As raízes silenciosas da rebelião social

15/07/2013 14:30 Atualizado: 15/07/2013 14:30
Manifestantes bloqueiam a Avenida Brasil no Rio de Janeiro diante do Complexo da Maré, durante um protesto contra a violência da polícia militar (Vanderlei Almeida/AFP/Getty Images)

Mudanças históricas, eventualmente, têm um começo pequeno e modesto. As revoltas atuais no Brasil e na Turquia começaram realmente de forma discreta pelo menos uma década atrás. Se tivessem sido detectadas antes, haveria menos perplexidade sobre a explicação da gênese dos protestos em massa que se multiplicaram para forçar os governos da presidente brasileira Dilma Rousseff e do primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan a repensarem suas trajetórias políticas.

As classes média e trabalhadora do Brasil ganharam atenção internacional nas últimas semanas, mobilizando-se por uma grande cesta de reformas nas prioridades do governo do Partido dos Trabalhadores. Mas os manifestantes do núcleo que acenderam o fusível têm travado lutas localizadas por muitos anos contra a trajetória pró-mercado ironicamente projetada por um regime popular e socialista.

O Movimento Passe Livre (MPL), cujos ativistas provocaram uma das mais recentes mobilizações por demandas pela reversão do aumento das tarifas de trem e ônibus, tem combatido as políticas de transportes exclusivistas quase despercebidamente desde 2005. O MPL contesta o “deslocamento urbano” baseado na lógica de mercado, em que empresas privadas coniventes com autoridades do governo local continuam a aumentar as tarifas de bilhetes até que os pobres não tenham acesso ao serviço para chegar aos locais de trabalho.

O MPL afirma que 37 milhões de brasileiros (quase um quinto da população do país) não podem pagar o transporte público, mesmo que o recente boom econômico tenham ampliado as compras de carros particulares pelos setores mais abastados da sociedade.

O “automobilização do transporte”, que estudiosos como Paul Sweezy em 1970 identificaram como um assalto ao transporte público nos Estados Unidos, é hoje um fenômeno global. Como o sonho americano, agora há um sonho brasileiro, um sonho chinês e um sonho indiano – todos têm esperanças de possuírem carro particular e casa própria, mas a expansão do mercado de automóvel pode imobilizar os pobres.

O MPL foi apenas uma consciência radical menor durante os anos em que o presidente Lula da Silva estava no comando num período de crescimento notável do PIB no Brasil. Agora que o milagre do crescimento gaguejou, as queixas aumentaram muito além dos custos do transporte. Mas devemos creditar o MPL pelo desenvolvimento de uma primeira crítica do que era fundamentalmente errado no capitalismo de Estado que o Lula socialista havia instituído. Sem faísca, não pode haver fogo.

Ambientalistas na Turquia

Como o MPL no Brasil, a origem das ondas de protesto radical na Turquia encontra-se num movimento popular ambiental que começou uma década atrás. Quantos de nós já ouvimos falar dos minimotins contra usinas de carvão e hidrelétricas em locais urbanos menores na Turquia, como Bergama, Hopa, Munzur, Gerze e Amasra? Essas formas de resistência local à ambiciosa modernização econômica do governo turco são os antecessores da raiva na Praça Taksim de Istambul.

Pinar Aksogan do Greenpeace argumentou no The Guardian que o núcleo inicial dos manifestantes da Praça Taksim – unindo-se para proteger o Parque Gezi, o último resquício de espaço verde na cidade, da aquisição dos lobbies de construção aprovados pelo governo – derivava-se de movimentos sociais anteriores dedicados a preservar as florestas, o ar e a água.

Assim como os radicais brasileiros, ambientalistas turcos são filosoficamente antagônicos ao roteiro de “transformação urbana” do primeiro-ministro Erdogan, que utiliza tratores para eliminar o acesso público a vegetação, e uma agenda de crescimento capitalista que esmaga à natureza. E, assim como no Brasil, os manifestantes da Turquia transcenderam seu ambientalismo seminal e com pleno direito iniciaram oposição às tendências autoritárias de Erdogan e ao conservadorismo religioso.

Mas sem a bravura do movimento verde para salvar o Parque Gezi, a Praça Taksim não teria sido convertida em mais um ponto de inflamação em que Paul Mason da BBC chamou de “novas revoluções globais”.

A agitação no Brasil e na Turquia é um desafio para o que o intelectual brasileiro Elio Gaspari rotula de “modernismo ilusório” de Estados fortes determinados a ganharem aceitação internacional como grandes potências. A retórica e as perspectivas dos governos Dilma Roussef e Erdogan têm se inclinado no sentido de assegurar grandeza e ganhar aplausos da comunidade internacional, saciando os egos nacionalistas do Brasil e da Turquia como atores ascendentes no cenário mundial.

Questionamentos de longa data

Mas o MPL e os ambientalistas turcos têm questionado por algum tempo essa busca de prestígio mundial ao custo dos mais desfavorecidos. A grandeza é medida sediando-se torneios caros como a Copa do Mundo de futebol ou no direito dos trabalhadores que se mobilizaram pelo transporte público? É um sinal de grandeza uma cidade que se encontra na encruzilhada entre Ásia e Europa, Istambul, não ter mais parques públicos – somente uma selva de concreto sem fim onde escritórios de empresas competem por espaço com shopping centers e mesquitas?

Os pioneiros que permitiram esses movimentos de massa recentes na Turquia e Brasil estão questionando em suas próprias maneiras a embriaguez problemática do gigantismo no planejamento industrial e urbano, um conceito cunhado pelo economista E.F. Schumacher em seu livro “Small is Beautiful”. A economia defendida pelos primeiros pássaros rebeldes na Turquia e no Brasil, que agora está sendo abraçada por setores mais amplos das classes média e trabalhadora, é semelhante à economia de Schumacher em que as pessoas são importantes.

Que essa mensagem é destinada a governos democráticos eleitos, que ganharam enormes maiorias, torna-a ainda mais especial, já que os manifestantes turcos e brasileiros buscam uma redefinição da democracia.

Mesmo no caso da Primavera Árabe de 2011, que foi uma batalha clássica entre o povo e as autocracias, deve-se reconhecer que essas revoluções não surgiram repentinamente do nada, mas foram movimentos graduais que atingiram o pico e rolaram como bola de neve muito tempo depois de suas origens humildes. A revolução é um processo que germina em vez de um único ponto no tempo ou uma rápida sucessão de acontecimentos.

O livro de Marwan Bishara, “The Invisible Arab”, mostra que, antes que as energias da Praça Tahrir no Egito e da Praça 7 de Novembro na Tunísia repelissem ditadores temíveis, houve durante anos inúmeras manifestações, greves, piquetes e protestos realizados por inspirados e corajosos árabes comuns.

Como Roma, a revolução nunca é construída num único dia. Nas palavras de Bishara, a Primavera Árabe foi “fermentada” por inúmeros ativistas da sociedade civil, organizadores de bairro, defensores dos direitos humanos e associações políticas indescritíveis que erodiram os regimes tirânicos durante “muitos anos não reportados”. Os trabalhadores que se levantaram na fábrica têxtil Mahallah em 2006 no Egito e os mineiros agitando-se contra maus-tratos no cinturão de mineração de Qafsa na Tunísia em 2008 foram alguns dos antepassados que semearam a queda final dos déspotas nesses países.

A lição intelectual comum nas ruas do Brasil, da Turquia e do mundo árabe é evitar subestimar os movimentos sociais imaturos ainda em sua infância. Com os avanços tecnológicos e conjunturas oportunas, os azarões de ontem podem rapidamente se transformar nos modeladores do amanhã. Nem todo movimento nascente desemboca numa revolução total, mas os desbravadores cujos pensamentos e ações vão adiante para fazer história devem ter o devido reconhecimento.

Sreeram Chaulia é professor e decano da Faculdade Jindal de Relações Internacionais em Sonipat, na Índia. Seu último livro, “Politics of the Global Economic Crisis: Regulation, Responsibility and Radicalism”, será lançado em breve pela Routledge. Cortesia da Foreign Policy In Focus, www.fpif.org.

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