Apropriação de terras na África introduz nova forma de colonialismo – Parte 2

26/03/2012 03:00 Atualizado: 05/09/2013 23:33
Apropriação de terras na África introduz nova forma de colonialismo (Diana Hubert/Epoch Times)
Apropriação de terras na África introduz nova forma de colonialismo (Diana Hubert/Epoch Times)

Assim como no século 19, quando potências coloniais europeias expropriaram os ricos recursos minerais da África, empurrando o povo local para terras marginais, os governos estrangeiros e empresas ricas estão demarcando grandes lotes de terra arável em todo o quente continente numa forma de segunda colonização.

“Não vejo como a apropriação de terras seja diferente do petróleo, diamantes, etc. A população local vai perder sua terra e sua fonte de alimento”, escreveu John Ashworth, assessor do Fórum Ecumênico do Sudão, via e-mail.

Diante de um futuro em que os próprios recursos não serão capazes de sustentar suas populações, os investidores de países como China, Arábia Saudita, Índia, Coréia do Sul e Qatar estão à procura de terras em outros lugares para estabelecer plantações de arroz e outros alimentos básicos nos países africanos como a Etiópia, Sudão, Tanzânia, Quênia e Mali.

Os arrendamentos são geralmente de longo prazo e incluem isenções fiscais, com poucas garantias de trabalho, ambientais e sociais. O terreno é normalmente anunciado como sendo vazio, e pouca consideração é dada ao impacto sobre a segurança alimentar dos pequenos agricultores residentes expulsos por investidores estrangeiros.

Há uma percepção crescente na África, de que começou uma nova era do colonialismo.

“É um novo colonialismo, que é como a disputa pela África no século 19, em que os nossos recursos foram explorados para o desenvolvimento do mundo ocidental”, diz Makambo Lotorobo, oficial de campo dos Amigos do Lago Turkana, uma organização de base ambiental no Quênia.

“Atualmente, como os preços mundiais dos alimentos subindo dia-a-dia, a África vai acabar pagando mais pela comida que é cultivada em sua própria terra”, escreveu Lotorobo por e-mail.

Gurtong Trust de Juba, no sul do Sudão, correspondente de Waakhe Simon Wudu, compartilha uma opinião similar.

“Eu também considero isso como um novo colonialismo. No sul do Sudão, eu tenho medo que os árabes e outros investidores estrangeiros irão, com o tempo, controlar totalmente a economia e fazer nosso governo depender deles”, escreveu Wudu, num e-mail.

O jornalista disse que, apesar da incorporação de alguns sudaneses do sul em empresas estrangeiras, como as empresas chinesas do petróleo, a maioria dos trabalhadores não são locais, mas os estrangeiros qualificados. Além disso, os árabes têm investido na maioria das áreas-chave da economia, como o petróleo. Então, quando houve escassez de combustível, o governo foi incapaz de intervir, e, em seguida, as empresas estrangeiras decidiram aumentar o preço dos combustíveis.

De acordo com Wudu, uma das razões para a situação atual é a imaturidade dos governos da África.

“Minha análise pessoal é que os governos africanos em desenvolvendo são aqueles em que a maioria dos políticos está faminta tanto por poder como por dinheiro. Isto os deixa com controle limitado sobre os investidores estrangeiros. Eles sempre são facilmente subornados com grandes somas de dinheiro”, acrescentou Wudu.

De acordo com um relatório do Instituto Internacional para o Meio-Ambiente e o Desenvolvimento (IIED) britânico, muito pouco se sabe sobre os termos exatos desses negócios da terra. As negociações geralmente acontecem a portas fechadas, e só raramente os proprietários de terra locais podem se pronunciar nas negociações. Muitas vezes, o contexto legal oferece pouco para salvaguardar os interesses locais e as consequências ambientais. Poucos contratos são disponibilizados ao público.

“Quando árabes sauditas ou chineses vêm para a África, eles não têm noção do que está acontecendo aqui. Eles só olham para o resultado final, ou seja, baixar os preços dos alimentos em seus próprios países”, disse Danielle Nierenberg, diretora do projeto Nutrir o Planeta do Instituto Worldwatch, numa entrevista por telefone.

“O que vi na África foi um monte de produtos químicos e fertilizantes baratos provenientes da China sendo utilizados. Quando os agricultores africanos vão usá-los, eles não podem ler os rótulos chineses e utilizam de forma indevida ou fazem uso excessivo deles. Isso vai continuar, porque, quando essas empresas vêm para a África, eles não têm interesse em longo prazo no meio ambiente e na saúde dos africanos.”

Nierenberg acrescenta que exatamente a falta de investimentos por parte dos governos africanos em suas próprias economias agrícolas levou ao que vemos hoje; os investidores em alguns casos são convidados a entrar. Em toda a África, há apenas sete nações africanas que investem 10% dos seus orçamentos nacionais na agricultura, diz Nierenberg. Entretanto, esses mesmos governos estão felizes em ter estrangeiros investindo na terra.

“Porque os governos querem evoluir a economia e desenvolver o produto interno bruto, eles são muito míopes quando se trata de consequências em longo prazo, incluindo a segurança alimentar, a vitalidade econômica e a situação dos agricultores”, disse Nierenberg.

Joe Guinan, diretor do TransFarm do Instituto Aspen, pensa que na atual situação é inevitável que entidades estrangeiras olhem para a África.

“Se países africanos e doadores não desenvolverem o potencial agrícola da África, fica claro que, devido ao aumento da pressão global pela demanda de comida, investidores estrangeiros irão”, escreveu Guinan por e-mail.

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Henzanani Merakini (sentada), de 26 anos, na região das Florestas de Dakatcha, distrito de Malindi, no Quênia, vive a cerca de 100 metros de uma plantação piloto, e sente-se sob constante ameaça de despejo da terra onde seus antepassados estão enterrados (Cortesia da ActionAid)
Henzanani Merakini (sentada), de 26 anos, na região das Florestas de Dakatcha, distrito de Malindi, no Quênia, vive a cerca de 100 metros de uma plantação piloto, e sente-se sob constante ameaça de despejo da terra onde seus antepassados estão enterrados (Cortesia da ActionAid)

Culpando as vítimas

Harwood D. Schaffer, professor assistente de pesquisa do Instituto de Agricultura da Universidade do Tennessee, diz que é injusto culpar os africanos, as vítimas da apropriação de terras, por sua situação.

“Quando chegamos e vemos como os africanos plantam, nós os culpamos por suas pobres práticas de agricultura. Mas é estranho culpar os africanos quando alguém veio, tomou sua terra e a tornou indisponível para a vasta população; isso é culpar as vítimas”, disse Schaffer, numa entrevista por telefone.

“Quando as pessoas falam sobre investimento na agricultura, sempre o fazem a partir de uma perspectiva ocidental, que nesse caso significa colocar dinheiro na pesquisa de culturas e tornar a terra disponível para o plantio. Para os camponeses, o investimento que fazem é invisível para nós, porque é seu trabalho”, acrescentou Schaffer.

No entanto, investimentos ao estilo ocidental em larga escala em terrenos na África também não são garantia de sucesso. Já houve alguns exemplos de projetos que deixaram a terra degradada. O Projeto Sistema Gezira no Sudão é um deles. Cerca de 2,5 milhões de hectares foram dados a investidores em 1970, mas a terra não era adequada para a produção mecanizada, e muito dessa terra já foi destruída.

“Então, já temos exemplos de tais investimentos de 20-30 anos atrás, que não funcionam bem”, disse Michael Taylor, gerente do programa Policiamento da Terra e Região Africana, em entrevista por telefone de Roma.

Recentemente, a Corporação de Finanças Internacional (IFC), departamento do setor privado do Banco Mundial, anunciou o Investimento Agrícola Responsável (RAI), uma iniciativa com o objetivo de “repartir melhor os benefícios e balancear oportunidades com riscos nos principais programas de investimento”, assegurando que os direitos dos usuários da terra existentes sejam respeitados.

Mas alguns observadores não acham que o Banco Mundial esteja trabalhando pelo melhor interesse dos africanos.

Um relatório do Instituto Oakland, publicado no início de setembro de 2011, diz que o Banco Mundial tem facilitado mudanças priorizando o agronegócio em grande escala na África.

Uma maneira como isso tem sido feito, de acordo com o relatório, é que o IFC “tem trabalhado, muitas vezes nos bastidores, para garantir que os países africanos reformem suas leis de terras e regimes fiscais para torná-los mais atraentes a investidores estrangeiros”.

No Chifre da África, que está enfrentando fome generalizada e sua pior seca em 60 anos, o que está em jogo não é apenas o controle sobre suas terras, mas o acesso ao bem mais precioso de todos, sem o qual a terra é de pouco uso, a água.

“Só recentemente o discurso internacional sobre este assunto começou a enfatizar que essas ocupações de terras são também apropriação da água, porque é claro que sem água não há agricultura. Então, quanto mais água é retirada do Rio Nilo para irrigar estes projetos, à medida que o rio faz o seu caminho da Etiópia e do Sudão para o Mar Mediterrâneo, menos é deixado para os que vivem rio abaixo”, alertou J. Matthew Roney, pesquisador associado do Instituto de Políticas da Terra, num e-mail.