A morte violenta de uma mulher num restaurante do McDonald’s no Leste da China criou recentemente uma série de palhaçadas que dificilmente ocorreriam em outro país.
Vídeos de um homem, com cinco companheiros, espancando uma jovem até a morte usando a alça de metal de um esfregão se tornaram virais na China na semana passada. O incidente ocorreu em 28 de maio, na cidade de Zhaoyuan, província de Shandong.
Os assassinos foram rapidamente identificados pelas autoridades como seis seguidores de uma seita religiosa, chamada ‘Igreja do Deus Todo-Poderoso’, que é perseguida pelo governo. O foco da mídia, e também do governo, rapidamente concentrou-se no grupo e ao longo da semana seguinte converteu-se numa típica campanha de massa coordenada pelas autoridades.
“Combater os cultos é uma questão urgente”, disse na terça-feira uma manchete no Global Times, um jornal do Partido Comunista. Em particular, uma “lista de cultos” de 14 grupos oficialmente identificados e rotulados como tal foi publicada na mídia chinesa, gerando uma discussão acalorada.
Efeito bumerangue
Mas quando os internautas chineses começaram a analisar o próprio Partido Comunista Chinês como um exemplo de culto, a resposta oficial foi muito mais fria.
Internautas chineses fizeram um gráfico intitulado “Como identificar uma seita”. Entre as características havia: “Cultos são altamente exclusivos e propagandeiam sua grandiosidade”; “Cultos são coercitivos e usam técnicas de controle da mente nos outros.” Cultos também prosperam “numa rede de relações pessoais para proteção dos próprios interesses”.
Blogueiros rapidamente começaram a fazer piadas sobre como todas essas características se aplicam ao próprio Partido Comunista. “Estamos presos sob o regime de um culto!”, escreveu um internauta. Outro disse: “A definição de culto descreve exatamente o Partido Comunista.” Todas essas mensagens foram rapidamente censuradas e excluídas de websites chineses de mídia social.
Zhao Mu, um editor de blog para a empresa de internet chinesa Sohu, foi preso pela polícia em 5 de junho por suspeita de ter postado uma fotografia adulterada relacionando o revolucionário comunista Mao Tsé-tung com a Igreja do Deus Todo-Poderoso, implicada no assassinato do McDonald’s.
A fotografia retratava uma cena clássica da Revolução Cultural, quando crianças cantavam louvores ao presidente Mao numa sala de aula. A escrita acima do quadro negro – que era comumente encontrada junto com o retrato de Mao nas salas de aula de toda a China durante a década de 1960 – dizia: “Mao Tsé-tung é o Deus Todo-Poderoso em nossos corações.” O termo para “Deus Todo-Poderoso” é constituído dos mesmos três caracteres chineses usados pelo grupo visado pelas autoridades.
Quem saberia dizer?
Além do escárnio direto que as autoridades receberam, peritos legais e advogados dos direitos civis também questionaram as bases da definição oficial do que seria um “culto”, especialmente quando acompanhada da repressão brutal do Estado chinês.
Heng He, um analista político da emissora NTDTV e do Epoch Times, disse que nenhuma das organizações oficiais (incluindo o Ministério da Segurança Pública) que identificaram os grupos como cultos são órgãos legislativos e, por isso, não tem competência para definir o que sejam cultos num sentido legal ou proibir qualquer grupo.
“Como eles poderiam ter o direito de banir esses grupos como cultos?”, questionou Heng Ele numa entrevista por telefone. “Não há lei na China que proíba qualquer grupo religioso específico”, acrescentou ele.
O Partido Comunista, por sua vez, usa uma colcha de retalhos de medidas extralegais e interpretações judiciais arbitrárias para realizar a supressão de grupos religiosos conforme sua conveniência.
Pelo menos 10 pessoas teriam sido condenadas à prisão nas províncias de Guangdong, Henan e Liaoning pelo estoque e distribuição de livros e DVDs da Igreja de Deus Todo-Poderoso e pela realização de reuniões relacionadas ao grupo. As penas variaram de três a cinco anos.
Zhang Tianliang, um analista político independente que aparece em programas da Voz da América, disse numa entrevista com a NTDTV que a lei deve punir crimes ao invés de pensamentos. “O governo não pode prender alguém só porque ele ou ela acredita numa seita, a não ser que a pessoa cometa um crime… Isto é conhecimento jurídico básico.”
Ausência notável
Enquanto as autoridades continuam sua campanha, reforçada pela lista oficial que rotula 14 cultos, muitos na China ficaram surpreendidos com a ausência de um grupo de destaque: o Falun Gong, uma prática de meditação tradicional que se baseia nos princípios morais de verdade, compaixão e tolerância.
O Falun Gong atingiu o auge da popularidade na China na década de 1990, quando o Partido Comunista iniciou uma ampla e brutal perseguição contra a prática no final da década. Em outubro de 1999, meses após o início da campanha oficial contra o Falun Gong na China, o Partido Comunista e seus órgãos de propaganda começaram a atacar o Falun Gong usando rotulações religiosas negativas de todo o tipo. Os praticantes do Falun Gong são perseguidos até hoje, sofrendo detenção arbitrária, tortura, conversão ideológica forçada e execução extrajudicial. Milhares foram torturados até a morte ou morreram sob custódia das autoridades, segundo o Centro de Informação do Falun Dafa. Investigadores da extração forçada de órgãos de praticantes do Falun Gong na China estimam que dezenas de milhares foram executados por seus órgãos vitais.
As listas usadas para identificar “cultos” existem há muitos anos e o Falun Gong nunca esteve nelas, disse Heng He. Ele disse que isso é porque o Partido Comunista já estava totalmente comprometido em difamar a prática utilizando seus canais de propaganda, de modo que listá-lo como tal era aparentemente um passo adicional desnecessário.