A arte da consulta na Medicina Tradicional Chinesa

28/10/2014 01:00 Atualizado: 26/10/2014 18:54

A consulta na Medicina Tradicional Chinesa

À medida que envelhecemos, vamos protagonizando a história de nosso tempo e acompanhamos nosso desenvolvimento em vários segmentos. Um dos que mais acompanhamos é o da saúde, com novas e promissoras tecnologias em benefício de nossa saúde e qualidade de vida. No entanto, à medida que ganhamos no avanço tecnológico, perdemos quase que compensatoriamente a arte sutil da percepção dos sinais, sintomas e manifestações clínicas que o paciente nos revela no momento de sua consulta.

Quantos de nós já não nos sentimos decepcionados por receber um atendimento pouco humanizado e simplesmente técnico, no qual temos pouca chance de realmente expressar o que estamos sentindo e desenvolver um relacionamento saudável entre profissional e paciente?

Muitas vezes retornamos da consulta tendo em mãos apenas solicitações de exames complementares, tendo a sensação de que não fomos compreendidos e, devido ao curto tempo, também não conseguimos falar tudo o que realmente precisava ser exposto.

Sentimos saudade dos tempos em que tínhamos o médico da família, normalmente bem-humorado e conhecedor da realidade pessoal de cada membro, das suas funções e hábitos de vida. Normalmente esse profissional tinha um vasto conhecimento de clínica geral, observava a cor da face, dos olhos, do estado geral, percutia, auscultava e normalmente prescrevia o tratamento sem necessidade de muitos exames complementares.

Os exames são recursos que devem ser utilizados quando há necessidade de esclarecer pontos que não são muito claros à simples observação, mas de forma alguma devem ser o principal recurso para substituir a avaliação semiológica.

Uma medicina contemplativa

A medicina chinesa, em sua essência, é contemplativa e empírica. Sua avaliação começa ao ver o paciente pela primeira vez. A agilidade, qualidade dos movimentos, tiques, odores, tom de voz, cores que se refletem na face, todos esses sinais podem ser observados antes mesmo que o paciente diga seu nome. Esses sinais são a manifestação da qualidade energético-sanguínea da pessoa, que possui correspondência com a saúde e a vitalidade de seu organismo.

É claro que toda essa riqueza de experiência não substitui os recursos da medicina moderna, mas revela que a medicina clássica chinesa trilha outro caminho, baseado na observação e na experiência.

O Ling-Shu, clássico da medicina chinesa sobre a arte da acupuntura, diz que “O clínico superior vigia a energia, o clínico comum perturba-se com os sinais e sintomas”.

Não é raro ficarmos um pouco confusos quando estamos adoecendo, sendo assim o diagnóstico da doença torna-se uma arte. Colher informações, às vezes desconexas, pode dificultar a compreensão do quadro clínico. Por isso, o Ling-Shu dá o conselho de não valorizar demais o quadro referido pelo paciente, sendo preferível estar atento às manifestações energéticas que podem ser percebidas pela cor da face, avaliação do pulso, língua, palpação de áreas do corpo, abdômen. O que percebemos é a realidade imediata, e o que é referido nem sempre é verdadeiro (no sentido de que nem sempre o paciente está consciente das origens de seus distúrbios), e quando verdadeiro nem sempre é atual.

No primeiro encontro com o paciente, o Ling-Shu ressalta a importância de tocar o espírito do paciente, pois é a realidade sutil que mantém e preserva toda a estrutura física. O tratamento então começa na avaliação, percebendo a fonte da desarmonia e, com sensibilidade, exige atuar no psiquismo do paciente.

Vamos tomar um exemplo de um paciente com uma desarmonia no fígado. Ele pode apresentar uma gama extensa de sinais e sintomas, tais como: distúrbios de sono, problemas digestivos, dor de cabeça, náuseas, problemas nos olhos, irritabilidade, perda da criatividade e capacidade de planejamento, dores musculares, etc.

Cada órgão na medicina chinesa é responsável por qualidades e características da nossa estrutura física bem como por aspectos do nosso psiquismo. Nosso cérebro, na medicina chinesa, é um local de processamento das mensagens provenientes dos nossos órgãos internos. Serve para expressar em gestos, posturas e movimentos a energia dos nossos órgãos. Nesse caso, o profissional pode atuar despertando no paciente a virtude capaz de equilibrar o fígado, que corresponde ao elemento madeira e cuja virtude é a benevolência.

Ao tocar o paciente nesse nível, mudanças podem ser sentidas imediatamente. O tônus muscular, a cor da face e características do pulso podem sofrer mudanças antes mesmo de iniciar o tratamento que o paciente procurou.

Quando o próprio paciente compreende os motivos do adoecimento e participa ativamente na sua recuperação, bons resultados são obtidos em um curto espaço de tempo. Em contrapartida, uma má interação entre terapeuta e paciente, e a falta de afinidade e confiança interferirão negativamente, servindo o tratamento, então, apenas como uma forma de alívio temporário, sem atingir resultados satisfatórios.

Há quem diga que tratar dessa forma é induzir o resultado. Chamo isso de arte, uma capacidade que se desenvolve com base em conhecimento, mediante estudo e observação associado à sensibilidade e interesse em auxiliar o paciente em seu caminho de retorno ao seu estado de saúde.

Recursos técnicos fazem parte do arsenal terapêutico, mas a sabedoria da arte de curar transcende a técnica.

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Isaac Padilha Guimarães Júnior é fisioterapeuta especialista em acupuntura e professor titular do Instituto Brasileiro de Acupuntura e Moxabustão de Porto Alegre (Ibrampa)