Arriscando tudo pela divulgação da verdade

14/02/2014 15:56 Atualizado: 14/02/2014 20:22

Eles se encontram num local simples, como um McDonald’s ou um café. A equipe assistia de amplas janelas no segundo andar, olhando a multidão para ver se o correspondente estrangeiro foi seguido quando entrasse no prédio. Eram seis praticantes do Falun Gong, em Pequim, que acreditavam que a imprensa estrangeira poderia ajudar a situação na China.

De julho de 2000 a agosto de 2002, eles estabeleceram canais de comunicação criptografados, e formularam planos intrincados que possibilitaram a jornalistas estrangeiros entrevistar as vítimas perseguidas pelo regime comunista chinês. Pela primeira vez, seus métodos são revelados.

O Falun Gong é uma prática de meditação espiritual com raízes ancestrais, baseado nos princípios de verdade, compaixão e tolerância. Em julho de 1999, Jiang Zemin, o chefe do Partido Comunista na época, lançou uma campanha de perseguição em todo o país, porque ele tinha ciúmes doentios da popularidade da prática que congregava 100 milhões de praticantes.

Embora a prática de meditação não tenha quaisquer motivações políticas, o Partido Comunista Chinês (PCC) viu a própria existência do grupo como uma ameaça a seus preceitos fundadores: a destruição das tradições, e a semeadura da animosidade e da desconfiança entre o povo chinês.

De repente, a prática foi difamada maciçamente na mídia chinesa, toda esta controlada pelo PCC, mas o outro lado da história raramente foi ouvido. “Sem acesso livre ao povo chinês, os repórteres ocidentais tinham dificuldade em saber o que realmente estava ocorrendo”, disse Dana Cheng, uma chinesa-americana que vive nos Estados Unidos. Ela tinha contato com jornalistas ocidentais que estavam interessados em reportar sobre a perseguição e os conectou com Yu Chao, um dos recrutadores da equipe que encontrou praticantes perseguidos que estavam dispostos a falar com a imprensa.

Yu estabeleceu canais de comunicação criptografados. Ele tinha sido um especialista em TI para uma empresa internacional, antes de perder o emprego por praticar o Falun Gong. Era extremamente difícil para os repórteres organizar entrevistas com aqueles que foram perseguidos pelo PCC, e era difícil para eles entrar em contato com qualquer praticante do Falun Gong.

“Quando a perseguição começou, a mídia chinesa se tornou uma ferramenta essencial na perseguição. TV e jornais estatais publicaram um enorme volume de material falso para difamar o Falun Gong e incitar o ódio no público contra os praticantes”, disse Cheng. “Isso servia ao propósito de justificar a perseguição e enganar o público. Mesmo quando os praticantes não estavam na prisão, o ambiente criado pela mídia manipulando a opinião pública tornava a sociedade uma prisão invisível.”

A imprensa estrangeira precisava da permissão do governo chinês para viajar ou entrevistar certos grupos na China. Era impossível obter permissão para contatar grupos perseguidos. Como resultado, muitas mídias estrangeiras veicularam os relatos das mídias chinesas controladas pelo Estado ao reportar sobre o Falun Gong quando a perseguição começou.

Hoje, as restrições de mídia na China afrouxaram minimamente. A imprensa ocidental continua a lidar com rejeições de visto chinês e ampla censura, mas tem havido uma mudança no ambiente, como quando trabalhos como um documentário sobre a dissidência do artista Ai Weiwei pôde ser filmado na China.

Mas na virada do século, era um ambiente muito diferente. Na maioria dos casos, repórteres não eram autorizados a entrevistar o cidadão chinês comum para informar sobre temas que o PCC não desejava que eles cobrissem. “Trabalhar com jornalistas ocidentais era muito perigoso naquela época na China”, disse Wang Weiyu, um membro da equipe que foi designado para selecionar os locais de encontro seguros. “Na verdade, eu sentia muito medo”, disse ele. “Foi muito difícil, porque o PCC seguia de perto os repórteres estrangeiros que viviam na China, especialmente entre 2000 e 2002”, disse ele.

Uma parte fundamental do seu trabalho era garantir uma comunicação segura entre os cidadãos chineses e a imprensa ocidental num momento em que os repórteres de países ocidentais estavam sob estreita vigilância na China. “Repórteres eram seguidos por agentes chineses tão estreitamente ao ponto de interferir com suas vidas pessoais”, disse Cheng.

Eles entraram em contato com jornalistas da grande mídia, como Time Magazine, BBC, Washington Post, Associated Press e Wall Street Journal. Alguns foram à China especificamente para informar sobre a perseguição, enquanto a maioria estava trabalhando de suas agências em Pequim.

Há um departamento especial de segurança pública, o 13º Departamento, que vigia a segurança de hotéis e outros lugares onde jornalistas estrangeiros podem ir. Repórteres eram frequentemente seguidos e seus telefones grampeados. Quando um jornalista estrangeiro se registrava num hotel, uma das primeiras coisas que a recepcionista faz é comunicar o departamento de segurança para que saibam que o jornalista chegou.

Yu ajudou jornalistas estrangeiros a baixar os arquivos criptografados. Ian Johnson do Wall Street Journal teve seus arquivos separados em 30 partes. Em geral, suas comunicações com os repórteres eram via e-mail criptografado. Eles falavam ao telefone às vezes, mas mudavam seus cartões SIM com frequência. Eles sempre mudariam para um novo cartão SIM cerca de 30 minutos antes de ocorrer um telefonema.

Eles sempre garantiam dois locais de encontro seguros. Wang visitaria cada local várias vezes antes de um encontro ocorrer. O primeiro local seria um que permitisse que as pessoas no interior olhassem para fora e vissem quem se aproximava – restaurantes McDonald’s funcionavam bem, por exemplo. Esse local era um ponto de verificação para determinar se o jornalista foi seguido e por quantos.

Eles diriam ao jornalista para não comprar qualquer alimento e ir direto para o segundo andar. Se alguém o seguisse diretamente para cima, era uma bandeira vermelha. O jornalista não falaria ou encontraria ninguém da equipe. Eles observaram as pessoas que se aproximavam e olhavam para dentro do restaurante, mas que não entravam – outra bandeira vermelha. Também observaram aqueles que entravam após o jornalista. A equipe tomaria uma decisão no local se devia abortar a reunião ou seguir em frente.

Um táxi levaria o jornalista a um local onde ele poderia despistar qualquer perseguidor. Por exemplo, poderia levá-lo até a metade de uma rodovia onde não houvesse retorno. Sob a estrada haveria uma passagem subterrânea para pedestres.

O jornalista desceria do táxi e rapidamente atravessaria a passagem subterrânea. Um carro perseguidor não poderia cruzar para o lado oposto da estrada para observar o jornalista. A passagem subterrânea levaria a um beco estreito onde um carro não poderia passar. No final do beco, um táxi posicionado previamente estaria esperando. O jornalista pularia no táxi e partiria antes que qualquer cauda pudesse segui-lo.

As chances de eles serem capturados e presos eram altas. Houve momentos em que um repórter foi seguido por até seis grupos de agentes. No entanto, em dois anos, Yu ajudou a organizar entrevistas entre os praticantes do Falun Gong e uma dúzia de jornalistas. Cerca de 20 praticantes perseguidos foram entrevistadas. O jornalista e os entrevistados foram mantidos em segurança o tempo todo.

Mas as histórias tinham um custo. “Havia apenas alguns de nós, mas trabalhávamos contra um sistema nacional”, disse Yu. “Sabíamos que era uma questão de tempo antes que todos fossemos presos.” Quanto mais informação eles vazavam, mais cedo eles poderiam ser presos. “Era um equilíbrio delicado entre nossa segurança pessoal… e a proteção dos direitos humanos básicos”, disse Yu.

Yu nunca apareceu no local para encontrar os repórteres. Ele só se comunicava com eles por e-mail. “Philip Pan não se lembrará de mim, mas ele se lembrará de como o Modern Plaza parecia no crepúsculo durante sua viagem de táxi para o café onde conheceu uma vítima feminina”, disse Yu. Pan reportava para o Washington Post na época. Charles Hutzler da Associated Press também não se lembraria de Yu, mas ele se lembraria do Tibetan Hotel em Pequim, onde entrevistou um praticante perseguido.

Alguns dos entrevistados foram presos posteriormente. Alguns desapareceram como resultado de repetidos protestos. Em agosto de 2002, Yu, Wang e suas esposas foram presos. Além de liderar a equipe de imprensa livre, Yu também operava um centro de impressão, onde 700 mil panfletos antiperseguição foram impressos.

“Eu ainda tenho contato com dois colegas. Os outros dois foram presos e talvez eles tenham me mencionado”, disse Yu. Ele foi condenado a quase 10 anos de prisão, um presságio de uma década de tortura terrível. Wang foi condenado a oito anos e seis meses de prisão e conseguiu encontrar refúgio nos Estados Unidos em julho passado. Yu vive atualmente em Chicago.

Esta é a história do quanto custa um artigo verdadeiro sobre a China aparecer na mídia, e por que esses dissidentes decidiram aproveitar esta oportunidade arriscando suas vidas.

Parte II

Yu se certificou de que usava roupas limpas em 25 de abril de 1999. A probabilidade de ele ser baleado era alta. Se alguém tivesse de limpar o seu cadáver, pelo menos ele estaria usando roupas limpas. Isso foi o que Yu considerou naquela manhã em Pequim, quando se vestia.

Historicamente, uma vez que o regime chinês tenha rotulado um grupo ou pessoa como inimigo na esfera pública, isso significava o fim para tal alvo do regime. À primeira vista, pode parecer estranho Yu arriscar sua vida para se posicionar por uma prática de meditação. Yu era um homem bastante lógico. Ele se formou na prestigiada Universidade Tsinghua, e teve uma carreira estável como especialista em TI numa empresa internacional.

Yu não era ingênuo. Ele nunca teve fé cega. Houve momentos em que ele inclusive questionou as afirmações feitas por seus ex-professores da Tsinghua, o que é raro nesse cenário. Mas Yu era um pensador e havia uma pergunta que ele não encontrava resposta. “Desde pequeno, eu me perguntava qual era o propósito da vida”, disse ele. “Tudo o que adquirimos e conquistamos na escola ou no trabalho confere apenas felicidade temporária.”

Yu disse que sofreu com uma melancolia perene ao longo da juventude. Ele disse que se lembra claramente da primeira vez que sentiu o vazio de sua vida. Ele tinha 3 anos, e estava prestes a tirar sua soneca diária da tarde com sua turma de pré-jardim de infância. A classe foi avaliada como “Boas crianças do presidente Mao” e todos adormeceram, exceto Yu, que não conseguia dormir.

Em vez disso, ele ficou observando os raios solares brilhando através da janela da sala de aula e questionou se o propósito da vida era ser uma “Boa criança do presidente Mao”. Foi uma sensação desconsoladora que nunca o deixou, pelo menos até um dia fatídico quando ele tinha 21 anos.

Naquela época, Yu sofria de dores no estômago. Ele tomava medicação que custava 200 yuanes cada frasco. Sua mãe o convenceu a experimentar o Falun Gong, cujos exercícios eram conhecidos por beneficiar a saúde. Yu resolveu tentar, depois de alguma hesitação inicial.

Em 1993, Yu assistiu a uma palestra do sr. Li Hongzhi, o fundador do Falun Gong. “Na arte e na literatura eu encontrei serenidade, mas mesmo isso era temporário. A única coisa que realmente me permitiu perceber por que vivemos foram os ensinamentos do Falun Gong”, disse Yu.

Yu disse que se lembrava claramente da palestra mencionando que uma pessoa deve olhar para dentro de si para encontrar as soluções, em vez de culpar fatores externos, e que deve sempre colocar os outros antes de si mesmo. “Eu tinha 21 anos quando ouvi isso. Eu senti que os primeiros 21 anos de minha vida tinham sido vividos com uma venda escura sobre os olhos.”

Depois de iniciar essa disciplina espiritual, Yu começou a observar sua vida e seus problemas de forma diferente. Ao melhorar a si mesmo como indivíduo, como, por exemplo, eliminando pensamentos ciumentos ou negativos de outras pessoas, Yu disse que a vida de repente adquiriu significado. O foco no interno ao invés do externo era um conceito que ressoou com Yu e que o acompanha desde então. Foi um princípio que o levou através de seus momentos mais sombrios.

Quando a perseguição ao Falun Gong começou em 1999, Yu sentiu a necessidade de falar. Ele participou de protestos públicos e saiu para exibir faixas na Praça da Paz Celestial. “Eu não praticava os exercícios do Falun Gong o tempo todo. Mas eu sentia a necessidade de me posicionar por ele”, disse Yu. “É raro encontrar algo que dá sentido à vida, especialmente numa sociedade como a da China.”

“Mas quando eu participava de protestos, eu estava ciente dos perigos”, acrescentou ele. “Eu vivenciei e sobrevivi ao 4 de junho.” O Incidente de 4 de Junho, também conhecido como ‘Massacre da Praça da Paz Celestial’, foi um protesto liderado por estudantes em Pequim, em 1989. O regime comunista chinês reagiu, atirando com fuzis em civis desarmados e atropelando-os com tanques.

Yu conhecia pessoalmente várias pessoas que morreram naquele dia. Um deles era Jiang Jielian, um colega desde o jardim de infância até o ensino médio. A mãe de Jiang era Ding Zilin, que mais tarde fundou o famoso grupo ativista chamado ‘Mães da Praça da Paz Celestial’.

Primeira prisão

Yu foi preso pela primeira vez quando foi apresentar uma petição, para opor-se à perseguição ao Falun Gong, na Secretaria de Segurança Pública (SSP) em 15 de outubro de 1999. “De acordo com a lei chinesa, minha petição era legal”, disse ele. “Mas eu fui preso assim mesmo.” Duas semanas depois, sua esposa também foi presa por protestar pacificamente na SSP. O filho do casal ficou aos cuidados dos avós.

Yu ficou encarcerado por 38 dias em sua primeira prisão no Presídio Haidian, em Pequim. Ele foi condenado a um campo de reeducação pelo trabalho forçado. Após sua libertação, todo o seu corpo estava coberto de sarna, devido às condições prisionais insalubres e miseráveis.

Um por um, os membros da família de Yu foram presos por praticar o Falun Gong. Sua irmã era professora de economia e negócios na Universidade Tsinghua. Ela foi condenada a três anos e meio. Yu sabia que ele e a esposa seriam alvos novamente, então eles fugiram. Yu e a esposa partiram de casa com o filho de 3 anos no meio da noite em 10 de agosto de 2001. Eles saíram sem dinheiro ou pertences, deixando tudo para trás. “Nós ficamos realmente deslocados”, disse ele.

Eles deixaram o filho com uma amiga da família, com quem ele viveu por 10 meses. Os avós recuperaram a criança assim que conseguiram recursos para cuidar dele, mas a criança já tinha começado a pensar na amiga da família como sua mãe.

Superando o medo

“De 1999 a junho de 2000, eu vivi paralisado pelo medo”, disse Yu. Com sua experiência em tecnologia, Yu poderia fazer muito mais do que protestar com uma faixa na Praça da Paz Celestial. Ele poderia estabelecer canais de comunicação criptografados e informar a mídia estrangeira sobre o que estava acontecendo na China. Mas ele estava com medo. “Eu tinha medo, porque eu sabia o que o governo era capaz de fazer. Eu conhecia a selvageria que eles eram capazes. Eu sei, porque experimentei isso na pele”, disse ele.

Houve certa praticante do Falun Dafa que ele conheceu em Pequim e cuja história impeliu-o a contemplar este pensamento: “A que custo nós temos medo?” O nome dela era Zhao Xin. Ela era uma professora de negócios da Universidade de Pequim e tinha apenas 32 anos quando foi torturada até a morte.

De acordo com o Minghui.org, um website que documenta testemunhos da perseguição ao Falun Gong, as vértebras do pescoço Zhao foi fraturadas por espancamentos brutais. Depois disso, ela foi levada para o hospital, onde foi operada e removeram uma parte do seu esôfago. Após a cirurgia, ela perdeu a capacidade de falar.

Yu a visitou e recordou como ela continuava tentando falar de qualquer maneira, mas tudo o que conseguia eram suspiros violentos. “Era estranho”, lembra Yu. “O hospital disse que suas vértebras do pescoço feridas afetariam sua capacidade de respirar… mas não fazia sentido cortar seu esôfago. Eles a cortaram para que ela não fosse capaz de falar, isso é o mais provável”, disse ele. “Eles enfiaram um tubo de plástico na garganta dela.”

No entanto, após sua liberação do hospital, Zhao continuou a pedir para ser levada à Praça da Paz Celestial em sua cadeira de rodas para continuar a protestar. Mas sua condição física deteriorante nunca permitiu que ela fosse. Seis meses depois, ela faleceu.

Depois de testemunhar as experiências de Zhao, Yu sentiu a necessidade de dar um passo adiante. “Eu senti a urgência de informar às pessoas sobre a situação de Zhao Xin. Para deixar o mundo saber. Eu senti uma urgência de falar [pelos perseguidos]”, disse ele.

O tormento do silêncio e o custo de contornar a censura

Um por um, todos os que trabalharam na organização de entrevistas com a mídia ocidental acabaram presos. Yu foi condenado a 10 anos de prisão por organizar os encontros com jornalistas estrangeiros e estabelecer um canal de criptografia de dados que possibilitou a comunicação segura através da internet.

Ele ficou num chamado centro de treinamento do sistema legal, onde foi brutalmente espancado por 11 meses. Era um centro especificamente criado para fazer lavagem cerebral nos praticantes do Falun Gong. “Eles chutavam duramente minhas costelas… e exibiam tamanha fúria que pareciam alucinados”, disse Yu. “Mas eu não tinha medo naqueles momentos. Eu estava feliz. Eu sabia que o que tinha feito havia ferido a perseguição.”

Os agentes penitenciários se revezaram batendo no rosto de Yu. As orelhas de Yu zumbiam com as bofetadas contínuas. Mas ele sorria, olhava nos olhos dos guardas e lhes perguntava quais eram seus nomes. Ninguém respondeu.

“Eu ri, e passei e questioná-los: ‘Vocês se atrevem a me espancar, mas não se atrevem a me dizer os seus nomes? Suas mães sabem que é desta forma que vocês ganham dinheiro? Vocês têm companheiras? Elas sabem que é isso o que vocês fazem?’”, recordou Yu. Novamente, ninguém respondeu.

Mas os guardas pareciam sentir-se inquietos com seu olhar, e então “começaram a enfiar os dedos nos meus olhos”, disse Yu. Apesar da dor ocular aguda, Yu continuou a olhar nos seus olhos. Alguns guardas começaram a bater mais levemente. “Naquele momento eu senti que eles eram patéticos. Tudo o que faziam era seguir ordens. Eles não tinham livre arbítrio para tomar decisões por conta própria”, disse Yu. “Eles são covardes. Eles são incapazes de raciocinar.”

Os guardas então prosseguiram escrevendo palavras humilhantes em pedaços de papel, cuspindo nestes e esfregando-os no rosto de Yu. “Eu sorri e lhes disse: ‘Não cuspam em mim apenas, por que vocês não penduram esses papéis em mim para que possam reviver a Revolução Cultural?’”, lembrou Yu.

De 13 de agosto de 2002 a julho de 2003, Yu ficou detido no centro de lavagem cerebral. “Houve muitas vezes em que eu não podia dizer se algo estava ocorrendo na realidade ou não”, disse ele. “Durante dois meses, eles só me permitiram dormir uma hora por dia.”

Ele foi algemado a uma cama. Em vez de um colchão, havia uma tábua de madeira. Embora seu ombro esquerdo tenha sido deslocado durante os espancamentos, os guardas puxaram seu braço esquerdo na direção oposta para algemar suas mãos na cama. “Foi tão doloroso que eu suava frio por todo o corpo”, disse Yu.

Seus pés foram amarrados com uma corda. Ele permaneceu nessa posição por quatro dias e foi forçado a excretar e urinar na cama. Ocasionalmente, eles o deixaram sair da cama pelos próximos 100 dias. Ele não tinha permissão para se lavar e só recebia dois copos de água por dia para beber. Ele cuspiria o líquido nas mãos para lavar o rosto.

Yu acordava todas as manhãs com os olhos lacrimejando. “Não eram lágrimas emocionais. Eram reações físicas do meu corpo por eu não ser capaz de lavar o rosto por tanto tempo, eu lacrimejava profusamente.” Eles mão lhes permitiram tomar banho por cinco meses. Yu disse que sua pele começou a se parecer com escamas de peixe.

De 21 de julho de 2003 a 21 de julho de 2004, ele ficou preso em várias celas. Algumas eram tão cheias que ele e cerca de 50 outras pessoas dormiam numa área de 40 metros quadrados.

De 21 de julho de 2004 a 20 de fevereiro de 2012, ele ficou preso em Tianjin, que era gerenciado pelo Departamento de Administração Carcerária de Pequim. Os presos eram acordados às 4h30 da manhã para correr do lado de fora na escuridão no inverno severo. Depois, eles eram forçados a “estudar” seus materiais de reeducação.

Novamente, eles não eram autorizados a tomar banho. Embora nessas condições lastimáveis, não havia regulamentos sanitários, e eles eram forçados a manipular alimentos que seriam vendidos ao público. Yu disse que isso ocorre frequentemente com os presos nos campos de trabalhos forçados.

Alguns dos companheiros de prisão de Yu foram obrigados a colocar bolos em tabuleiros de papel antes de serem embalados com plástico, enquanto Yu era forçado a embrulhar pedaços de doces na prisão. “Os alimentos fabricados na China não são nada sanitários. Você realmente não sabe quem os fez e em que tipo de condições estiveram”, disse Yu. Ele foi obrigado a embalar doces de forma que parecesse feito por uma máquina. A forte pressão exigida no processo fazia as unhas de algumas pessoas saírem, lembrou Yu.

Ele suportou tortura bestial, como ser forçado a ouvir sons de alto-falantes no máximo volume a ponto dele experimentar uma sensação nauseante e aperto no peito. Ele foi submetido a isso de 6h da manhã até 22h todos os dias durante uma semana. Em outras ocasiões, ele foi forçado a trabalhar limpando fossas sépticas. “O propósito disso na prisão era destruir a autoestima e a dignidade da pessoa”, disse Yu.

Refúgio nos Estados Unidos

Depois de Yu ser libertado em 2012, ele se candidatou para um passaporte. “Em condições normais, eu não seria capaz de obter um passaporte, mas eles facilitaram para nós, porque as autoridades não querem que pessoas que são educadas e que passaram pela Tsinghua influenciem outras pessoas nas prisões da China”, disse ele.

Assim, Yu, com 41 anos, chegou a Nova York com sua esposa e filho de 15 anos, no dia 13 de maio. Eles navegaram entre a multidão de turistas e pessoas a trabalho. Inicialmente, Yu não sentiu nada. Ele estava emocionalmente entorpecido. Apenas cinco dias depois, ele se deu conta de que estava livre. Ele e sua família carregaram uma faixa juntos quando participaram de um desfile do Dia do Falun Dafa, no bairro chinês em Flushing. “Foi a primeira vez que eu senti que podia respirar livremente”, disse ele.

Depois de deixar o ambiente violento da China, Yu disse que agora enfrenta um novo desafio, desta vez em si mesmo. Até hoje, Yu é incapaz de dormir de costas devido aos ferimentos que recebeu nas costelas. “Mas a parte mais desafiadora não é passar pela perseguição. O desafio é o que vem depois”, disse ele. “Eu tenho de ter certeza de que não me transformarei num deles [os guardas da prisão], que não guardarei ódio e violência no meu coração.”

Yu olha dentro de si para resolver os problemas. “Eu posso prevenir que a violência cresça se primeiramente eu impedi-la de se expandir em minha mente”, disse ele. “Eu tenho de lembrar que os verdadeiramente maus foram os que ordenaram a perseguição, não necessariamente os que a executaram – eles foram treinados a seguir ordens sem pensar.”

“Eu quero ajudar a transformar corações, e a única maneira de fazer isso é sensibilizá-los, mostrando-lhes como é possível não ter ódio, mostrando-lhes como os seres humanos devem viver”, disse Yu. Quanto aos praticantes na China que foram presos após as entrevistas, há alguns que permanecem presos até hoje. Há alguns cujo paradeiro é desconhecido.

Enquanto Yu se sentava no Bryant Park, em Nova York, para ser fotografado, ele sorriu com uma brandura distinta, sem melancolia. Parecia que os mais de 10 anos de violência contra ele não puderam tirar sua paz interior, pois ele disse que encontrou o sentido de sua vida e que valeu a pena tudo o que sofreu.

Ele caminhou por uma estátua de Gertude Stein no parque, e perguntou quem era ela. Ele era agora parte de uma nova cultura, uma nova história. E em sua nova vida, Yu disse que continuaria a fazer tudo o que puder para ajudar a resgatar os praticantes do Falun Gong que ainda são perseguidos na China. Para ele, isso começa agindo com um coração que não possui qualquer vingança.