Argentina: crise financeira paralisa Forças Armadas

14/08/2014 12:43 Atualizado: 14/08/2014 12:43

A equação em estudo por círculos financeiros internacionais para por fim à pendência do governo da Argentina com fundos especulativos (“abutres”, segundo os argentinos) baseados nos Estados Unidos – a compra do crédito dos especuladores (cerca de 1,3 bilhão de dólares) por um pool de instituições financeiras europeias – terá, caso seja implementada, duas consequências imediatas:

1 – permitirá que 93% dos credores minoritários da Argentina recebam os 539 milhões de dólares já disponibilizados por Buenos Aires no BNY Mellon (The Bank of New York Mellon Bank), de Nova York, e,

2 – criará um novo endividamento milionário para a nação platina – algo em torno de 2 bilhões de dólares, cifra que resume o valor original devido aos especuladores mais os encargos decorrentes da aquisição do crédito.

Diante dessa circunstância e com um nível de reservas baixíssimo – no patamar dos 29 bilhões de dólares (o do Brasil está perto dos 400 bilhões) – a Administração Kirchner parece manietada, incapaz de garantir o mínimo de verbas necessário ao funcionamento da máquina governamental.

No fim do primeiro semestre, o Ministério da Economia liberou 199 bilhões de pesos – o equivalente a 24 bilhões de dólares – para atender compromissos assumidos pela companhia petrolífera YPF e outras empresas estatais, e por nada menos do que oito ministérios: Interior e Transportes, Planejamento Federal, Desenvolvimento Social, Trabalho, Saúde, Agricultura, Turismo e a própria Pasta da Economia.

O Ministério da Defesa, que solicitava com urgência 6,1 bilhões de pesos – ou 737,46 milhões de dólares (1,68 bilhão de Reais) – ficou de fora desse grupo de repartições beneficiadas. Agora a presidente Kirchner promete liberar o dinheiro dos militares na próxima quarta-feira, 20 de agosto.

A rotina das tarefas inerentes à Segurança Nacional está fortemente abalada. Na semana passada a Defesa precisou suplicar à YPF que ela liberasse alguns milhares de litros de combustível para que a Força Aérea Argentina (FAA) pudesse realizar, no domingo 10, o tradicional desfile aéreo de aniversário da corporação (102 anos). Em 31 de julho último a companhia havia comunicado aos brigadeiros a interrupção no fornecimento de aeronafta (gasolina de aviação), em razão de um acúmulo de débitos cuja quitação os aviadores não conseguiam nem mesmo prever (!) quando poderia ser feita. (Nota: as festividades Argentina Vuela – 08-10 Agosto levou cerca de 1 milhão de pessoas à Base Aérea de Morón, cercanias de Buenos Aires- ver fotos)

Nesse momento, há um rosário de tarefas do aparato de Defesa que estão sendo precariamente atendidas (ou, simplesmente, pararam de ser atendidas) em função dos cortes de suprimentos causados por diferentes registros de inadimplência no âmbito das Forças Armadas.

Encontram-se afetados:

a – o treinamento dos pilotos militares;
b – o patrulhamento aéreo previsto pelo Plan Escudo del Norte (Plano Escudo do Norte), de combate aos aviões que sustentam o narcotráfico nos céus da fronteira setentrional do país;
c – o sobrevoo das águas jurisdicionais argentinas do Atlântico Sul para o controle da pesca;
d – o fornecimento de combustível e lubrificantes aos navios da Flota de Mar (esquadra);
e – o repasse de verbas indispensáveis ao funcionamento da Fábrica de Aviões Brigadeiro San Martín, em Córdoba;
f – os voos da Força Aérea em apoio a destacamentos sediados no Haiti e na Antártida, e,
g – as ligações aéreas, a cargo da LADE (empresa dependente do Ministério da Defesa), em áreas remotas da Patagônia.

Entre as atividades reduzidas a um mínimo pela indústria aeronáutica argentina está a produção dos jatos Pampa, a modernização dos bimotores Pucará, de ataque ao solo, e dos transportes C-130 Hércules.

A Resolução nº 230 do Ministério da Defesa, que previa para o início de junho deste ano a entrada em operação do Comando Subordinado Aeroespacial, dependente do Estado-Maior Conjunto – o COMDABRA deles –, até hoje não surtiu efeito algum. Por falta de recursos, claro.

Dos planos de investimento que, em 2013, pareciam ter chances mínimas de concretização – como a renovação da aviação de caça da FAA –, pouco (quase nada) se ouve falar.

No início de 2014, diante da recusa dos chefes da Força Aérea em aceitar caças Mirage F-1 espanhóis (que, por pressão da Inglaterra, lhes seriam transferidos sem vários equipamentos padrão OTAN), e em face do esfriamento da negociação para a importação de caças-bombardeiros Kfir modernizados (Block 2), a corporação voltou a se concentrar na obtenção de 48 jatos Mirage 2000 – que Buenos Aires espera (sonha?), sejam entregues até o ano de 2020.

Ano passado, enquanto a imprensa sensacionalista britânica alardeava a existência (nunca confirmada pela Casa Rosada) de um plano secreto argentino de investir 5 bilhões de dólares na modernização de seu parque militar, o Ministério da Defesa confirmou para os comandantes do Exército, da Marinha e da Força Aérea, a possibilidade de um investimento emergencial da ordem de 1,25 bilhão de dólares, que seriam aplicados em mais de 30 diferentes programas. Mas também sobre esse planejamento parece ter descido um manto de silêncio.

A Pasta da Defesa havia acolhido ponderações dos militares que, além de aeronaves de combate para a FAA, solicitavam a renovação das viaturas blindadas do Exército e a aquisição de ao menos um navio importante: um transporte de fuzileiros navais (possivelmente um navio-doca) destinado ao assalto anfíbio.

Os demais itens desse conjunto de investimentos de emergência tratavam, em sua maioria, de projetos de modernização: dos carros de combate médios TAM (Tanque Argentino Mediano) e dos jatos de treinamento e ataque leve ao solo IA-63 (tecnologia européia dos anos de 1970), dos helicópteros Sikorsky da Marinha (tecnologia americana dos anos de 1960) e dos destróieres e corvetas que constituem a espinha dorsal da frota de superfície platina (tecnologia alemã da década de 1980).

A remodelação do TAM ficou no protótipo TAM 2C. O Exército argentino chegou a um carro-conceito que permanecerá em testes enquanto não se encontra uma janela de recursos que viabilize o projeto. O programa do A-63 Pampa evoluiu para uma versão conhecida como Pampa II e já prevê a fabricação do Pampa III, mas sua execução pela fábrica de Córdoba é lentíssima. Do modelo II foram produzidas poucas unidades; a versão III vem servindo mais ao marketing da indústria aeronáutica argentina, do que, efetivamente, para o reaparelhamento da Força Aérea.

A modernização dos velhos helicópteros SH-3 Sikorsky está em curso. Ela não representa uma ampliação significativa das capacidades de atuação pelo ar da esquadra, mas, tão somente, a oportunidade de tornar mais segura a operação de um equipamento obsoleto já existente na Força Naval – impossibilitada, nesse momento, de ser dotada de uma aviação de asas rotativas de última geração.

Entre os problemas da Marinha argentina que requerem solução a curtíssimo prazo, os helicópteros são, contudo, os de resolução mais fácil e rápida. Bem mais difícil é a reativação do esquadrão de caça-bombardeiros do Comando da Aviação Naval, que depende da liberação, pela Marine Nationale da França, de jatos Super Etendard – desde que o governo de Londres (sempre preocupado com o potencial de ameaça militar dos argentinos às Ilhas Malvinas) não se oponha a essa transferência, naturalmente.

DefesaNet

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