Estrategistas e especialistas em controle de armas discordam sobre relatório recente
O arsenal nuclear notoriamente opaco da República Popular da China (RPC) poderia ser muito maior do que as estimativas prevalecentes nos Estados Unidos, chegando a 1.800 ogivas ao contrário das 300 ou 400 até então consideradas, segundo um relatório da autoria de um coronel-general russo aposentado.
Além disso, o relatório diz que a RPC tem mísseis balísticos intercontinentais equipados com ogivas nucleares montados em ferrovias, além de ogivas nucleares numa série de ICBM (Míssil Balístico Intercontinental) e mísseis de cruzeiro; declarações que contradizem os entendimentos dominantes da posição nuclear da China.
Viktor Yesin, o ex-chefe da equipe principal das Forças de Foguetes Estratégicos e atualmente professor da Academia de Ciências Militares, publicou seu ponto de vista no ‘Correio Militar-Industrial’ no início de maio.
Ele escreve que as fábricas chinesas que fornecem material físsil poderiam ter produzido até 2011 cerca de 40 toneladas de urânio para armamento e cerca de 10 toneladas de plutônio, o suficiente para um total de 3.600 ogivas nucleares.
Yesin argumenta que cerca de metade deste material físsil não seria utilizada em ogivas, mas para estoques ou outros usos. Das 1.600-1.800 ogivas que foram provavelmente construídas, segundo Yesin, talvez 800-900 estariam estacionadas operacionalmente com o restante em armazenagem, diz ele.
A tradução do artigo de jornal de Yesin, que tem nove páginas em inglês, foi divulgada por Phillip Karber do Projeto de Controle de Armas da Ásia, que foca nas implicações estratégicas do acúmulo de armas nucleares da RPC.
A pesquisa de Karber sobre a rede de túneis subterrâneos da RPC usados para o armazenamento de armas nucleares já provocou controvérsia, especialmente da comunidade de controle de armas.
Neste caso, as estimativas de ogivas, segundo o ponto de vista do coronel-general russo, não são diferentes. Uma análise do recente relatório torna-se um exercício de análise do debate mais amplo sobre a postura nuclear da RPC.
Jeffrey Lewis, diretor do ‘Programa de Não-Proliferação do Leste da Ásia’ do Instituto Monterrey de Estudos Internacionais, que também bloga sobre questões de controle de armas, escreveu num e-mail comentando sobre o artigo de jornal de Yesin que as opiniões do general aposentado, com as quais ele já estava familiarizado, são “exageradas” e “alarmistas”. Lewis também questionou a veracidade e procedência das informações.
Por outro lado, Richard Fisher, um analista da modernização militar da China e pesquisador sênior do Centro Internacional de Estratégia e Avaliação, diz, “O general Yesin deixou cair uma bomba nuclear na arrogância da comunidade norte-americana de controle armamentista.”
Yesin é um comentarista de destaque nas questões estratégicas da Rússia e, de acordo com uma introdução preparada pelo Projeto de Controle de Armas da Ásia, ele “é visto como uma fonte de autoridade intimamente associado com as posições do governo russo.”
“Nos últimos 15 anos, ele tem sido um conselheiro importante de Putin”, diz Karber, acrescentando que Yesin teria uma compreensão íntima do arsenal nuclear da RPC, em parte, devido a inúmeros contatos de várias décadas entre as duas potências e ao acesso que ele possa ter a fontes classificadas.
Além da grande estimativa de ogivas dada por Yesin, que concorda com as dadas por Karber num estudo anterior sobre uma rede de túnel subterrâneo da RPC, as observações de Yesin sobre a rede de mísseis balísticos intercontinentais equipados com ogivas nucleares montados em ferrovias são significativas na visão de Karber.
“Quando você tem esse grau de mobilidade, você não pode rastrear quantas existem. Eles dirigem num túnel ferroviário e você não pode dizer se existem 20 lá ou apenas 1”, disse Karber. Essas armas poderiam ser usadas como um primeiro ataque contra forças inimigas ou como uma segunda capacidade de ataque contra cidades.
A ideia de armas nucleares e ogivas nucleares em mísseis balísticos e de cruzeiro montados em ferrovias, pelo menos centenas delas segundo Karber, derruba a suposição de que a RPC tem uma pequena força nuclear focada exclusivamente na dissuasão.
A suposição de que a RPC tem uma força tão pequena é compartilhada por Jeffrey Lewis e outros membros da comunidade de controle de armas. Eles dizem que apenas uma evidência insuficiente ou, em alguns casos, afirmações recicladas, infundadas ou outra desinformação, têm sido apresentadas para abalar essas premissas básicas.
Um problema prático levantado pelo relatório de Yesin é a possibilidade de uma corrida nuclear armamentista com países na periferia da RPC procurando ganhar uma aparência de paridade nuclear em face do enorme arsenal da RPC.
Esses países, que atualmente se veem sob a égide de segurança dos Estados Unidos, poderiam sentir que os Estados Unidos foram incapazes de protegê-los.
Fisher disse, “Ao construir um nível de superioridade em armas nucleares, a China poderia provocar o maior período de proliferação nuclear no mundo, pois o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália, o Vietnã e outros poderiam se apressar para desenvolverem suas forças de dissuasão nuclear próprias.”