América do Sul: entre a 4,5ª geração e os jatos ‘coringas’

10/10/2014 07:00 Atualizado: 09/10/2014 21:56

A recente aparição do avião de treinamento de pilotos de caça MB-346 com três tanques de combustível externos de 450 kg cada um – capacidade aumentada em 18,4% em relação aos originais, de 350 kg – sinaliza para a preocupação do grupo italiano Alenia Aermacchi, seu fabricante, em ofertar ao segmento de forças aéreas de baixo investimento um jato capaz de ser empregado também como aeronave de ataque ao solo, tipo “coringa”, de maior raio de ação.

Os italianos estão enxergando longe.

Em face dos altíssimos preços dos caças de 4,5ª e 5ª gerações (eletrônicas), diferentes corpos aéreos sul-americanos estão tentando garantir a preparação de seus aviadores para o combate por meio da aquisição de modelos multifunção: concebidos para o adestramento, mas que podem ser configurados para bombardeio leve e ainda carregar mísseis ar-ar, de forma a serem acionados com sucesso em missões de interdição que não impliquem em grande risco.

A Bolívia usa seus jatos subsônicos chineses K-8VB Karakorum exatamente assim: para formar pessoal na pilotagem de jatos, exercitá-los em operações de apoio de fogo a tropas em terra e, eventualmente, empregá-los na interceptação de aeronaves suspeitas.

O Uruguai seguia o mesmo caminho. Nos últimos três anos, pilotos da FAU (Fuerza Aerea Uruguaya) testaram os jatos multifunção subsônicos YAK-130, da Rússia, e L-159 ALCA, da empresa checa Aero Vodochody. Esse trabalho só foi interrompido quando o governo suíço concordou em transferir para a FAU dez caças supersônicos F-5E bem conservados ao preço de USD 100 milhões (o mesmo valor que os uruguaios teriam que pagar por dez K-8 chineses subsônicos, por exemplo).

Na metade final dos anos de 2000, essa e outras perspectivas até levaram a Aero Vodochody a anunciar a instalação de uma fábrica no estado de Pernambuco – fato que nunca se concretizou.

Outro país que examinou o produto checo foi a Venezuela.

A Aviación Militar Bolivariana (antiga Fuerza Aerea Venezolana – FAV) precisa desativar seus caças-bombardeiros F-16A/B – quase “cegos” pelo obsoletismo de seus radares e sensores – e, apesar dos conselhos técnicos recebidos de especialistas do Irã, ainda enfrenta problemas crescentes para manter no ar a sua frota de F-5E fabricados (sob licença americana) no Canadá.

Os venezuelanos optaram, entretanto, pela aquisição de 24 jatos de treinamento avançado chineses JL-15. Metade desses aparelhos supersônicos será alocada à instrução de pilotos, metade formará uma unidade de ataque ao solo.

Com sua capacidade de defesa aérea praticamente reduzida a 24 caças-bombardeiros Sukhoi-30Mk2, de 4ª geração – comprados nos anos de 2000 –, os venezuelanos ainda precisarão examinar a importação de um novo modelo de interceptador. O governo de Caracas gostaria de galgar um pequeno degrau e anunciar a aquisição de ao menos 12 unidades do modelo de 4,5ª geração Chengdu J-10 chinês – conhecido na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) como “Dragão Vigoroso”.

Os militares chavistas calculam que a importação dessa aeronave – dotada da sofisticada aviônica derivada da microeletrônica, de controles fly-by-wire e cockpit HOTAS – poderia caber nas linhas de financiamento hoje abertas por Pequim à sua frágil economia. Mas os militares chineses já informaram que o modelo, por seus avanços tecnológicos, ainda não está disponível para usuários estrangeiros.

Como o governo de Washington ainda veta a transferência de alta tecnologia militar para o Regime Chavista, o mais provável é que a Aviación Bolivariana precise se contentar com o SU-35, um supersônico apresentado pela indústria russa como um SU-27 “supermanobrável”, de 4ª geração plus (4ª geração melhorada, que não necessariamente alcança o nível tecnológico da chamada “4,5ª geração”).

A questão da renovação da aviação de combate também é um problema urgente na Colômbia, país que, apesar de manter um relacionamento eivado de tensão com a vizinha Venezuela, vem preterindo a modernização de seus esquadrões de caça em detrimento de outras compras, no momento consideradas mais decisivas para o esforço desenvolvido pelas Forças Armadas colombianas na luta contra a guerrilha das FARC.

O curioso é que, nesse caso, o cenário, em função da escassez de recursos, está mais bem delineado. Os generais colombianos têm tudo encaminhado para a aquisição de 12 supersônicos F-16 Block 50/52, que virão dos estoques da Guarda Nacional americana. Bogotá gostaria, entretanto, de poder examinar uma solução não muito dispendiosa e tecnologicamente mais duradoura, como o sueco Gripen C/D.

Depois que o Chile completou a renovação dos seus esquadrões de defesa aérea com modelos F-16 de segunda mão modernizados (4ª geração), e que o Brasil anunciou a aquisição de caças Gripen E (ou NG, como eles são conhecidos por aqui), de 4,5ª geração, Peru e Argentina começaram a se movimentar, de maneira a não ficar muito para trás no quadro do equilíbrio militar aéreo da América do Sul.

O caso mais grave é o argentino.

Os brigadeiros da nação platina estão, hoje, determinados a aguardar até o fim da presente década por 48 exemplares do Mirage 2000 Dash 5 Mk2, de 4ª geração, atualmente empregados pelo Armée de L’Air.

Buenos Aires negocia há dois anos com o governo francês a transferência das aeronaves por um valor que possa se adequar às magras economias portenhas, mas Paris acena com a cessão das primeiras unidades somente a partir de 2018. Isso deixa à Força Aérea Argentina a tarefa de cobrir um hiato de mais de três anos, possivelmente por meio de uma aquisição direta (sem concorrência internacional) de um modelo de 3ª geração.

Dentro dessa linha de raciocínio foram examinados o Mirage F-1 aposentado pelo Ejército del Aire espanhol, e uma versão mais potente e bem armada do conhecido caça israelense Kfir.

A oferta dos F-1 espanhóis não agradou, já que, por exigência do governo britânico, as aeronaves aterrisariam em solo argentino despojadas de todos os seus sistemas eletrônicos padrão OTAN.

A proposta da IAI de 18 caças Kfir modernizados ao padrão Block 60 também parece ter sido congelada. A operação não apenas causa desconfiança aos ingleses – que mantém um relacionamento sabidamente hostil com os argentinos por causa das Ilhas Malvinas –, ela também implica em dois problemas adicionais: a falta de equação financeira capaz de viabilizar a transferência, e a escassez de aeronaves Kfir biplaces, para a formação de pilotos nesse tipo de aparelho.

Enquanto a situação não é equacionada, os argentinos recorrem ao fôlego que resta nos seus veteraníssimos A-4AR Fighting Hawk, recebidos há 17 anos dos estoques de usados dos Estados Unidos, e modernizados pelos americanos em território argentino. Em março de 2013 apenas sete, de um lote inicial de 36 aeronaves, estava em condições de vôo. No início deste ano, quando o governo Cristina Kirchner anunciou a implantação do Plano Escudo Norte – de defesa da fronteira setentrional do país contra vôos do narcotráfico –, a aviação argentina conseguiu mobilizar quatro dos seus A-4AR, para participar do patrulhamento naquela região.

Os brigadeiros argentinos já pensaram em outras opções, como a importação (talvez por leasing) de um pequeno número dos caros jatos Gripen C/D, e até uma co-produção, na Província de Córdoba, do caça sino-paquistanês JF-17 Thunder Block 2.

Essa hipótese, entendida no Ministério da Defesa, em Buenos Aires, como um renascimento da indústria aeronáutica local, alcançou, de início, boa repercussão, mas logo revelou-se inviável por causa dos elevados investimentos necessários à habilitação da Fábrica de Aviões General San Martín, como fabricante de modelos aeronáuticos de 4ª geração. Nesse caso os paquistaneses também exigiam que os argentinos bancassem, por compra direta, as primeiras seis unidades do Thunder, avaliados em USD 23 milhões cada um.

Situação igualmente delicada vivem os peruanos, ainda que por outros motivos (menos desalentadores que os do cenário argentino).

Nesse momento, os generais da Fuerza Aerea del Perú (FAP) estão sob forte pressão da indústria russa, que exige que eles comprem o caça-bombardeiro MIG-35M, modelo apresentado como uma evolução do MIG-29 – que constitui a dotação do Esquadrão Aéreo 612 Gallos, protetor, a partir da cidade de Chiclayo, da fronteira norte do Peru.

A ideia encontra séria resistência na cúpula militar de Lima.

Nos anos de 1990, os peruanos precisaram desenvolver uma série de gestões para que técnicos da Rússia e da Bielorrússia oferecessem manutenção adequada à sua frota de MIG-29. O problema é que a FAP teme que o rompimento com a linha russa gere uma repercussão excessivamente negativa – e alguma forma de retaliação. Isso seria péssimo porque a aviação militar peruana possui vários outros modelos dessa tecnologia, como o SU-25 – importado da Bielorrúsia –, e os helicópteros Mi-8, Mi-17, Mi-25 e Mi-35, além de grande variedade de armamento aeronáutico (mísseis e bombas).

Os militares do Peru (que elogiam muito a escolha feita pelo Brasil dos Gripen E) também vêm sendo assediados pela indústria aeronáutica sul-coreana, que já lhes vendeu o monomotor de treinamento básico KAI KT-1 – concorrente do T-27 Tucano –, e acena agora com a possibilidade de oferecer o caça supersônico leve FA-50 Golden Eagle.

Tanto o MIG-35 quanto o FA-50 saem, aproximadamente, pelo mesmo valor unitário: USD 30 milhões.

DefesaNet

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