Um antigo ensinamento chinês: saber em quem confiar

02/04/2015 15:44 Atualizado: 02/04/2015 15:44

Os chineses têm este ditado: “Se você duvida de alguém, não o use, mas se usá-lo, não duvide dele”. Poderia ser traduzido num ambiente corporativo como: “Se você não confia em alguém, não o contrate, mas se você contratá-lo, é porque confia nele”.

No mundo empresarial, esse pensamento é mais importante do que nunca. Líderes de sucesso reconhecem que o trabalho criativo e produtivo requer abertura e confiança. No entanto, em alguns ambientes de trabalho, ainda persiste a mentalidade do controle por falta de confiança.

Os líderes da China antiga oferecem alguns insights sobre isso. Episódios da vida do Duque Huan e de seu primeiro-ministro, Guan Zhong, ilustram alguns princípios sobre a confiança.

Guan Zhong foi um renomado líder durante o Período da Primavera e Outono da história chinesa. Foi nomeado primeiro-ministro pelo Duque Huan de Qi em 685 a.C. e, sob seu governo, Qi tornou-se o estado mais poderoso de sua época”.

 

Contrate pelo caráter e pela adequação cultural

Você contrataria alguém que já tentou matá-lo? E quanto a alguém com um currículo com fracassos? Duque Han de Qi fez exatamente isso quando nomeou Guan Zhong como seu primeiro-ministro.

Guan Zhong havia servido um dos reis inimigos do Duque Huan e, sob ordens dele, Guan tentou, sem sucesso, matar o Duque Huan. E não é só isso, como soldado, Guan desertou, e seu histórico como homem de negócios foi medíocre.

No entanto, o Duque Huan, por meio de um de seus principais ministros, Bao Shuya, um antigo amigo de Guan Zhong, aprendeu a ver Guan de modo diferente.

Duque Huan pediu a Bao Shuya para que fosse seu primeiro-ministro, mas Bao recomendou seu amigo Guan Zhong para o cargo. Bao disse: “Guan é melhor do que eu; ele me supera em capacidade de amar as pessoas e nunca abusou do poder. Por ser digno de confiança, ele garante a ordem e mantém o exército unido e leal”.

No entanto, o Duque de Huan ainda se ressentia de Guan, porque ele havia tentado matá-lo, tendo falhado por pouco. No entanto, Bao Shuya disse ao Duque: “Naquela época, Guan servia seu inimigo e, por isso, concebeu um plano para matá-lo por lealdade a ele. Se você puder perdoá-lo e respeitá-lo, ele o servirá com todo o seu talento e lealdade”.

Bao Shuya, que havia trabalhado com Guan desde que ele era jovem, sabia que a principal prioridade de Guan era servir às pessoas com o melhor de si mesmo, independentemente de quem fosse o governante. Ele trabalhava com dedicação para o bem dos outros.

“Se você deseja governar um único estado, eu sou suficientemente bom para isso”, disse Bao Shuya, “mas se você quer trazer união e ordem a toda a China, não há nenhum outro a não ser Guan Zhong”.

Duque Huan entrevistou Guan durante dois dias seguidos. O Duque viu que os problemas que ele via em Guan eram aparentes, pois Guan se guiava por princípios generosos e tinha a mente aberta que ele necessitava em seu governo.

Depois de alçado a primeiro-ministro do Estado de Qi, Guan Zhong governou com princípios taoístas, simples e naturais, melhorando, assim, o caráter moral de toda a nação. Por exemplo, ele promoveu os quatro pilares: decência, justiça, integridade e dignidade, assim, apelando para os aspectos positivos da natureza humana.

Assim como Duque Huan confiou em  Guan Zhong, Guan confiou que o povo era trabalhador e não bombardeou-o com impostos ou controles supérfluos. Apenas deixou que o lado bom e colaborativo das pessoas aflorasse e se manifestasse.

Em poucas décadas, sob a gestão da Guan Zhong, o Estado Qi tornou-se o mais rico da China. Seu exército, que foi implantado apenas para a defesa e para a proteção de aliados contra os agressores, foi sempre bem treinado e bem equipado, e venceu todas as batalhas. Além disso, os intelectuais e professores de toda a China iam ao Estado Qi para estudar e aprender sua escola de pensamento e modo conduzir as coisas.

Por causa do apoio de seu primeiro-ministro, Duque Huan tornou-se conhecido como o Hegemônico. Liderando uma extensa aliança entre os senhores feudais, o Duque trouxe ordem não só para o seu próprio povo como também manteve a paz com os países vizinhos.

Guan Zhong sabia usar o princípio taoísta de que o melhor governo é o que as pessoas quase não sentem. Os princípios que ele usou para governar o Estado Qi se espalharam por toda a China e mais tarde influenciou até mesmo os ensinamentos de Confúcio.

Amizade real, impessoalidade na relação

Os anos se passaram e o primeiro-ministro Guan Zhong envelheceu. O Duque Huan pensou em Bao Shuya como o sucessor de Guan e quis saber a opinião de Guan sobre Bao Shuya ser o próximo primeiro-ministro. Guan respondeu, “Bao Shuya é uma pessoa muito correta, mas ele espera que todos hajam da maneira dele. Um primeiro-ministro deve ser tolerante”.

Aproveitando-se disso, alguém tentou semear a intriga entre Guan e Buo: “Foi por recomendação de Buo que Guan Zhong foi poupado de ser executado por ter tentado matar o Duque. Também foi por causa de Buo que Guan foi nomeado primeiro-ministro do Duque. No entanto, em vez de retribuir esse favor, Guan desencorajou o Duque a escolher Buo para ser seu próximo primeiro-ministro”. Bao, ao ouvir a intriga, disse, “Guan coloca o interesse público acima da amizade pessoal. Foi por essa razão que eu recomendei Guan para ser o primeiro-ministro do Duque”.

Bao Shuya e Guan Zhong eram amigos desde pequenos. Guan disse certa vez: “Bao e eu éramos sócios em um negócio quando jovens. Quando dividíamos o lucro, eu sempre levava mais, mas Bao nunca pensou que eu fosse ganancioso, ele sabia que minha família era muito pobre. Quando causei perdas aos negócios, Bao nunca me culpou, apenas procurou me orientar. Eu abandonei o campo de batalha algumas vezes, mas Bao nunca me considerou um covarde, pois sabia que eu tinha de cuidar de minha mãe idosa que estava sozinha em casa. Quando me rendi ao Duque Huan após minha fracassada tentativa de matá-lo, Bao não teve vergonha de mim e me defendeu, pois sabia que meu sonho sempre foi servir ao governante da melhor forma possível. Meus pais me deram a vida, mas é Bao Shuya que realmente me entende”.

Bao Shuya e Zhong Guan sempre colocaram o interesse público acima dos próprios interesse. Durante um tumultuado período  da história da China, eles aprenderam a confiar um no outro e, desde o início.  Assim foi cunhado o termo chinês “amizade de Guan e Bao”.