Amantes Borboletas: um conto chinês que lembra Romeu e Julieta

10/11/2014 14:12 Atualizado: 10/11/2014 14:12

Escrita por Shakespeare, a antiga estória de amor entre Romeu e Julieta é bastante conhecida no Ocidente, principalmente, pelo seu malfadado final. No entanto, para os antigos chineses, romances desventurados não eram incomuns nem novidade. A lenda dos “amantes borboletas”, também conhecidos como Liang Shanbo e Zhu Yingtai, passa-se há mais de mil anos e é um dos quatro grandes contos mais populares da China.

À medida que a estória e a trama dos “amantes borboletas” se desenvolvem, elas nos faz lembram um tanto de “Romeu e Julieta”. Ao mesmo tempo que o conto chinês é sobre o amor entre jovens, sua trama tem como base a ação comedida, o decoro e a firmeza de caráter. Os duelos e envenenamentos contidos no passional romance de Shakespeare dão lugar a um contexto caracterizado pelos disfarces, por grandes metáforas e por indissolúveis arranjos familiares.

A protagonista da estória, Zhu Yingtai, é uma jovem inteligente e a única filha de uma família de nove filhos. Seu idoso pai a criou com bondade e ternura, e ele próprio ensinou-lhe a ler e escrever. Além dos livros clássicos chineses, Zhu estudou a vida das grandes mulheres do passado da China, pois as admirava.

Na China antiga, as escolas não aceitavam meninas, por isso, para continuar nutrindo seu amor pelo estudo, Zhu teve que se disfarçar de menino para assim poder ser admitida e estudar numa academia da cidade de Hangzhou.

Na academia , Zhu conheceu um rapaz chamado Liang Shanbo e fez amizade com ele. Eles se tornaram como irmãos. E estavam sempre juntos: estudavam, se divertiam e comiam juntos… Juntos também, eles compunham poemas e debatiam sobre história e filosofia.

Passados três anos, Yingtai se apaixonou por Shanbo, que nunca suspeitou que Zhu Yingtai era de fato uma bela jovem e que ela havia se apaixonado profundamente por ele. Yingtai tentou várias vezes sem sucesso fazer que Liang percebesse o seu amor por ele.

Um dia, Yingtai teve de deixar a academia, pois seu pai ficou doente e ela precisou voltar para casa para cuidar dele.

Ao se despedir de Yingtai, Shanbo acompanhou-a por quase seis quilômetros em sua viajem de volta para casa. Há caminhada foi em silêncio, era possível sentir no ar o peso da dor da separação. Quando se aproximaram de um córrego, Yingtai viu um casal de patos mandarim juntos na água e jogou um ramo sobre eles. Ao ver as aves, assustadas, voarem em direções opostas, Yingtai quebrou o silêncio.

“Meu irmão mais velho, hoje vamos nos separar e, quem sabe, um dia poderemos nos encontraremos novamente? Poderemos ser como esse casal de patos mandarim que, ao voarem, se separam momentaneamente”.

“Estimado irmão mais novo”, disse Shanbo, “mesmo como irmãos prestes a tomar caminhos diferentes, porque nos comparar a um marido e sua esposa?”.

Para os chineses, um casal de patos mandarim representa o amor entre homem e mulher, e, mesmo com essa dica final, Yingtai não conseguiu fazer Liang perceber o sentimento dela por ele. Tudo o que Yingtai pôde fazer foi implorar a Liang para que ele fosse visitá-la algum dia. O momento da despedida finalmente chegou e, com lágrimas, eles se despediram.

Yingtai havia planejado e arranjado as coisas para que acontecessem do modo como ela queria que acontecesse. Antes de partir, ela contou seu segredo à esposa de seu professor e pediu-lhe que ela fizesse Liang saber claramente disso. Só então e desse modo foi que seus sentimentos por Liang finalmente chegaram até ele.

Ao saber disso, Shanbo deixa tudo e sai à procura de Yingtai para pedi-la em casamento. Mas o destino foi cruel. Voltemos à casa de Yingtai.

O retorno de Yingtai foi festejado, pois uma mulher instruída era bastante incomum para o povo de sua cidade natal. Seu pai logo se recuperou da doença e, feliz, contou a Yingtai que ela havia sido prometida em casamento a Ma Wencai, um talentoso e culto filho de um rico e poderoso governador provincial.

Os chineses veem o casamento não simplesmente como a união de um homem e uma mulher, mas como um ato que une duas famílias. A família de Yingtai e a de Ma tinham um histórico de relações cordiais entre si, e ambas tinham alta posição social. Cancelar o noivado a essa altura era impensável.

Devido a isso, Shanbo, ao encontrar sua amada Yingtai, teve negado o seu pedido de casamento. As palavras faltavam; o silêncio entre ambos expressava a amarga impossibilidade de um amor inocente e puro.

Shanbo, como um homem determinado que era, prometeu assim mesmo a dar seu amor a Yingtai. Ele nunca mais se recuperou disso. Arrasado, pouco depois, ele adoeceu e morreu.

Yingtai ficou arrasada. Em seu coração, ela prometeu a si mesma dar e dedicar o seu amor a Shanbo assim como ele o fez. Como uma mulher que havia prometido dar o seu amor a um homem, a Shanbo, a coisa certa a fazer era ser leal e fiel a ele. Mas seu noivado com Wencai era assunto de família e simplesmente não era possível viver de acordo com os caprichos de um sentimento pessoal.

Por fim, ela concordou em se casar com Wencai, mas somente com a condição de que a procissão de seu casamento passasse pela sepultura de Shanbo, e que, lá, ela tivesse a permissão de orar e fazer uma oferenda diante da sepultura. Afinal, ela permaneceria fiel a sua promessa pessoal.

Por meio de troca de cartas, Wencai viu em Yingtai uma mulher de elevado caráter. Ela não traiu sua promessa de amor ao falecido Shanbo. Por ser um homem de grande estatura moral, Wencai pôde compreender Yingtai e não a culpou por isso.

No dia do casamento, Yingtai veio vestida de branco fúnebre. Quando a procissão de casamento estava chegando à sepultura de Shanbo, uma tempestade começou. Em meio à chuva, Yingtai chorava diante da lápide de seu amado e lamentava não poderem estar juntos.

Naquele momento, enquanto trovões e relâmpagos sacudiam a terra, uma fenda abismal abriu-se sobre o túmulo de Shanbo. Repentinamente, Yingtai  foi tragada pela fenda, que, logo em seguida, fechou tão rapidamente quanto se abriu.

Enquanto as famílias se esforçavam para encontrar um jeito de resgatar Yingtai, a tempestade parou. Duas grandes e coloridas borboletas saíram do túmulo. Como num sonho esplendoroso, o casal de borboletas voou mais e mais alto, com que dançando entrelaçadas em direção ao céu. Eram agora borboletas e não mais duas pessoas infelizes. Agora, finalmente, estavam unidos no pós-vida?

Conta-se que Ma Wencai e seu pai relataram o que ocorreu ao imperador, que, ao saber toda a história, proclamou Yingtai como uma mulher de virtude extraordinária e assim ela teva sua história registrada nos anais oficiais.

A história de Liang Shanbo, um jovem estudioso devotado a um amor puro, e de Zhu Yingtai, uma mulher culta que o seguiu depois da morte para honrar sua promessa, simplesmente expressa alguns dos valores tradicionais que os povos antigos possuíam.