Introdução
A armadilha da renda média ocorre quando um país emergente entra em um período de estagnação após ele ter completado a sua “decolagem” e ter superado a armadilha da pobreza e a armadilha malthusiana. Tendo chegado ao nível da renda média, a trajetória do crescimento econômico efetuada durante a decolagem deixa de ser sustentável.
Durante a fase da decolagem, a mão-de-obra barata alimenta uma rápida expansão econômica em decorrência da migração que ocorre das áreas rurais para as cidades industriais. Nesta fase, a economia cresce pela migração, pela aglomeração e pela acumulação de capital. As taxas de crescimento econômico são altas porque a mão-de-obra é abundante e barata, e a acumulação de capital ainda gera altos retornos.
As taxas de crescimento começam cair quando a mão-de-obra se torna menos abundante e o retorno marginal do capital se torna marginalmente menor.
O Brasil representa um caso em que a entrada na armadilha da renda média resultou em políticas erradas que pioraram a situação.
O conceito da armadilha da renda média
Como dito, o termo “armadilha da renda média” denota a situação de uma economia emergente quando ela entra em um nível de renda média e não mais sai dele. Atualmente, o Banco Mundial define a faixa entre US$1.036 e US$4.085 per capita como “baixa renda média” e entre US$4.086 e US$12.615 como “alta renda média”.
De acordo com o tipo do cálculo do Banco Mundial, o Brasil chega bem perto do limite da categoria dos países de alta renda, mas ainda está na faixa da renda média alta.
Estar preso na faixa da renda média significa que o país é incapaz de prosseguir o seu caminho de crescimento, aquele que ele vinha mantendo durante a fase da decolagem. Em vez de manter um crescimento moderado, o país cai em uma fase de crescimento fraco, como mostra a figura abaixo.
A armadilha da renda média significa que o país não consegue alterar sua estratégia de crescimento, saindo de um modelo acumulativo e imitativo e indo para um modelo de economia competitiva, empresarial e inovadora.
Imitar as economias pioneiras gera altos retornos somente quando a distância entre a economia emergente e os países avançados é grande. Quando a distância diminui, a imitação torna-se mais difícil e mais arriscada. O futuro é desconhecido e exige experimentação para se descobrir qual tecnologia irá funcionar. Esta trajetória envolve um constante processo de tentativa e erro, o qual requer habilidades muito mais sofisticadas do que a mera imitação de tecnologias maduras.
Quanto mais a economia emergente avança e se aproxima do grupo das economias pioneiras, mais este país em desenvolvimento deve se engajar em uma busca ativa pela próxima tecnologia. No entanto, dado que os governos dos países emergentes sempre tendem a manter suas intervenções sobre a economia, a transição para uma economia competitiva e moderna encontra uma inflexível resistência da parte do poderoso aparelho de funcionários das empresas estatais e da classe política. Muitas vezes, a decolagem de um país em desenvolvimento vem junto com uma ampliação da atividade estatal. O típico efeito colateral deste crescimento é um agigantamento do setor público, o qual acaba funcionando como uma barreira quando o país alcança a faixa da renda média, impedindo-o de entrar na faixa da alta renda.
Preso na armadilha
Os países emergentes caem na armadilha de renda média porque, em vez de abraçar o capitalismo inovador, acabam ficando presos a um sistema econômico estatista e arcaico. Não é raro que a velha elite passe a explorar o medo da população em relação à “tempestade perene da destruição criativa” (Schumpeter) do capitalismo dinâmico.
Porém, ao renunciar à destruição criativa, esta economia em desenvolvimento também acaba por rechaçar a prosperidade, e passa alimentar a ilusão de que é possível enriquecer dentro de um sistema estático. Na realidade, os países em desenvolvimento que permanecem com um capitalismo de estado não apenas não ganham prosperidade, como também perdem a estabilidade quando inevitavelmente descambam no círculo vicioso do declínio econômico, o que faz com que o sistema político comece a oscilar entre o autoritarismo e o populismo. Vide Argentina e Venezuela, por exemplo.
O desenvolvimento econômico é uma corrida de maratona com obstáculos. O primeiro obstáculo consiste em saber superar a barreira que surge quando a baixa renda passa a limitar a poupança e os investimentos, e consequentemente a acumulação de capital. O segundo grande obstáculo é a armadilha malthusiana, que ocorre quando a população aumenta, mas a renda per capita não sobe. Foi a Revolução Industrial quem quebrou este padrão da estagnação. Parte do mundo saiu da armadilha da pobreza. Com o avanço da Revolução Industrial a taxa de reprodução diminuiu ao passo que a produtividade econômica aumentou. A armadilha malthusiana desapareceu com a transição demográfica e pavimentou o caminho para um grande aumento dos níveis de renda.
Um pequeno grupo de países pioneiros liderou este permanente processo de inovação. Sucessivas revoluções industriais durante os últimos dois séculos levaram a ganhos cada vez maiores de produtividade.
No entanto, enquanto um grupo de economias prosperou, muitas outras ficaram para trás. Mesmo hoje, ainda há uma multidão de países presos na armadilha da pobreza e na armadilha malthusiana. Um outro grupo de países que conseguiu obter a decolagem e superar a armadilha malthusiana — como o Brasil — se encontra preso na armadilha de renda média. Apenas alguns países conseguiram realizar a façanha de alcançar os pioneiros e se tornar membros do clube dos países de alta renda.
O caso do Brasil
Quando o crescimento econômico baseado na acumulação de capital e na imitação tecnológica terminou, o Brasil ainda não havia adquirido a capacidade de competir com os países de alta renda em termos de tecnologia, produtividade e habilidades. Nesta fase, o Brasil não mudou a sua estratégia de crescimento. Em vez de promover uma economia empreendedorial de inovação, o Brasil implantou uma política de forte protecionismo. Como consequência, o país experimentou fases de crescimento artificial que se degeneraram em recessões e altas taxas de inflação. Na maioria das vezes, o Brasil pagou o preço de seu crescimento artificial com longos períodos de estagflação.
Após um crescimento moderado na década de 1990 — consequência inevitável de seus fortes e necessários ajustes econômicos —, e um crescimento mais robusto na década de 2000, o Brasil pós-2010 adentrou uma nova fase de debilidade econômica. Em vez de pular para frente, a economia brasileira recuou. Desde o começo dos anos 1990, a média da taxa de crescimento econômico do Brasil é de apenas 3%, o que significa que o país já se encontra novamente, e há um bom tempo, em uma armadilha da renda média.
Para conseguir alcançar as economias avançadas, o Brasil precisaria apresentar uma taxa média de crescimento do PIB per capita de 4,2% durante os próximos 50 anos. Só assim será possível alcançar o nível médio dos países de alta renda da OCDE. Igualmente, seria necessária uma taxa de crescimento econômico per capita de 4,7% para se chegar no nível da renda dos Estados Unidos.
Entre as economias emergentes, apenas a China consegue apresentar uma taxa de crescimento per capita suficiente para alcançar os níveis dos países ricos. O Brasil, com uma taxa de 1% durante o período de 1980 até 2011, está bem fora desta expectativa. A China, no entanto, ainda está na fase de decolagem, e dificilmente conseguirá manter suas atuais altas taxas de crescimento econômico. Não se deve excluir a possibilidade de que a China também caia na armadilha da renda média, como já ocorreu com outros países emergentes na Ásia. Desta forma, no futuro, ao ter sua taxa de crescimento econômico reduzida, a China inevitavelmente irá reduzir sua contribuição para o crescimento econômico do Brasil.
Para sair da armadilha da renda média, o Brasil teria de fazer uma grande transformação em sua economia, deixando de ser uma economia acumulativa e imitadora e se tornando uma economia inovadora. Para sair da armadilha da renda média, o Brasil teria de fazer uma mudança fundamental em sua estratégia econômica. Em vez de uma transformação de cima para baixo, a economia precisa florescer de baixo para cima. Esta mudança requer a liberalização dos entraves regulatórios e burocráticos que hoje incidem sobre o setor empreendedor. Redução da carga tributária e eliminação do pesadelo burocrático são imprescindíveis. O setor estatal deve abandonar seu intervencionismo ad hoc, o qual cria incertezas, em prol de uma política que se limite a oferecer segurança jurídica e institucional, e que facilite o empreendedorismo.
Porém, não apenas hoje, mas já por décadas, o Brasil pratica uma política macroeconômica errada para lidar com a armadilha da renda média. Em vez de liberar a economia, o estado cria cada vez mais controles e regulamentações. Em vez de promover uma economia empreendedorial, o Brasil se dedica a fortalecer ainda mais seu sistema de capitalismo de estado. Em vez de abandonar as políticas macroeconômicas de cunho dirigista, o país intensifica seu intervencionismo já extremado.
Adotar políticas fiscais e monetárias expansionistas na tentativa de sair da armadilha da renda média apenas agrava a situação. Falando em termos de teoria do crescimento econômico, ambas estas políticas levam a economia a um desequilíbrio entre poupança, investimentos, gastos e taxa de câmbio. Uma atividade econômica que exceda este ponto de “crescimento equilibrado” é insustentável. Sem o progresso tecnológico para compensar este hiato, a economia recua. Ainda pior será a situação se o governo apresentar déficits orçamentais, os quais geram uma redução da taxa nacional de poupança. Neste caso, em consequência de um crescimento artificial gerado pelos estímulos monetários e fiscais, a economia cairá abaixo de seu nível anterior de renda.
O grande erro desta política econômica está em confundir as consequências do crescimento econômico com suas causas. A política macroeconômica que o Brasil adotou para lidar com a armadilha da renda média sofre do mesmo erro que Mises já havia denunciado ao recorrer à alegoria do mestre de obras que tenta construir uma casa em um tamanho que excede a real quantidade de insumos ao seu dispor. Este erro de cálculo não apenas faz com que a construção da casa não seja concluída, como também faz com que a casa nem sequer possa ficar de um tamanho menor do que aquele originalmente projetado.
Conclusão
Países de renda média, após superarem a armadilha da pobreza e a armadilha malthusiana, enfrentam o esgotamento da mão-de-obra barata. Um país emergente cai na armadilha da renda média quando, simultaneamente, perde sua capacidade de competir com os países de baixa renda em termos de preços e, ao mesmo tempo, ainda não possui a capacidade de competir com os países de alta renda em termos de tecnologia. A continuidade da ingerência do estado na economia faz com que estes países caiam no regresso.
Tentar sair da armadilha recorrendo a políticas de estímulo monetário e fiscal não apenas não funciona, como na realidade pavimenta o caminho para o endividamento público, e gera ainda mais debilidade econômica no longo prazo. O caso do Brasil e seus famosos “vôos de galinha” mostra como o país sofre de recorrentes ciclos de expansão econômica artificial seguida de contração.
Para continuar a crescer, o país tem de ter progresso tecnológico. No entanto, se o país recorre a déficits orçamentários e a inflações monetárias, a tragédia econômica está programada. Para obter maiores níveis de produtividade, o Brasil teria de abandonar o atual sistema de capitalismo de estado, o qual foi escolhido como o caminho para a decolagem. Para sair da armadilha da renda média, o Brasil tem de abrir sua economia para o capitalismo empreendedorial da destruição criativa.
Antony Mueller é doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha (FAU) e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde ele atua também no Centro de Economia Aplicada. Antony Mueller é fundador do The Continental Economics Institute (CEI) e mantém em português os blogs Economia Nova e Sociologia econômica.
Esse artigo foi originalmente publicado pelo Instituto Ludwig von Mises – Brasil