Alternativas a proposta do Passe Livre

01/10/2013 19:23 Atualizado: 01/10/2013 19:28
"Passe Livre", uma das soluções apontadas durante as manifestações de 2013
“Passe Livre”, uma das soluções apontadas durante as manifestações de 2013 (Cortesia/SP MPL)

As cidades proporcionaram, até então, um avanço inimaginável à humanidade. O ganho de produtividade em escala, a especialização da mão de obra e a drástica redução dos custos de transação transformaram o mundo em alguns séculos. Salvo algumas exceções, as pessoas nas cidades vivem mais, possuem rendas maiores e nível cultural mais avançado. Porém, algo atualmente parece travar um desenvolvimento ainda maior das urbes. O caos urbano, não apenas, mas principalmente no Brasil, é um fato. Provavelmente será o maior problema social a ser enfrentado no século XXI.

As pessoas não negam que o crescimento das cidades representou melhoria de vida para muitos, mas parecem nutrir um certo sentimento de que “poderia ser melhor”, de que “mais pode ser feito”.  E elas estão certas.  Recentemente no Brasil, um setor em especial ganhou as primeiras páginas dos jornais e as ruas: o transporte público. A paciência das pessoas com as horas intermináveis em um transporte deplorável parecia haver se esgotado. Não sem motivo: percursos de duas, três ou quatro horas de ida ao trabalho tornaram-se comuns em nossas metrópoles. Dessa forma fica claro que existe sim motivo para as manifestações populares. Porém, o grande problema dos “gritos” ecoados nas passeatas foi a solução recomendada pela maioria, o tal do “passe livre”.

Tornar algo que é considerado caro, gratuito parece uma solução milagrosa, mas não é. Vamos ao porquê. De antemão, o bom senso manda relembrarmos sempre a célebre frase de Milton Friedman: “Não existe almoço grátis”. Assim também como não existe passe grátis, ou livre, como preferir. Alguém paga a conta, e se esse pagamento passa pelas mãos do governo antes de representar alguma benesse, tenha certeza: a conta será exorbitantemente cara.

No caso do transporte público da cidade de São Paulo – que foi onde o movimento pelo passe livre ganhou mais força -, a prefeitura estipula subsidiar atualmente as passagens com cerca de R$1,25 bilhão por ano (verba destinada à gratuidades e descontos oferecidos a diversos grupos ou “classes” em 2013). Caso o passe fosse livre, esse valor teria que ser de cerca de R$5,7 bilhões (total do custo do transporte público em 2012). Isso considerando-se que a demanda pelo transporte se mantenha constante após uma possível declaração de passe livre – o que não ocorreria. “A demanda é infinita quando a oferta é gratuita”, ou seja, algumas pessoas passariam a utilizar “irresponsavelmente” o transporte público, atrapalhando justamente a mobilidade daqueles que mais precisam dos ônibus, metrôs e trens da cidade.

Além disso, caso a prefeitura paulistana resolvesse implementar o acesso “gratuito” aos ônibus, metrôs e trens da cidade, deveria escolher qual meio utilizaria para retirar esses R$4,45 bilhões a mais que seriam necessários (ressaltando sempre que essa conta é apenas uma base, já que provavelmente a demanda aumentaria com o passe gratuito e, consequentemente, os custos seriam ainda maiores). Uma das maneiras seria pelo aumento dos impostos, no caso o IPTU, isso porque grande parte dos outros tributos recolhidos pela prefeitura ou possuem um fim específico (as famosas “Taxas”) ou atingem um grupo bem menor de pessoas, como o ISS. Em 2012, a arrecadação do IPTU paulistano foi de cerca de R$ 5 bilhões, ou seja, a arrecadação teria que ter um aumento de 89% para pagar o transporte público gratuito.  Isso seria desastroso para a economia paulista. Empresas com seus custos mais altos teriam que compensar com aumento dos preços dos seus produtos ou com redução de outros custos, como o de mão de obra. Os proprietários das residências teriam que retirar recursos de alguma outra atividade  para bancar esse grandioso aumento do IPTU. Não adianta ilusão, o passe livre seria um pesadelo para a sociedade. Lembrem-se disso toda vez que alguma coisa for alçada ao – já não mais tão seleto – grupo dos “direitos”; isso, invariavelmente, acarreta maiores custos ao cidadão.

Outra alternativa seria a prefeitura paulistana remanejar recursos de outros setores para o subsídio total das passagens. Nesse caso, seria necessário, por exemplo, remanejar 50% dos R$9 bilhões de despesa líquida com Educação utilizados em 2012, ou cerca de 93% dos R$4,8 bilhões liquidados em 2012 pela Secretaria Municipal da Saúde/Fundo Municipal de Saúde. Thomas Sowell, um economista americano dos mais geniais, resumiu bem essa questão: “Não existem soluções, apenas escolhas.”

O que fazer?

Então devemos deixar tudo como está? Não. Primeiramente, devemos parar de interpretar transporte público como sinônimo de transporte coletivo; essa é uma das grandes razões do caótico quadro atual. O transporte público nas metrópoles brasileiras é um arranjo complexo entre o público e o privado. Na verdade, as concessões para as grandes empresas de transporte público – e aqui se adiciona o serviço de táxi – legalizam o monopólio.  O serviço de concessão para taxistas já virou uma espécie de mercado paralelo em muitos centros urbanos brasileiros. Para se poder trabalhar como taxista nas grandes cidades não é raro ter que conseguir uma “vaga” mediante pagamento de fortunas na casa dos R$100.000,00. Por que qualquer pessoa, após passar por uma vistoria simples de seu veículo, não poderia ofertar o serviço de transporte coletivo?

As pessoas em todo o Brasil reclamam dos altos preços das passagens e dos péssimos serviços prestados. Mas elas não têm escolha. Não existe “uma empresa concorrente”, não existe  “um serviço diferenciado”. O cidadão é refém de um modelo desenhado entre o estado e as empresas privilegiadas; nada mais injusto. Onde não há concorrência, não há motivo para ser melhor. Um dos principais fatores que atualmente influencia no valor das passagens no transporte público é a análise dos custos das empresas. Esse modelo é arcaico e extremamente punitivo à sociedade, uma vez que as empresas passam a não ter nenhum interesse em serem mais produtivas, em fazerem mais com menos e assim baixarem seus preços. Realizar um transporte com mais agilidade e conforto passa longe de ser uma prioridade na atual situação. Isso porque esse modelo distancia a empresa prestadora do serviço do cliente final. O sucesso não está em atrair mais clientes por se ter um serviço que estes julguem ser o melhor. O sucesso é conseguir a concessão estatal, e para alcançar isso a satisfação do usuário do transporte público não é um fator relevante.

Recentemente, o famoso portal Nextciy relatou uma experiência de Lima, no Peru, com a desregulamentação do transporte público. Para efeito de análise, incentivada pela concorrência, a capital peruana conta hoje com mais de 32.500 ônibus, enquanto Nova York possui cerca de 5.600 e São Paulo 13.900. Os méritos do modelo peruano não se resumem a isso. O expressivo número de 80% da população que utiliza o transporte coletivo impressiona. É claro que o modelo enfrenta sérias dificuldades, tanto pelas condições da malha viária que ocasionam grandes engarrafamentos, como, em alguns casos, pela falta de segurança. Todavia, apresentou melhorias gritantes quando comparado ao antigo modelo regulamentado da década de 80, que contava com apenas 600 ônibus e excluía grande parte da periferia. Com a explosão demográfica de Lima (a cidade quadruplicou em 50 anos), o sistema ruiu. Atualmente o governo tenta implementar novas regulamentações a fim de “organizar” o sistema.

Fica claro que no Brasil precisamos reinventar o modelo de transporte coletivo nas grandes cidades. “Desmonopolizar” seria um ótimo começo. Por que qualquer carro, dentro dos padrões normais, não pode ser um transporte coletivo? É crime realizar o serviço de transportar pessoas de forma melhor do que a atual ou apenas vai de encontro ao interesse de alguns?

Raduán Melo é Diretor Comercial na CSI Locações, Consultor de Gestão nas áreas de estruturação organizacional e comercial, e estudioso da Escola Austríaca de Economia.

Esse conteúdo foi originalmente publicado pelo site Revista Vila Nova