No auge das discussões sobre se deveríamos ou não implementar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), entre os anos de 2004-2005, o que mais ouvíamos era que, com a Alca, seríamos invadidos por produtos industrializados norte-americanos e que nossas indústrias iriam à falência. Quase dez anos depois, nossa indústria está bem mal das pernas e produzindo cada vez menos. Mas a culpada não foi a Alca, e sim a invasão de produtos asiáticos de baixo custo, ou seja, a ameaça não era realmente aquela que estava sendo anunciada.
Por conta da não entrada em vigor da Alca, a América Latina se dividiu em duas, uma liberal e a outra populista. A América populista é composta por Brasil, Argentina e Venezuela, vive do bônus e do ônus das commodities, não investe grandes somas no próprio país (por conta do peso de seus Estados) e é adepta da intervenção estatal na economia. A América liberal é comporta por México, Colômbia, Peru e Chile. Vive também do bônus e do ônus das commodities, mas ao contrário da vizinha populista, o Estado investe fortemente no país (média de 30% do PIB), o que atrai investimentos para a indústria e facilita a entrada de capital, trazendo mais investimos ainda para esses países. Resultado, o crescimento dos liberais no pós-crise (2009) é superior a 4% ao ano e a expectativa para 2014 é de 4,5%. Já para os populistas a notícia não é das melhores. A média de crescimento para 2014 é esperada para 2,5%, sendo que o Brasil deve ficar abaixo dessa média, na casa de 1,9%.
Sem sombra de dúvidas, o grande diferencial desses dois blocos é a ideologia. Para os populistas, o Estado deve prover o bem-estar dos cidadãos menos favorecidos e controlar toda ação deflagrada no mercado, com vistas à arrecadação (para manter o bem-estar). Para os liberais, o que importa é facilitar o ingresso de divisas para investimento, sendo que o Estado é um dos maiores responsáveis pelo investimento no país.
Nesse sentido, México, Colômbia, Peru e Chile firmaram o Acordo de Livre Comércio do Pacífico, nos moldes da Alca, só que com menos países signatários. O acordo de livre comércio entre esses países acabou sendo, ironicamente, a mola propulsora das indústrias locais, e não a pá de terra que as iria enterrar. Hoje, 25% da pauta de exportação mexicana é composta por produtos manufaturados, sendo que a brasileira é de apenas 4%. Os países da Aliança do Pacífico estão hoje entre os que mais atraem investimentos e são exemplos de transparência. Brasil, Argentina e Venezuela, na contramão, tiveram problemas quando o preço das commodities despencou; o Brasil perdeu status de “queridinho” dos investidores mundiais pelas subsequentes intervenções estatais na economia mudando a regra do jogo a todo o momento; a Argentina vive uma crise fiscal/cambial grave que atingiu hoje patamares que beiram o ridículo: a partir dessa semana os argentinos só podem comprar o equivalente a 50 dólares em websites do exterior. A Venezuela passa por problemas gravíssimos de abastecimento de produtos básicos como alimentos e itens de higiene devido o controle de câmbio feito pelo Cadivi, que retarda em muito o envio de dólares para pagamentos a fornecedores estrangeiros que cada vez mais se recusam a fazer negócio com a Venezuela. Resultado: Brasil, Argentina e Venezuela viram suas moedas se desvalorizarem em 2013 devido à fuga de dólares e há cada vez menos investidores dispostos a colocar dinheiro nesses países. Um agravante adicional para os três populistas está sendo o descontrole com as contas públicas, que está impulsionando a inflação para cima e os ratings nacionais para baixo.
Nenhum modelo econômico é à prova de falhas, mas claramente existe um momento certo para cada um deles. De 2002 a 2010, Brasil, Argentina e Venezuela se beneficiaram em muito do preço elevado das commodities e engordaram seus caixas, mas a mesa virou e como nenhum plano B foi elaborado, não houve alternativas para eles. Só que os preços das commodities podem subir novamente, pois a demanda ainda vai se manter aquecida por muito anos. Os países do pacífico patinaram até conseguir equalizar suas economias ao acordo de livre comércio, mas entenderam que a base desse modelo é a atração de investimento e trabalharam para isso. Hoje, colhem os frutos.
Cabe a cada um de nós entendermos o momento onde cada modelo econômico pode ser mais eficiente, e sempre ter uma alternativa em caso de crises. Mas para isso a cultura do “imediatismo” precisa mudar. O “agora” é muito importante, mas não pode ser a única coisa a se pensar. Precisamos restabelecer nossas metas nacionais em prol do crescimento e trabalharmos para cumpri-las, não mais sendo lenientes com desmandos e ingerências governamentais.
Rafael Borim é comentarista do programa ‘Cases de Sucesso’ da Record News SC. Atua em consultoria de comércio exterior e em gestão de comércio internacional em indústrias do setor moveleiro e de tecnologia. É formado em relações internacionais pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul)
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Millenium