Veja o vídeo acima: “O Brasil nos arquivos de espionagem do bloco soviético”, que confirma integralmente com documentos de fonte primária a intervenção da KGB no Brasil.
Os papéis, obtidos diretamente dos arquivos da polícia secreta da antiga Tchecoslováquia, estavam, desde o fim do regime comunista, guardados no acervo do Instituto para o Estudo dos Regimes Totalitários, na República Tcheca, onde, com a ajuda de pesquisadores locais, foram encontrados por Mauro Abranches, um tradutor brasileiro que mora na Polônia.
Sem qualquer intenção política, o autor do vídeo se abstém de opinar sobre o conteúdo dos documentos. Ele apenas os exibe e traduz. Mas eles falam por si, e o que dizem compõe um requisitório devastador contra a pseudo-historiografia, morbidamente sectária e mendaz, que há décadas intoxica a mentalidade dos brasileiros com uma versão unilateral e deformada de sessenta anos da vida política nacional.
O que caracteriza essa vasta bibliografia, consagrada no mercado editorial, na grande mídia e nos currículos universitários como verdade de evangelho, é a balela pueril de que tudo o que aconteceu na política brasileira, nos anos 60-70 do século XX, foi o conflito entre agentes de uma superpotência imperialista, armados até os dentes, e, do outro lado, um punhado de bravos patriotas minoritários, isolados e entregues praticamente inermes à mercê de um poder tirânico e repressivo. Quando reconhecem que a luta foi um episódio da Guerra Fria, buscam dar a impressão de que esta se travou entre os americanos e um grupo de brasileirinhos desamparados. O antagonista maior dos EUA, a URSS, desaparece por completo, dando a entender que a ameaça comunista, na época, era apenas um delírio de direitistas paranóicos ou a desculpa esfarrapada dos golpistas para derrubar um governo democraticamente eleito.
Milhares de livros, reportagens, teses universitárias e especiais de TV construíram e defenderam laboriosamente essa versão, que se baseava e se baseia até hoje, essencialmente, em dois pilares: (a) a repetição servil e obstinada do que os serviços secretos soviéticos mandaram dizer; (b) a ocultação sistemática da atuação da KGB e de seus parceiros tchecos no Brasil.
Complementarmente, o papel dos EUA na produção dos acontecimentos aparece monstruosamente ampliado, a despeito do fato de que na época nem mesmo o chefe da KGB no Brasil, Ladislav Bittman, sabia de qualquer agente da CIA lotado no país e até hoje nenhum nome de espião americano comprovadamente associado ao planejamento do golpe de 1964 jamais apareceu. Nem um único sequer.
Em 1985 Bittman publicou seu livro de memórias, The KGB and Soviet Disinformation, no qual confessava que a história da participação americana na derrubada de João Goulart fôra inteiramente inventada pelos seus próprios subordinados, na base de documentos forjados. A “Operação Thomas Mann” ou “Operação Toro”, como a chamaram seus criadores, ditou os termos em que a história do golpe deveria ser escrita. Até jornalistas do calibre de um Otto Maria Carpeaux ajudaram a impingi-la ao público. E até hoje a vontade de Moscou é obedecida sem discussões por milhares de jornalistas, historiadores e professores neste país. Não há talvez na história do mundo exemplo similar de tão duradoura fidelidade residual às ordens de um regime extinto. Desde 2001 insisto que entrevistar Bittman seria o dever estrito de qualquer historiador ou jornalista que desejasse contar com honestidade a história de 1964, mas, é claro, fui sempre recebido com um silêncio desdenhoso. A hipótese, então, de investigar mais amplamente nos arquivos soviéticos a penetração da KGB no Brasil, essa era repelida como um crime de lesa-pátria.
Mas agora não se trata só da palavra de um agente secreto aposentado ou do clamor de um articulista maluco. São centenas de páginas de um acordo oficial assinado no início dos anos 60 entre a KGB e o serviço secreto tcheco (STB) para operações no Terceiro Mundo, incluindo o Brasil.
A conclusão é incontornável: enquanto a ação dos serviços secretos americanos nas altas esferas da vida nacional primava pela rarefação ou pela completa ausência, a KGB-STB estava infiltrada e atuante em todos os escalões do poder, incluindo ministérios, empresas estatais e Forças Armadas, instituições científicas e educacionais e, é claro, grande mídia. A “ameaça comunista” nunca foi um pesadelo de malucos ou uma “teoria da conspiração”: foi uma presença intrusiva e avassaladora, o mais profundo golpe já desferido na soberania nacional.
Os documentos trazem, junto com o plano, um extenso relato das operações já em curso de realização, com os nomes das entidades infiltradas, das ações aí empreendidas e, melhor que tudo, dos agentes encarregados. O prof. Abranches, com muita razão, pede que esses nomes não sejam ainda denunciados, por ser impossível distinguir, num primeiro momento, quais deles são de agentes profissionais e quais os de pessoas forçadas a colaborar com a polícia secreta mediante chantagem ou ameaça. Não comentarei, portanto, aqueles que pude ler na tela e reconheci de imediato. Só digo uma coisa: muitos desses velhos servidores de uma potência genocida ainda estão por aí, brilhando nos jornais e nas cátedras, com as caras mais respeitáveis do mundo, ludibriando diariamente o público brasileiro. “Não existe ex-KGB”, ensina Vladimir Putin.
Essa matéria foi originalmente publicada no Mídia Sem Máscara