Os meios de comunicação de Hong Kong estão sob um “ataque implacável de várias direções”, segundo o recém-lançado relatório anual da Associação de Jornalistas de Hong Kong (HKJA).
O relatório do ano passado foi intitulado “Nuvens negras no horizonte: a liberdade de expressão em Hong Kong enfrenta novas ameaças”. Este ano, com a situação mais sombria, o relatório é intitulado “Liberdade de imprensa sob cerco: ameaças graves à liberdade de expressão em Hong Kong”.
Enquanto a tensão política entre Hong Kong e Pequim aumenta, a HKJA espera uma maior deterioração da liberdade de imprensa nos anos vindouros.
No entanto, outras fontes familiarizadas com a situação acreditam que a sede dos cidadãos de Hong Kong pela verdade, além do fracasso da grande mídia atual de fazer um bom trabalho, permitirá que mídias independentes e sem medo emerjam rapidamente.
O relatório anual da HKJA descreve casos de supressão das mídias francas de Hong Kong, incluindo um ataque violento a Lau Chun-to, o ex-editor do jornal Ming Pao, e a demissão do radialista Li Wei-ling da antiga Rádio Televisão de Hong Kong (RTHK).
O relatório também mencionou a recusa do governo de Hong Kong de conceder uma licença de transmissão à Rede de Televisão de Hong Kong (HKTV) e a retirada de anúncios dos jornais Apple Daily e AM730.
Sham Yee-lan, a presidente da HKJA, disse que o governo está “atropelando a liberdade de imprensa sem qualquer escrúpulo”.
Pequim aumenta a pressão
Estas restrições à liberdade de imprensa, juntamente com o debate contínuo pelo sufrágio universal em Hong Kong e a deterioração do ambiente político em geral, mostram que o Partido Comunista Chinês (PCC) está colocando mais pressão sobre Hong Kong.
Tem sido reportado que Wang Huangya, o chefe do ‘Escritório de Assuntos de Hong Kong e Macau’, um órgão do PCC, disse a uma delegação de alto nível da imprensa de Hong Kong que a mídia deve criticar mais intensamente o movimento ‘Ocupar Central com Paz e Amor’. O movimento Ocupar Central é um protesto pró-democracia, planejado para o fim deste ano, que exige o sufrágio universal em Hong Kong.
Além disso, o Escritório Estatal de Informação de Pequim emitiu recentemente uma diretriz política ressaltando que o regime chinês tem plena jurisdição sobre Hong Kong. Isto irritou os cidadãos locais que veem o livro branco como uma ameaça ao princípio de “um país, dois sistemas”, que promete a Hong Kong significante autonomia em relação à China continental.
O relatório anual da HKJA afirmou que, após Leung Chun-ying se tornar o chefe-executivo de Hong Kong em 2012, a liberdade de imprensa se estreitou ainda mais.
Governo usa a mídia irresponsavelmente
A HKJA criticou o governo de Hong Kong pela utilização dos canais de informação numa via única, como coletivas de imprensa e notas em blogs, para substituir conferências de imprensa oficiais.
Estatísticas da HKJA mostram que, de março a maio deste ano, o governo de Hong Kong realizou três coletivas de imprensa, publicou 49 notas em blogs e encontrou a mídia em conferência para responder perguntas 168 vezes. Houve apenas 20 conferências de imprensa oficiais, a maioria das quais foi sobre notícias policiais e aduaneiras. Nenhuma conferência de imprensa se referiu à política e à administração local.
Mak Yin-ting, membra do grupo de liberdade de imprensa HKJA, disse que a abordagem do governo tem prejudicado a liberdade de imprensa. O governo usa blogs para informar sobre questões importantes, como a possibilidade de um déficit financeiro de Hong Kong, disse Mak.
A mídia não tem oportunidade de fazer perguntas sobre estas questões. Mak disse que isso não é uma prática responsável. Ela lembrou aos repórteres da linha de frente que não sejam usados por essas mensagens, especialmente mensagens que alegam serem de “fontes de dentro do novo governo”.
“Eu espero que tenhamos o cuidado para não sermos usados para espalhar boatos ou mesmo desacreditar os outros”, disse Mak. “A responsabilidade por relatar notícias incorretas foi deslocada totalmente para vocês [jornalistas].”
Mak citou um incidente recente como exemplo. Quando manifestantes protestaram contra o ‘Plano de Desenvolvimento dos Novos Territórios do Nordeste’, proposto pelo novo governo, alguns dos manifestantes tentaram invadir o Conselho Legislativo (CoLeg).
Algumas fontes do governo afirmaram por meio da mídia eletrônica que seis grupos sociais estavam envolvidos no incidente do CoLeg. Mais tarde, porém, a mídia descobriu que algumas das seis organizações não estão mais em operação e alguns dos nomes de seus membros estavam incorretos.
A HKJA exortou a administração Leung que respeite plenamente a independência da mídia, tome todas as medidas possíveis para impedir ataques violentos contra jornalistas e prenda os culpados e mandantes desses ataques.
Eles pediram ao governo que reconsidere a concessão de uma licença de transmissão para a HKTV, tome medidas rápidas para desenvolver a Lei de Livre Informação e a Lei de Arquivos e reveja as políticas de reforma legal para garantir que a liberdade de expressão seja suficientemente considerada.
Mak disse que a liberdade dos meios de comunicação ainda não foi derrotada porque a internet tem desempenhado um papel complementar. Ela espera que o relatório anual sirva como um aviso de que “a maior responsabilidade ainda está no governo, pois o governo pode afetar o ambiente de discussão de toda a comunidade”.
“Continuaremos a acompanhar o governo nos próximos anos”, acrescentou Mak.
Dados e evidências
O ranqueamento internacional da liberdade de imprensa e vários incidentes recentes revelam o declínio da liberdade de imprensa em Hong Kong.
O Índice da Liberdade de Imprensa Mundial de 2014, divulgado pela organização Repórteres Sem Fronteiras, mostra que Hong Kong caiu da 18ª posição em 2002 para a 58ª em 2013. Este ano, Hong Kong caiu ainda mais para a 61ª posição.
O ranking da Liberdade de Imprensa Global de 2014 do grupo americano Freedom House indica que a classificação de Hong Kong caiu de 71 para 74, atingindo seu ponto mais baixo nos últimos 10 anos.
No índice de liberdade de imprensa da HKJA, o público deu a Hong Kong uma pontuação de 49,4 em 100 este ano, enquanto a pontuação dos trabalhadores da mídia foi de 42.
As últimas pesquisas do ‘Programa de Opinião Pública’ da Universidade de Hong Kong mostram que a satisfação do público com a liberdade de imprensa teve uma taxa de 15%, uma queda de 10% em relação a seis meses atrás e a menor taxa desde 1997. 51% dos entrevistados acreditam que a mídia pratica cada vez mais a autocensura.
Depois do violento ataque a Lau Chun-to, o ex-editor do Ming Pao, 13 mil trabalhadores da mídia e outros cidadãos participaram de uma marcha antiviolência em 2 de março.
Quando Li Wei-ling, o ex-apresentador da rádio RTHK, foi removido de seu posto, 6 mil trabalhadores da mídia participaram de uma marcha contra o silêncio e a censura em 23 de fevereiro.