As eleições presidenciais nos Estados Unidos e as eleições gerais do 18º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês (PCC), que uma vez a cada década muda sua liderança, foram realizadas quase que simultaneamente este ano.
A propaganda do regime chinês tem dito que o sistema capitalista dos EUA é uma política movida pelo dinheiro que favorece a grande burguesia e os ricos e que a China é um país socialista cuja política favorece a esmagadora maioria do povo. A composição do 18º Congresso do PCC conta uma história diferente, a de uma aliança de poder e dinheiro.
Elites políticas e os ricos
A agência estatal de notícias Xinhua publicou recentemente um artigo do Semanário Econômico da China intitulado “Empreendedores Vermelhos”. O artigo relatou que, segundo estatísticas incompletas, 145 dos 2.270 delegados do PCC são CEOs de empresas estatais, bancos e instituições financeiras e de empresas privadas de províncias e municípios.
Bloomberg News publicou um artigo em fevereiro, intitulado “Congresso Popular bilionário da China faz Capitólio parecer pobre”, dizendo, “O patrimônio líquido dos 70 delegados mais ricos no Congresso Nacional Popular da China, que abre sua sessão anual em 5 de março, subiu para 565,8 bilhões de yuanes (89,8 bilhões de dólares) em 2011, um ganho de 11,5 bilhões de dólares desde 2010, segundo dados do ‘Relatório Hurun’, que rastreia os ricos do país. Isso se compara ao valor líquido de 7,5 bilhões de dólares de todos os 660 funcionários de topo nos três ramos do governo dos EUA.”
O 18º Congresso do PCC reúne as elites políticas e militares, junto com ricos empresários.
Mercantilização do poder
Através de mensagens que tem circulado no Weibo, uma plataforma chinesa similar ao Twitter, o povo chinês veio a perceber uma realidade cruel sobre as eleições nos dois países: os Estados Unidos são mais parecidos com o socialismo do que a China afirma ser, enquanto a China caracteriza-se por um capitalismo camarada.
Nos Estados Unidos, o patrimônio dos ricos é atribuído principalmente a capacidades pessoais. Bill Gates é um empreendedor bem sucedido na indústria de computadores. O investidor de renome internacional George Soros é um imigrante húngaro. Michael Bloomberg, prefeito da cidade de Nova York, que aceita um salário simbólico de um dólar por ano, já havia construído um império de mídia antes de assumir o cargo de prefeito. Estas histórias demonstram as vantagens do sistema social norte-americano.
Na China, porém, a riqueza está intimamente ligada ao poder nos bastidores e o poder político tem sido uma varinha mágica que cria magnatas ricos. A mercantilização do poder na China tem uma característica especial, que é, o poder se baseia no mercado para lucrar e os dois operam juntos para tornar o poder rentável. A maneira mais conveniente de fazer isso é ter os dois sistemas numa família, o que significa que o chefe de família trabalha numa agência do governo, enquanto a esposa, filhos e irmãos administram empresas para ganhar dinheiro com o poder.
A festa da riqueza começou em 1990 na China e agora os aristocratas vermelhos podem ser visto em todos os setores, incluindo eletricidade, petróleo, imobiliário, mercado de ações, setor financeiro e assim por diante. Segundo relatos na internet, cerca de 200 famílias políticas chinesas monopolizam a riqueza da China. Um informe diplomático vazado pelo WikiLeaks em agosto de 2011, disse que o ex-premiê chinês Li Peng e sua família controlavam todos os interesses da energia elétrica; o membro do Politburo e chefe da segurança pública Zhou Yongkang e seus comparsas controlavam os interesses do petróleo; enquanto a esposa do premiê Wen Jiabao controlava o setor de pedras preciosas na China.
Mais de 130 empresas estatais sob a Comissão Administrativa e de Supervisão de Ativos do Conselho de Estado seriam operadas ou gerenciadas por pessoas que vêm de famílias de oficiais. Na verdade, o maior problema na China de hoje não é o fosso entre ricos e pobres, mas que aqueles nos meandros do poder do regime tomaram a riqueza da nação como refém há muito tempo.
Não há dúvida de que esses “empresários vermelhos” se tornarão uma força importante que influenciará as políticas econômicas da China no futuro. Eles participarão na formulação de políticas, especialmente os chefes de alguns dos setores monopolizados em áreas vitais da economia nacional e da subsistência do povo. Por exemplo, a vontade dos delegados do PCC sobre as indústrias petrolífera, carbonífera, elétrica e química pode ser facilmente transformada em políticas industriais e sociais do país.
Os ‘Três Representativos’
Ao longo da era pós-Mao, o PCC tem considerado como explicar a distribuição de riqueza sob o regime ditatorial de partido-único. A realidade da aliança entre poder e dinheiro colocou o PCC numa situação embaraçosa.
No entanto, a contribuição do ex-líder chinês Jiang Zemin à ideologia comunista, chamada de “Três Representativos”, ajudou o PCC a se livrar desse dilema teórico. Ele mudou o PCC de representante das três classes revolucionárias – trabalhadores, camponeses e soldados – para representar os três interesses principais, ou seja, o desenvolvimento de forças produtivas avançadas (voltadas para as elites econômicas, a classe média urbana, intelectuais e especialistas em alta tecnologia), a orientação para uma cultura chinesa avançada e os interesses da grande maioria do povo chinês.
A introdução dos “Três Representativos” dá legitimidade ao PCC para construir uma nova base social. Desde então, o PCC tem implementado novas estratégias para recrutar elites econômicas (ou capitalistas) para participarem do PCC. Esta estratégia estabelece laços institucionais por meio de associações industriais e comerciais que representam os interesses das elites econômicas e, assim, eliminam forças políticas potencialmente desafiadoras.
O cientista político norte-americano Samuel Huntington descobriu que uma das principais ameaças a um regime autoritário é a “diversificação da elite decorrente do aumento de novos grupos controlando as fontes autônomas do poder econômico, isto é, do desenvolvimento de uma classe média empresarial rica e independente”.
O alto grau de monopolização dos recursos nacionais, combinados com a mercantilização do poder transformaram as autoridades chinesas em pessoas que podem “criar reis”.
Agora, o PCC transformou seu Congresso Nacional e suas sessões anuais da Assembleia Nacional Popular e da Conferência Consultiva Política Popular em oportunidades institucionais para as elites políticas se encontrarem com pessoas ricas, assim eliminando a ameaça potencial destas elites econômicas atingirem um “republicanismo de elite”.
He Qinglian é uma proeminente autora chinesa e economista que atualmente vive nos Estados Unidos. Ela é autora de “China’s Pitfalls”, que trata da corrupção na reforma econômica da China da década de 1990, e “The Fog of Censorship: Media Control in China”, que aborda a manipulação e restrição da imprensa. Ela escreve regularmente sobre questões sociais e econômicas da China contemporânea. Seu blog é HQLEnglish.blogspot.com