Ambição russa pelo Mar Negro é perigo à estabilidade do leste europeu

15/03/2014 17:19 Atualizado: 15/03/2014 17:48

Putin, para quem a queda do muro de Berlim foi uma das maiores “tragédias” geopolíticas do século XX, invadiu a Ucrânia. E, perante uma tímida reação, pôde repetir, tranquilamente, a récita triunfal do mítico general romano: “Veni, vidi, vici”.

Vladimir, esse cavalheiro que, num espectáculo radioso, voltou a exibir a foice e o martelo na abertura dos recentes jogos de inverno de Sochi, recriando, enfim, a gesta comunista pura e dura!

Com tiques de tirano, qual czar redivivo, exige agora um “referendo” no território que, certamente, ditará a sua passagem imediata para a órbita de Moscou. Claro. E dentro de poucos dias.

A Criméia permite-lhe o controle do mar Negro, essencial para as suas ambições. Kiev não terá sossego, apesar das declarações corajosas do primeiro-ministro interino, Arseni Yatseniuk: “Não cederemos nem um palmo de terra [à Rússia]”.

É o regresso do velho e agressivo imperialismo russo, que aliás, há cerca de seis anos atrás, havia mostrado as garras afiadíssimas na pequena Geórgia, ante o quase silêncio, soando a capitulação, da comunidade internacional.

O herdeiro dos métodos da KGB não precisa, ora essa!, de qualquer “aval” do Conselho de Segurança da ONU para entrar num outro território soberano e independente ou para fazer a guerra.

Avança quando quer e ameaça, pelo caminho, os desafetos e contestatários. O sr. Putin está acima da lei.

O mais curioso é que, no caso russo, já não há manifestações de rua, litanias “anti-imperialistas”, panfletos coloridos, velinhas acesas, teses e livros a favor da integridade das fronteiras, editoriais arrasadores, gritos de revolta dos “intelectuais” ou marchas ruidosas a favor do sacro “Direito Internacional”. Acabou.

É que esses mimos e manifestações de rebeldia só valem quando o destinatário se chama “Estados Unidos da América”, alvo eterno e privilegiado, como se viu, se bem se recordam, em 2003, por ocasião do conflito com o Iraque de Saddam Hussein. Aí sim fazia todo o sentido!

Mesmo aqui na Praia, capital de Cabo Verde, foi um verdadeiro pandemônio, com as cassandras da pátria esquerdigreja, em êxtase, a dizerem do pior e a massacrarem, na imprensa, essa nação amiga, e benigna, que ajudou o mundo inteiro, naqueles dias sombrios, a vencer as duas maiores tiranias do século XX: o nazismo e o comunismo.

Essa América que, saltando o oceano, foi morrer generosamente nas praias da França e que, através do plano Marshall, permitiu a reconstrução da Europa e, concomitantemente, o mais longo período de prosperidade e liberdade já vivido na idade contemporânea. Recordar não é pecado.

Foram homens como Churchill, Roosevelt, de Gaulle ou Reagan que nos legaram a liberdade de que hoje usufruímos.

A reação das chancelarias e da “opinião pública” é, todavia, uma fonte perene de ensinamentos.

Quando se trata de uma democracia liberal e do “Ocidente”, o pessoal exulta-se e, num combate de vida e de morte, exige transparência absoluta, rigor, provas, respeito pela Carta de 1945 e pela legalidade internacional, com aquele zelo inquisitorial que perscruta o mais ínfimo dos pormenores e nada deixa de fora.

Quando é a Rússia ou alguma nação ideologicamente correta, já tudo é permitido! Sem reclamações, sem protestos audíveis. Sem exigência alguma.

As regras cedem, então, lugar ao encolher dos ombros, numa doce legitimação da agressão e do facto consumado. Não se discute, aceita-se servilmente.

Na quinta de Orwell há certos porcos que são mais iguais do que os outros, não é verdade?!

O que no caso de Bush era um crime hediondo, no caso de Putin é já algo “compreensível”, um como que direito natural, tal como Hitler, em tempos idos, com o seu Lebensraum.

Os tanques falam mais alto, lembrando a conquista de Budapeste em 1956.

A horda de Putin, com a sua consabida brutalidade e a sua congênita aversão ao pluralismo, não augura nada de bom.

É uma ameaça na cintura da Europa e promete fazer, recorrendo, de chofre, ao ardil da desinformação (ver, o quanto antes, Carmen Claudín, vida negra aos amantes da paz e da convivência democrática, que rejeita, por norma, a chantagem como método político. O que importa é a… Pravda.

Mas será que Raskolnikov, símbolo de uma certa mentalidade, aceitará algum dia os cânones da Justiça, restabelecendo a harmonia perdida?

Ora, uma nação livre nunca faz uma guerra por gula, anexando territórios e riquezas alheios.

É por isso que o nosso pensamento está, necessariamente, com os valorosos patriotas da Ucrânia, os quais, no meio de tantas provações, mas com desassombro, lutam por algo que Putin, estadista menor, jamais lhes poderá oferecer: a Liberdade. O bem mais precioso de que não se pode abrir mão nem tampouco delegar aos tiranos de plantão.

Hoje, parafraseando Kennedy, “somos todos ucranianos!”

Casimiro J. L. de Pina, jushumanista e tocquevilleano inveterado, é autor do livro “Ensaios Jurídicos: entre a Validade-Fundamento e os Desafios Metodológicos” (Lisboa, 2013), prefaciado pelo Dr. Paulo Ferreira da Cunha, catedrático de Direito Constitucional e Filosofia Jurídica, e com testemunhos de José Pina Delgado e do filósofo brasileiro Olavo de Carvalho.

Esse artigo foi originalmente publicado pela Mídia sem Máscara