Em 2013, quando Hou Minjun, comandante da unidade blindada do 27º Exército Chinês, recebeu ordens para conduzir suas tropas numa viagem de nove dias durante um exercício de treinamento na Mongólia Interior, ele perdeu mais de metade de seu poderio militar nesse treinamento.
Nas primeiras 48 horas do exercício militar, Hou viu todos os 40 tanques de seu batalhão quebrarem, um após o outro. Apenas 15 tanques puderam ser reparados e continuar a marcha de 145 quilômetros, como relatado por um serviço de notícias do Exército de Libertação Popular (ELP).
Apesar de ter sido uma simulação em situação de não-combate, o batalhão perdeu praticamente todo os seus equipamentos numa experiência que Hou, que serve o exército há 32 anos, descreveu como “dolorosa”.
Esse fiasco durante um exercício militar é um indicativo dos desafios que os militares da China enfrentam. O regime chinês esforça-se para modernizar e implementar amplas mudanças nas suas forças armadas, no entanto, de acordo com especialistas e relatórios, os problemas na qualidade da formação de seus soldados e nos equipamentos no ELP persistem.
Tanques obsoletos e incompatíveis
A malfadada experiência de Hou nesse exercício militar não é de surpreender. Dos milhares de tanques atualmente em serviço no ELP, a esmagadora maioria são variantes do T-55, um projeto soviético produzido pela primeira vez pouco depois da Segunda Guerra Mundial. Melhorias e modernizações têm prolongado a vida útil desse tanque outrora de sucesso, mas que, depois de mais de 60 anos de serviço, simplesmente não se encaixa mais num projeto de estabelecer um arsenal militar moderno.
De modo especial após a Guerra do Golfo de 1991, em que aeronaves e blindados americanos destruíram milhares de tanques soviéticos e alguns outros construídos na China, o ELP têm se esforçado para realizar novas aquisições e projetar tanques mais atualizados, como o ZTZ-99, que incorpora filosofias de design tanto ocidentais como soviéticas, para, com isso, tentar acompanhar os avanços na área militar.
Mas, isso não é suficiente. De acordo com um relatório de fevereiro postado no “War on the Rocks”, um blog americano de análise militar, as modernizações das forças blindadas do ELP podem se tornar um problema, pois estão longe de serem abrangente. Porque esse novo tanque é incorporado gota a gota, as divisões blindadas do ELP trabalham com “várias gerações sob o mesmo teto”, parafraseando um provérbio chinês. O ritmo lento e incerto das atualizações das força armadas chinesas levam a frequentes revisões nos planos estratégicos de preparação do ELP para uma eventual batalha real. Isso, combinado com a qualidade geral da formação dos soldados do ELP, é um sério problema para a China numa situação de um conflito moderno.
Problemas com o motor
A força aérea é um campo no qual o regime chinês tem colocado bastante atenção, com resultados mistos. Os aviões do ELP, assim como seus tanques, são modelos muito antigos, como os localmente produzidos caças J-7 e J-8. A China adicionou à sua força aérea centenas de caças de quarta geração – isto é, projetados a partir do final da Guerra Fria – aos seus arsenais.
Um exemplo disso é o jato interceptor J-11, uma cópia chinesa do caça soviético Su-27sk, este de superioridade aérea. Desde de 1992, o ELP passou a produzir localmente o J-11, mas equipados com motores fornecidos pela Rússia.
Após o colapso da União Soviética, o regime chinês tenta ansiosamente comprado armamentos modernos do governo russo. Esta parceria tem dado apenas alguns frutos. O Kremlin, cauteloso com a propensão chinesa a roubar e fazer engenharia reversa de tecnologia estrangeira, tende guardar seus segredos cuidadosamente, levando a várias negócios infrutíferos e abortados às expensas do ELP.
Na esperança de se livrar da dependência dos motores russos, essenciais para uma moderna força aérea do ELP, os militares chineses tentam a décadas produzir seus próprios motores para adaptá-los ao jato J-11 e também ao localmente projetado jato J-10, que também foi otimizado para utilizar motores russos.
O motor a jato chinês WS-10, há muito tempo em desenvolvimento como alternativa local para equipar o J-11 do ELP, tem consiste desempenho duvidoso. De acordo com um relatório publicado em globalsecurity.org, em 2007, os militares chineses estavam insatisfeito com o motor e, em 2009 um oficial chinês disse que havia problemas fundamentais de projeto.
Em 2010, o Washington Post noticiou que, de acordo com especialistas russos e chineses, a manutenção do motor WS-10A precisa ser realizada com apenas 30 horas de voo, em comparação com 400 horas para os motores de procedência russos, ou seja, muito abaixo dos padrões internacionais.
Em 2013, as forças navais do ELP começaram a contar com alguns poucos jatos J-15, uma aeronave para porta-aviões, que, assim como o J-11, também deriva da família de caças soviéticos Su-27. Os primeiros modelos desse jato foram equipados com motores russos, mas, em 2010, foi anunciado que um motor produzido na china, o WS-10H, seria usado em seu lugar. A partir de 2012, no entanto, esses motores passaram a ser um dos pontos fracos dessa aeronave.
Se esse recente motor chinês já atingiu ou não as expectativas, isso ainda não está claro. Independentemente disso, um motor aceitável para a 4ª geração da família Su-27 não é adequado para o J-20, um jato chinês supostamente de 5ª geração, que pretende se igualar ao jato americano F-22 Raptor.
De acordo com um artigo publicado no blog “War is Boring” e intitulado “As forças armadas chinesas são um dragão de papel”, o J-20 não estará em operação até 2021, no mínimo.
A hercúlea tarefa de treinar recrutas chineses
Os soldados chineses ainda não têm know-how suficiente para usar esses novos armamentos de modo apropriado e eficaz. Leva bastante tempo e esforço para treinar soldados. Requer competência para desenvolver táticas e estratégias eficazes. Um recente relatório intitulado “A incompleta transformação das forças armadas chinesas”, publicado pela RAND Corporation, analisou as deficiências dos soldados de diversos setores do ELP, inclusive o segundo Corpo de Artilharia, que controla as armas nucleares da China.
De acordo com um relatório publicado pelo think tank (grupo de reflexão) Project 2049 Institute, o pessoal da 2ª artilharia chinesa tentou, no verão de 2012, realizar um exercício militar de 15 dias em um abrigo subterrâneo com uma complexa rede subterrânea, mas não eles puderam aguentar até o fim. No meio do treinamento, o pessoal ficou tão perturbado psicologicamente que tropas do sexo feminino do ELP, “tropa de desempenho cultural”, tiveram de ser levada para animá-los.
Teorizando que homens jovens não eram adequados para longa permanência e longos deslocamentos em subterrâneos, a 2ª Artilharia tentou uma versão de curta duração de três dias desse exercício, dessa vez com as mulheres. Os resultados foram ainda mais decepcionante. Já no segundo dia, uma parcela considerável delas teve que receber aconselhamento psicológico e, algumas, até se recusaram a comer.
A qualidade e eficácia dos exercícios de treinamento de ELP são assunto de críticas frequentes e dirigida aos oficiais chineses. No geral, o ELP é frequentemente pressionado para realizar exercícios militares em ambientes e situações realistas que revelariam fraquezas em sua doutrina militar e forneceriam aos estrategista militares informações valiosas para melhorarias.
O ELP enfrenta um obstáculo sistêmico, que reside na natureza de origem, ou seja, o seu papel como o braço armado do Partido Comunista Chinês.
Sob a liderança do partido
Para manter todas as “armas” sob o controle do Partido Comunista Chinês, o ELP é subordinado ao Partido e mantido longe da supervisão civil chinesa. A ideologia comunista permeia todos os níveis do ELP. De acordo com um relatório do site de notícias Sinodefense, os oficiais gastam mais de um terço do tempo engajados em “trabalhos políticos”, um termo para reuniões ideológicas, sessões de estudo, e doutrinação. Todos os oficiais de carreira chineses são membros do Partido Comunista e todas as unidades maiores que pelotão são supervisionados por um oficial político para, assim, assegurar que a disciplina do Partido será mantida. Nos níveis mais altos da ELP, as principais decisões são tomadas por comitês políticos.
A natureza fortemente politizada do ELP bem como o fato de o Partido Comunista manter o ELP isolado das agências civis contribuem para a corrupção grave que há em sua organização. Assim como o Partido, o ELP opera em grande parte acima da lei e negócios ilícitos são comuns entre os oficiais chineses.
Recentes esforços anticorrupção dos atuais líderes do regime chinês ter punido milhares de militares por seus vícios. O oficial superior mais proeminente a cair sob essa investigação é Xu Caihou, ex-vice-presidente da Comissão Militar Central e diretor do Departamento de Política Geral.
Apesar da posição de destaque que ele ocupou desde o início da década de 2000, Xu nunca comandou uma unidade militar específica. Ele passou toda a sua carreira no Departamento Político Geral. Entre as acusações levantadas contra ele, está a de ter aceitado subornos em troca de favorecer promoções. Durante a investigação, descobriram que esse general possuía enorme quantidade de dinheiro vivo e pedras preciosas.