Quatro anos atrás, minha esposa Laura e eu visitamos Auschwitz-Birkenau, que foram preservados pelo Parlamento polonês como monumentos do Holocausto/Shoah. Nós andamos a maior parte do tempo em silêncio por cerca de três horas. Foi o lugar mais desumano que ela e eu já vimos.
Se mais dos negadores do Holocausto visitassem o local, alguns deles pelo menos silenciariam sua expressão de antissemitismo. Aqui estão dois pontos que recordo vividamente de nossa visita:
• O fotógrafo entrando nos campos com os soldados russos em 27 de janeiro de 1945, que libertaram cerca de 7 mil presos sobreviventes, incluindo 400 crianças – muitas delas quase mortas de fome – disse que as instalações “perfeitamente organizadas” foram “a coisa mais chocante que eu vi e filmei (durante) a guerra”.
• Chegando em vagões de trem para gado em Birkenau depois de 1942, as vítimas judias eram separadas por médicos com base na sua aparência de serem capazes ou não de trabalhar como escravos nas fábricas. Aqueles considerados ‘impróprios’ eram assassinados imediatamente. Cerca de um milhão de crianças e adultos foram mortos com gás cianeto. Dois campos de extermínio se tornaram os símbolos mais conhecidos do Holocausto, mas havia outros, onde mais de cinco milhões de pessoas morreram.
Lucy S. Dawidowicz
O livro “The War Against the Jews: 1933-1945“, da falecida Lucy S. Dawidowicz, observa: “… o ódio aos judeus foi a crença central e mais convincente de Hitler… isso dominou seus pensamentos e ações por toda sua vida…”
Em Mein Kampf, Hitler esclarece muito sobre sua visão pessoal de mundo. Ele era um antissemita declarado quando tinha 15 anos, em parte por causa da influência de professores da época de escola. Para ele, o judaísmo era apenas uma raça. Suas opiniões eram praticamente indistinguíveis do antissemitismo da Idade Média e, quando combinadas com o seu sadomasoquismo, o resultado foi o ato mais desumano em toda a história humana.
O mundo deve ter em mente o que Hitler fez na época de seu suicídio em 1945. De acordo com Dawidowicz, a melhor estimativa dos judeus europeus que Hitler e seus seguidores assassinaram na Europa é de 5.933.900, ou 67% da população pré-Holocausto no continente, incluindo três milhões de poloneses, ou 90% da população judaica da Polônia, 90% da população judaica da Alemanha, países bálticos e Áustria, e altas porcentagens em muitos outros países.
Os nacionais de alguns países resistiram firmemente aos esforços nazistas para fazê-los deportar os judeus para campos de concentração. Na Dinamarca ocupada, por exemplo, o rei e um grande número de dinamarqueses usavam estrelas amarelas para mostrar seu apoio aos vizinhos judeus. Dinamarqueses arriscaram suas vidas, contrabandeando um grande número de judeus nacionais para a neutra Suécia. A Finlândia e a Bulgária simplesmente recusaram as demandas nazistas de entregar seus cidadãos judeus.
Mais longe, algumas nações ajudaram. O governo de El Salvador, por exemplo, emitiu mais de 30 mil passaportes para judeus húngaros para que pudessem evitar os campos de extermínio. Raoul Wallenberg da Suécia desapareceu num gulag soviético por fazer a mesma coisa.
Gertruda Rosenberg, Moshe Kraus e Vera Gara
Três sobreviventes são Vera Gara, Cantor Moshe Kraus e Truda Rosenberg, dois dos quais estão presentes aqui hoje. A sra. Gara falará. Cantor Kraus sobreviveu porque um comandante do campo gostava do seu canto. Toda a família da dra. Rosenberg pereceu no Holocausto, mas, com a idade de 20, ela era pequena o suficiente para que outros pudessem empurrá-la pela janela de um vagão de trem para gado que a levava e muitos outros para um campo de extermínio. Encorajo-vos a ler o seu livro “Unmasked” que foi publicado em inglês pela Universidade de Carleton e em francês pela Universidade de Ottawa.
Nunca devemos esquecer nenhuma das vítimas Shoah. Devemos contar e recontar suas histórias – nunca devemos esquecer.
Antissemitismo
O assalto de Hitler aos judeus foi o culminar de gerações de antissemitismo europeu. Apenas um conhecido líder cristão na Alemanha, Provost Bernard Lichtenberg, levantou-se abertamente pelos judeus em sua igreja de Berlim e pagou por sua coragem com sua vida.
Elie Wiesel, o Prêmio Nobel da Paz, observou: “Todos sabiam, exceto as vítimas. Ninguém se importou o suficiente para nos dizer: ‘Não vá.’ Se Roosevelt tivesse ido ao rádio e dito simplesmente: ‘Judeus da Hungria, não vão porque Auschwitz está lá…’ Se Churchill tivesse feito o mesmo… Nós ouvíamos a BBC, ouvíamos o rádio. Eu não entendo isso. Eles eram boas pessoas.”
Muitos em minha própria comunidade de fé (o cristianismo) assistiram enquanto a pior catástrofe da história humana foi infligida em irmãos e irmãs da fé judaica. Houve exceções individuais em todos os países conquistados por Hitler, mas muitos cristãos no Canadá e na Europa não fizeram praticamente nada para honrar o segundo grande mandamento de Jesus (“Ame o seu próximo como eu vos amei.”).
O papel oficial do Canadá – ou mais precisamente sem papel – antes de entrar na II Guerra Mundial está bem estabelecido em “None Is Too Many”, de Irving Abella e Harold Troper.
Será que a imunidade dada a criminosos de guerra nazistas quando os trabalhos do Tribunal de Nuremberg foram interrompidos em 1948 de alguma forma ajudou a facilitar os genocídios subsequentes no Camboja, Bósnia, Ruanda, Sudão e o que vem ocorrendo com a comunidade do Falun Gong na China desde meados de 1999? “Nunca mais” se tornou “de novo e de novo”.
Lições para hoje
Permita-me sugerir três lições do Holocausto para hoje:
1. Precisamos permanecer unidos contra o ódio e a indiferença. O século XX foi o pior da história em termos de violência dirigida contra crentes de todas as religiões, principalmente por regimes totalitários. A grande lição para todas as comunidades de fé é clara: Se ficarmos ombro a ombro quando alguém de nossa ou de outra religião estiver sendo perseguido em qualquer lugar, muitas vidas inocentes poderão ser salvas.
2. Precisamos agir mais cedo. A profanação de sinagogas e cemitérios judeus tem aumentado nos últimos anos em todo o mundo, as comunidades religiosas e os conselhos inter-religiosos devem expressar indignação no momento em que isso ocorrer. Todos devemos falar de um mundo que seja multirreligioso e multicultural. A sociedade civil, líderes comunitários e governos em todos os níveis devem denunciar o antissemitismo e o ódio manifestado contra qualquer religião ou cultura.
3. A comunidade internacional deve condenar e deter a agressão de regimes contra outro país ou religião. Como o rabino Reuven Bulka diz: “Negadores do Holocausto não são estúpidos; eles são maus. Os negadores ansiosamente dariam as boas-vindas a outro Holocausto, que eles e seus descendentes ideológicos novamente negariam que ocorreu.”
Combate ao antissemitismo
O primeiro-ministro do Canadá, Harper, no Knesset no mês passado, falou em parte sobre um novo antissemitismo no mundo. Como ele disse, o mundo tem observado nos últimos anos a “mutação da antiga doença do antissemitismo e o surgimento de uma nova variante… em grande parte do mundo ocidental, o velho ódio foi traduzido em linguagem mais sofisticada para uso numa sociedade civilizada”.
O livro “Globalizing Hatred – The New Antisemitism” de Denis MacShane, ministro para a Europa no gabinete de Tony Blair, é contundente. Em 2005-06, MacShane presidiu a primeira ‘Comissão Parlamentar de Inquérito de Todos os Partidos do Reino Unido sobre o Antissemitismo’. Deixe-me salientar alguns pontos que seu livro aborda:
• Como ele diz a seus 10 mil eleitores muçulmanos, a fé islâmica não é o problema. “É a ideologia do islamismo que deve ser discutida abertamente e, quando ela apoiar o antissemitismo ou negar a democracia e os direitos humanos, isso deve ser combatido.”
• Debater Israel e suas políticas é perfeitamente legítimo sempre, observa MacShane, mas “o que não é legítimo é transformar a crítica a Israel numa condenação aos judeus e pintá-los hoje, como no passado, segundo estereótipos negativos que negam sua fé, seu nascimento, seu direito de não ter medo e seu direito de sustentar suas filiações e causas”.
• O ressurgimento do antissemitismo tem ocorrido em todo o mundo, especial e inesperadamente nos países ocidentais “… entre as elites e as pessoas comuns… na mídia pública, locais de culto e na privacidade dos lares”.
• Nas comunidades religiosas, os cristãos foram ditos por séculos que foram os judeus, em vez dos romanos, que mataram o filho de Deus; o Novo Testamento antes da modernização estava repleto de referências imprecisas sobre a comunidade de fé em que Jesus nasceu e morreu (felizmente, a maioria dos cristãos agora repudia estas noções como o livro comenta). É erroneamente dito aos muçulmanos que os judeus tentaram matar o profeta de Deus, Maomé, e que eles são os inimigos de Alá. Na ausência de reforma do Alcorão e da Hadith, alguns muçulmanos ainda defendem a violência contra os judeus.
Conclusão
A campanha em curso contra o antissemitismo por todas as pessoas responsáveis, comunidades religiosas e governos deve ser realista em seus esforços contínuos. Promotores do ódio intenso podem persistir, mas muitos outros podem ser alcançados, especialmente os jovens. Valores universais, como a imparcialidade, a justiça para todos e a compaixão, são fortes aliados na luta contra o racismo, incluindo o antissemitismo.
Obrigado.
Trechos de um discurso proferido pelo Exmo. David Kilgour, no Dia da Recordação do Holocausto, na prefeitura da cidade de Ottawa, Canadá, 3 de fevereiro de 2014.
David Kilgour foi um membro do Parlamento canadense entre 1979-2006, e atuou como Secretário de Estado (Ásia-Pacífico) em 2002-2003. Ele foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 2010. Seu website é David-Kilgour.com