O monge que germinou flores de lótus em uma amoreira

17/02/2014 08:00 Atualizado: 17/02/2014 08:44

Na China, cada templo antigo tem uma história mágica para contar. Segundo a lenda, há centenas de anos, no que é agora o Templo Kaiyuan em Hubei, havia um belo jardim, que era propriedade do senhor Huang, um conhecido homem de negócios e de muito boa posição social.

Um dia, de repente, chegou um monge viajante de aspecto sujo, seu cabelo revolto tinha pelo menos um metro de comprimento, seu rosto era tão gorduroso que não se conseguia ver sua face. Seus pés descalços estavam muito sujos, vestia uma desbotada kasaya (vestimenta budista), e nas suas costas carregava um par de sandálias feitas de palha. Todo seu aspecto dizia que fazia um bom tempo que não tomava banho.

Quando o homem bateu a porta, a família de Huang saiu para atendê-lo, e ao ver seu aspecto não paravam de olhá-lo dos pés à cabeça. O estranho, sem dizer mais, pediu para falar com o chefe da família.

A família de Huang estava acostumada a receber pessoas de renome, mas a chegada do monge não estava entre suas visitas de grande estirpe.

A mulher disse-lhe: “Como se atreve a vir a nossa casa, e ainda por cima exigir que o atendam?”

Sem se alterar o monge contestou: “Se você não quer avisar o senhor da casa eu encontrarei uma maneira de que me atenda.”

O monge sabia que a família não avisaria o Sr. Huang da sua presença, então, começou a gritar: “Salva-me! Salva-me! Salva-me!”

O Sr. Huang, que nesse momento estava na sala meditando com as pernas cruzadas, escutou uma pessoa que gritava fora de sua casa sem parar “Salva-me!”. Curioso, dirigiu-se à porta para olhar o que estava acontecendo.

Apenas apontou o nariz, o monge esfarrapado começou a gritar ainda mais forte, “Salva-me, salva-me!” Entre o bulício de sua família e os alaridos do homem, Huang perguntou, “Por que está gritando ‘Salva-me!’ na porta de minha casa?”

“Eu preciso que o Sr. Huang me atenda, mas sua família não quer avisá-lo, então, procurei uma maneira de fazê-lo sair para me atender”, explicou o monge. “Eu sou Huang, o que você quer de mim?”

“Você é o Sr. Huang? Então, dir-lhe-ei: Sabias que do ponto de vista do Feng Shui seu jardim do fundo deveria estar destinado para um templo de Buda e não para ser um jardim privado? Venho para pedi-lo este terreno para construir um templo.”

A princípio, Huang pensou que o velho mendigo queria enganá-lo e roubar-lhe dinheiro por meio da religião, já que a terra onde tinha seu belo jardim tinha muito valor. “Isto é impossível!”, exclamava Huang. “De que caminho de cultivo você é? Que nível tem para me obrigar a entregar-lhe meu jardim? Se você puder fazer que de minha árvore de amora cresçam flores de lótus branco, então, eu lhe dou meu jardim.”

O monge concordou com Huang e aceitou o desafio, e ambos se dirigiram ao quintal.

Entre os vizinhos se fofocava que o monge estava para fazer algo com suas capacidades sobrenaturais; então, todos vieram para ver o misterioso ancião.

Nesse momento, o sol estava muito forte e fazia muito calor; não passava nem uma brisa, mas o monge sob o sol não transpirava nem uma gota de suor.

As pessoas observavam que o velho fazia sinais de mão e que murmurava algo impossível de entender. Passou o tempo e ninguém podia decifrar o que o monge fazia, então, com a paciência esgotada começaram a insultar o farsante.

“Não me insultem porque esta árvore de amora já tem flores de lótus branco!” O monge apontou para cima e todas as pessoas ficaram estupefatas. A amoreira que há um momento estava seca, agora estava muito verde e cheia de flores de puro lótus branco perfumado. Huang compreendeu imediatamente que o homem esfarrapado não era uma pessoa comum, mas não estava convencido para entregar-lhe seu jardim.

“Eu cumpri com minha parte, agora lhe cabe cumprir com sua parte: dê-me a terra para construir um tempo de Buda”, advertiu o monge.

Huang era um homem rico, mas realmente amava seu jardim. Levou anos de dedicação dele para decorá-lo; cada dia de sua vida pensava em seu jardim, e agora o monge queria removê-lo. Depois de pensar um momento, sentiu que não podia cumprir sua promessa e teriam que achar outra maneira de solucioná-lo.

“Você já cumpriu com o trato, mas não falamos da quantidade de terra. Minha casa também está dentro do jardim, se você quer todo o terreno nós ficaríamos sem casa para viver.”

“Você tem altas capacidades sobrenaturais”, continuou Huang enquanto tentava enganar o monge, “assim, tire sua kasaya e atire-a ao solo, e eu lhe dou este lugar.” O monge agitou sua vestimenta no ar, e enquanto murmurava algo, a terra mudou de cor, tudo se tornou negro e o sol escureceu. Cada árvore, cada flor, cada moita da vizinhança se cobriu com um manto negro, menos o jardim de Huang e a amoreira com lótus.

Huang entendeu que a Lei de Buda não tem limites, que pode fazer tudo, assim, decidiu cumprir sua palavra e doar a terra para construir o templo hoje conhecido como pagoda Kaiyuan.

Hoje em dia as árvores de amora ainda estão ali, inclusive, dentro do salão, há um lugar em memória do Sr. Huang.

Este artigo pertence a série “Histórias da antiga China”; para ler outros artigos da série, clique aqui.

Torre do Templo Kaiyuan (Cortesia/Wiki/Polar1)
Torre do Templo Kaiyuan (Cortesia/Wiki/Polar1)