unida da Tanzânia”, diz o comunicado.
Por meio da resolução 2.098 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que trata da proteção de civis no leste do país, a missão obteve a permissão de criar uma força especial destinado a realizar operações específicas para “neutralizar e desarmar” o grupo M23, bem como outros rebeldes armados congoleses e grupos estrangeiros.
A chamada “brigada de intervenção” – já em atividade – possui autorização para fazer uso da força contra os rebeldes, com ou sem as forças do governo.
O incidente deste domingo vem após o aumento da tensão na região nos últimos dias. Na sexta-feira (25), o porta-voz da ONU Martin Nesirky disse a jornalistas em Nova York que a MONUSCO estava em “estado de alerta” após confrontos entre forças do governo e os combatentes armados do M23.
A missão informou que as forças governamentais e o M23 haviam entrado em confronto perto Kibumba, cerca de 15 km ao norte de Goma.
Os confrontos continuaram esporadicamente em toda a região leste da RD Congo desde o ano passado, com os rebeldes ocupando momentaneamente Goma, em novembro de 2012. O conflito deslocou mais de 100 mil pessoas, agravando uma crise humanitária na região que inclui 2,7 milhões de deslocados internos e 6,4 milhões de pessoas precisando de alimentos e ajuda de emergência.
Enviada da ONU ao país afirma que governo e rebeldes devem permanecer empenhados no processo político
Em um encontro após visita à região dos Grandes Lagos na África, membros do Conselho de Segurança da ONU escutaram relatos dos enviados especiais da ONU à região pedindo avanços nos esforços para paz regional, após um impasse nas negociações de Kampala entre o governo e o M23.
“As partes chegaram a um consenso em oito dos 12 artigos do projeto em discussão”, disse a enviada especial do secretário-geral para a Região dos Grandes Lagos, Mary Robinson. “No entanto, [eles] acharam difícil chegar a um acordo sobre certas questões que permaneceram problemáticas ao longo das negociações, como a anistia, o desarmamento e a integração do M23”. As negociações começaram em 17 de outubro.
Robinson observou que as partes haviam concordado em se reunir em breve para superar suas diferenças, acrescentando que é fundamental que eles “continuem empenhados em concluir rapidamente o processo de Kampala”.
Martin Kobler pediu “especialmente ao M23 para usar a dinâmica dos últimos dias de forma mais construtiva e sem demora para resolver nos próximos dias as questões remanescentes e trazer de volta a paz para o leste da RDC”.
Os representantes da ONU também ressaltaram a urgência para a implementação do Quadro para a Paz, Segurança e Cooperação para a RDC e região. Assinado no início deste ano, o quadro é uma abordagem extensiva para trazer a paz sustentável para a região.
Ambos alertaram “contra quaisquer atos de provocação” e instaram as partes “a exercer a máxima contenção para que o diálogo possa ser concluído”.
A representante especial do secretário-geral da ONU sobre Violência Sexual em Conflitos, Zainab Hawa Bangura, disse para os legisladores congoleses que embora tenha havido progresso no combate à violência sexual relacionada com o conflito, muito mais precisa ser feito, em especial para combater os absurdos que acontecem em áreas onde grupos armados estão presentes.
Investigadores da ONU afirmaram que existem evidências documentadas de que membros das FARDC, as forças do governo, estupraram mais de 102 mulheres e 33 meninas – algumas com apenas seis anos de idade – enquanto fugiam da ofensiva do M23 na região leste do país em novembro passado. Uma investigação paralela pela FARDC levou à prisão de nove soldados, dois em conexão com os estupros.
Chefe de agência humanitária pede ‘ação coletiva’
Os diretores de emergência das oito maiores organizações humanitárias do mundo e uma ONG – OCHA, UNICEF, PMA, UNFPA, ACNUR, OIM, FAO, OMS e Mercy Crops – fizeram uma visita de quatro dias à RDC, onde avaliaram em primeira mão uma das mais longas e complexas crises humanitárias do mundo.
Eles viajaram para as províncias de Kivu do Norte e Kivu do Sul, onde as organizações humanitárias têm trabalhado durante anos para ajudar milhões de pessoas afetadas por conflitos, pela violência e pelo subdesenvolvimento crônico.
Mais de 1,6 milhão de pessoas deslocadas internamente moram nos ‘Kivus’ – quase 60% dos 2,7 milhões de congoleses que foram desabrigados pela persistente violência que assombra o país há décadas. A RDC é uma das maiores operações de cada uma das organizações representadas nesta missão.
“A complexa crise na RDC só pode ser resolvida através da ação coletiva”, disse a chefe do OCHA na RDC, Barbara Shenstone. “Esta visita reafirma a crença de que juntos podemos aliviar o sofrimento humano, salvar vidas e restaurar a paz e dignidade.”
Os conflitos no Kivu do Norte e Kivu do Sul
O Kivu do Norte viu o ciclo de violência ressurgir em maio de 2012, quando o M23 veio à tona. Desde então, 700 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas, aumentando o número de pessoas deslocadas em Kivu do Norte para mais de 1 milhão.
No entanto, a violência e alegações de abusos de direitos humanos são recorrentes na província há mais de duas décadas. Diferentes grupos lutaram entre si pelo uso de suas ricas minas e anos de instabilidade prejudicaram o seu desenvolvimento socioeconômico quase que por inteiro.
Kivu do Sul espelha seu vizinho. Os grupos armados cruzam a província conforme disputam controle territorial ou fogem do exército nacional. Quase 600 mil pessoas foram deslocadas pelo conflito na região.
A cólera e outras doenças transmitidas pela água são as principais preocupações da saúde pública. Como no norte, as organizações humanitárias são obrigadas a superar a insegurança e estradas precárias para garantir que a ajuda seja entregue.
Esta matéria foi originalmente publicada pela ONU Brasil