Depois de passar a perna em investidores, empresa chinesa diz: “Nos vemos no tribunal!”

01/02/2012 16:25 Atualizado: 05/09/2013 21:04
A SkyPeople Fruit Juice, uma típica empresa chinesa de fusão reversa, tem uma estrutura corporativa complexa (SkyPeople Fruit Juice)
A SkyPeople Fruit Juice, uma típica empresa chinesa de fusão reversa, tem uma estrutura corporativa complexa (SkyPeople Fruit Juice)

Quando uma empresa está encurralada com alegações de fraude e o preço de suas ações despencam, ela pode admitir a derrota ou lutar até o amargo fim. Em junho do ano passado, a SkyPeople Fruit Juice escolheu a segunda opção. Apesar de suas ações terem se recuperado em 20%, o fundo de garantia que a resgatou tem uma batalha jurídica complexa em suas mãos e, durante o processo, todos aprenderam uma ou duas coisas sobre como os negócios são feitos na China.

A SkyPeople diz que está no negócio de produção e venda de sucos de frutas concentrados, bebidas de frutas e outros produtos de polpa.

Sua estrutura organizacional é um pouco complicada. A Sky People Fruit Juice Inc. é uma companhia constituída em conformidade com as leis da Flórida, EUA. Ela tem duas filiais: o Pacific Industry Holding Group Co. Ltd., uma empresa constituída na República de Vanuatu, uma pequena ilha perto da Austrália; e a Harmony MN Inc., registrada em Delaware, EUA. O Pacific Industry Group Holding é dono da atual empresa encarregada de fazer suco e produtos concentrados: a SkyPeople Juice Group Co. Ltd., que é organizada segundo as leis da República Popular da China e tem três filiais.

As finanças da SkyPeople indicam que ela tem feito negócios crescentes há vários anos e, com o atual ritmo de crescimento, dentro de uma década, ela se tornaria uma das maiores companhias de seu setor.

No entanto, um relatório sobre a companhia, feito por Kevin Barnes da empresa Absaroka Capital Management, colocou tudo isso em questão. Seu relatório, intitulado “Pulp Fiction”, publicado em 1º de junho do ano passado, retratou um quadro preocupante: visitas às instalações da empresa revelaram fábricas ociosas, equipamentos antigos e cheiro de frutas em decomposição; revelaram também que a empresa não possui (como havia alegado) a maior plantação de Kiwi da Ásia; que seus produtos dificilmente podem ser encontrados nas prateleiras; e que as margens fabulosas, a renovação do estoque, as contas a receber e outros valores financeiros indicam “possíveis travessuras de contabilidade”.

Barnes afirmava que a empresa valia menos de 10% do que alegou valer em seus documentos financeiros arquivados na Comissão de Seguros e Câmbio dos EUA.

A resposta da SkyPeople foi rápida. Em 10 de junho, nove dias após a publicação do “Pulp Fiction”, Barnes recebeu uma afiada “carta de exigência” do poderoso advogado Neal Marder. A carta vinha com uma declaração juramentada para que Barnes assinasse alegando retrair o relatório e uma cópia de uma ação judicial que Marder ameaçava apresentar caso Barnes não recuasse.

Se Barnes assinasse o depoimento, ele estaria dizendo que seu relatório era falso, o que prejudicaria sua carreira. Em vez disso, ele contratou seu próprio conselho jurídico, a advogada Arlene Fickler da Schnader Harrison Segal & Lewis da Filadélfia. No dia 8 de julho, os advogados da SkyPeople processaram Barnes no Tribunal Distrital de Wyoming nos EUA. Barnes foi acusado de cometer difamação e era processado por danos morais. Marder sustentava a grave alegação de que Barnes tinha simplesmente inventado as informações.

A trama se complicou no curso da batalha legislativa, após Barnes contratar uma comissão de advogados da China. De acordo com depoimentos apresentados ao tribunal pelos advogados chineses, eles descobriram que o balanço e a declaração de renda de 2009 da SkyPeople tinham sido removidos de seus registros pertencentes à Administração Estatal de Indústria e Comércio (SAIC), órgão regulador ao qual todas as empresas da China são obrigadas a apresentar suas declarações financeiras.

Isso não teve importância no caso de Barnes, pois ele já tinha os arquivos em suas mãos – ele os utilizou em seu relatório original – e, além destes, outros arquivos da SkyPeople pertencentes ao SAIC, que se referiam aos mesmos dados citados acima e nos quais suas alegações de fraude se baseavam.

No entanto, o sumiço dos arquivos que estavam lá apenas alguns meses atrás era apenas um dos problemas que a equipe de Barnes encontrou. Seus investigadores na China também começaram a ser perseguidos.

De acordo com registros do tribunal, depois que o advogado Zhao Junwen, cujos serviços foram contratados pelo escritório Akin Gump Strauss Hauer & Feld, foi procurar os arquivos de negócios da SkyPeople e de uma de suas filias chinesas, ele foi informado que foram enviados a outro lugar para serem copiados eletronicamente. Após sair do ofício do governo, ele recebeu uma ligação telefônica perguntando por que estava investigando essas empresas. Sete dias depois, ele recebeu outro telefonema. O homem do outro lado, que não quis se identificar, avisou-o que parasse sua investigação sobre a empresa, “caso contrário ele viria duramente para cima de mim”, disse Zhao num depoimento apresentado ao tribunal.

De acordo com Roddy Boyd, a primeira jornalista financeira que relatou o caso, os investidores começaram a sacar dinheiro do fundo de Barnes devido ao litígio. O advogado contratado pela SkyPeople, Neal Marder (que cobra quase mil dólares por hora, segundo Boyd, mas que Marder disse ‘esse valor não é exato’ quando foi contatado por telefone), tinha, segundo Boyd, sugerido aos advogados de Barnes que abandonasse o caso por 50 milhões de dólares. Marder não confirmou nem negou esse número, disse apenas que seria “totalmente inadequado” fazer comentários sobre um acordo que poderia ser negociado.

Barnes continuará a batalha. A Absaroka Capital Management negou qualquer comentário devido ao fato de o processo litigioso estar em andamento. A advogada de Barnes, Arlene Finkler, não pôde ser encontrada.

Boyd afirma que a empresa de Marder, a Winston & Strawn, tem feito de tudo para defender a SkyPeople. A empresa não quis dizer o quanto estava ganhando para defender o caso. A advogada chinesa da empresa, Laura Luo, contratada para trabalhar no caso, era uma consultora jurídica da corporação internacional RINO, que por sua vez foi retirada das negociações em bolsas de valores após vendedores a descoberto alegarem ser uma fraude enorme.

Enquanto tudo isso prossegue, a SkyPeople Fruit Juice luta contra outras duas acusações. De acordo com um artigo da Bloomberg, a empresa descumpriu promessas feitas a investidores domésticos chineses de lhes pagar retornos consideráveis uma vez que estivesse listada na Nasdaq. Além disso, um grupo de acionistas nos EUA iniciou em novembro de 2011 uma ação judicial coletiva contra a SkyPeople por violações das leis de títulos federais.

Os investidores provavelmente não terão muita chance de recuperar seu dinheiro. Eles compraram ações de uma companhia de participações na Flórida, cujos ativos estão concentrados na República de Vanuatu e numa empresa em Delaware, EUA. Os principais ativos da empresa (que, segundo o relatório Barnes, não valem muita coisa) pertencem à empresa de Vanuatu e estão localizados na China, fora do alcance das leis dos EUA. O prospecto da empresa diz, “Devido ao fato de que nossos principais ativos estão localizados fora dos Estados Unidos, pode ser difícil para os investidores usarem as leis de títulos dos EUA para fazerem valer seus direitos contra nós.”