“Eu não posso suportar ver crianças mortas e não fazer nada. As autoridades devem ser denunciadas ao Tribunal Penal Internacional”
RIO DE JANEIRO – O cinegrafista independente e ativista Pedro Rios Leão, 26 anos, faz greve de fome em frente à sede da Rede Globo no Rio de Janeiro. Algemado a uma cerca desde às 18h de domingo, ingerindo apenas água, Leão está protestando contra o que ele diz ser um acobertamento midiático das atrocidades policiais durante o recente despejo da comunidade Pinheirinho, no município paulista de São José dos Campos, a cerca de 60 quilômetros de São Paulo.
A Tropa de Choque, apoiada por veículos blindados e helicópteros, utilizaram balas de borracha e gás lacrimogêneo para expulsar cerca de 6 mil moradores da favela Pinheirinho em São José dos Campos, em 22 a 25 janeiro. Todos os fornecimentos foram cortados, como água, gás e linhas telefônicas, a área foi isolada.
Em entrevista à BBC Brasil, o chefe dos direitos a habitação das Nações Unidas, Claudio Acioly, chamou a ação uma “violação drástica do princípio da habitação adequada”, um direito humano básico.
Leão gravou depoimentos de sequestros, ferimentos, assassinatos e ocultação dos corpos, incluindo uma criança de 4 anos, que morreu depois de receber um tiro de bala de borracha no pescoço.
Em outro caso, o residente David Washington Castor Furtado, de 32 anos, foi baleado pelas costas por um policial municipal ao tentar fugir com seu filho de 10 meses de idade.
“Ele foi a única pessoa ferida que eu consegui identificar e visitar enquanto eu estava em São José, porque seu nome foi vazado. Ele estava na sala 2-16 do Hospital Municipal São José e, de acordo com os médicos, ele corre grande risco de ficar paraplégico. Aterrorizado, ele não quis falar comigo, porque já havia recebido ameaças”, disse Leão.
“Eu não posso suportar ver crianças mortas e não fazer nada. As autoridades devem ser denunciadas ao Tribunal Penal Internacional”, disse Leão, que foi para a área assim que ouviu o que estava acontecendo, para documentar, coletar depoimentos de moradores e publicá-los na internet.
Durante a operação de despejo, Leão tentou alertar o mundo sobre o que estava acontecendo. “Devido à total ausência de mídia neste país, eu estava denunciando tudo na minha página do Facebook, e durante a operação eu alternava entre ajudar os moradores e tentar informar as pessoas sobre o que estava acontecendo. Saí de lá porque eu fiquei com medo”, disse ele.
“O que me chocou mais foi o ódio e o tratamento bárbaro dado aos moradores, que não só foram expulsos de suas casas, mas continuaram a ser perseguidos pelas ruas com armas de fogo, sendo caçados como animais. Eles foram encurralados em dois locais, em seguida, a polícia militar lançou gás lacrimogêneo e atirou”, descreveu Leão.
A comunidade Pinheirinho, de pouco mais de 1 km quadrado, foi estabelecida em 2004 em terras abandonadas da empresa Selecta. Selecta era propriedade do empresário bilionário Naji Nahas, que foi preso em 2008 por evasão fiscal e lavagem de dinheiro no valor de 16 milhões de reais. De acordo com a revista Carta Capital, ao longo dos últimos nove anos, o terreno valorizou-se 25 vezes.
O despejo foi realizado com base numa decisão do tribunal estadual para reaver a terra, agora valiosa, de Nahas. No entanto, a reintegração de posse foi uma violação de uma decisão do Tribunal Federal. Além disso, a transferência do terreno original do governo para Nahas sempre foi um mistério.
Os moradores de Pinheirinho também possuem direito ao terreno, tendo lá vivido há mais de cinco anos. O governo federal se ofereceu para comprar o terreno dos moradores, entretanto, as autoridades locais enviaram um esquadrão, violando um acordo para adiar qualquer ação por 15 dias enquanto as partes tentavam negociar uma solução.
“O Judiciário no Brasil tornou-se uma gangue. O sistema financeiro ganhou da democracia, e os ‘juízes’ são um novo produto de mercado. Essa quadrilha não deixa outra opção para as pessoas a não ser protestar”, disse Leão.
“Eu pretendo ficar aqui até que as pessoas fiquem envergonhadas, até que o governador de São Paulo seja preso, até que o governo federal faça algo, até que alguém mostre que eu posso acreditar que a democracia existe aqui. Eu ficarei aqui até eu parar de acreditar que eu vivo num Estado inimigo”, disse Leão ao Epoch Times, ganhando aplausos das pessoas reunidas ao redor.
“Eu também estou aqui porque a única chance que esses criminosos têm de escapar impune é se o caso for suprimido. A mídia é a última frente de resistência contra esses criminosos, porque se a mídia faz uma investigação séria, se a população decide fazer um movimento, eles vão para a cadeia porque há um monte de provas”, disse Leão, que acredita que somente através da sociedade civil se pode alcançar a justiça.
O paulista Taesli Ramirez, de 22 anos, ativista e estudante de ciências biomédicas, veio de São Paulo para apoiar a causa e espera que a mídia dê a devida atenção ao protesto.
Um estudante de história da Universidade Castelo Branco, Fernando, de 30 anos, tem compartilhado na internet as informações que Leão enviou de Pinheirinho. Ele diz que veio para mostrar seu apoio aos moradores. Fernando diz que a mídia social só pode alcançar as pessoas que possuem acesso à internet, de modo que eles precisam então expandir sua influência tomando as ruas.
“Fui para lá como um cidadão indignado e o comportamento da polícia que testemunhei foi criminoso. […] A Polícia Federal foi expulsa a tiros, o governador se comportou como um líder de uma gangue que domina um território”, disse Leão.
“A polícia de São Paulo agiu como gangsters aterrorizando as pessoas na rua e gritando ‘Pinheirinho é nosso!’ Eu chorei três vezes de medo, o clima era muito pesado e nós nos sentimos muito desesperados porque ninguém sabia a quem recorrer, uma vez que o governo federal não fez nada, até mesmo um assessor da presidente foi baleado”, disse Leão, referindo-se a Paulo Maldos, que foi atingido por bala de borracha enquanto cumpria sua atribuição de acompanhar a situação do despejo.
Leão produziu um documentário intitulado ‘Depoimentos da guerra civil brasileira em Pinheirinho‘ sobre os despejos. Ele mostra deputados estaduais, autoridades federais e a imprensa sendo impedidos de se circular livremente ao redor da área. Mostra também a detenção arbitrária de líderes da sociedade civil.
“Agora é muito difícil encontrar novas notícias de lá com a cidade cercada e nas mãos da polícia”, disse Leão.