Nesta terça-feira (20), o planeta acendeu um alerta vermelho. Nesse dia, a humanidade esgotou o orçamento da natureza para o ano e começamos a operar no vermelho. Os dados são da Rede Global da Pegada Ecológica (GFN), uma instituição internacional parceira da Rede WWF, que gera conhecimento sobre sustentabilidade e tem escritórios na Califórnia (EUA), Europa e Japão.
O Overshoot Day (Dia da Sobrecarga da Terra) é a data aproximada em que a demanda anual da humanidade sobre a natureza ultrapassa a capacidade de renovação possível. Para chegar a essa data, a GFN faz o rastreamento do que a humanidade demanda em termos de recursos naturais (tal como alimentos, matérias primas e absorção de gás carbônico) – ou seja, a Pegada Ecológica – e compara com a capacidade de reposição desses recursos pela natureza e de absorção de resíduos.
Os dados demonstram que, em menos de oito meses, utilizamos tudo o que a natureza consegue regenerar durante um ano. O restante ficou descoberto em nossa conta. À medida que aumenta nosso consumo, cresce o débito ecológico, traduzido na redução de florestas, perda da biodiversidade, colapso dos recursos pesqueiros, escassez de alimentos, diminuição da produtividade do solo e acúmulo de gás carbônico na atmosfera. Tudo isso não apenas sobrecarrega a capacidade de recuperação e manutenção do meio ambiente, como também debilita nossa própria economia.
As mudanças climáticas – decorrentes da emissão de gases de efeito estufa em ritmo mais rápido do que sua absorção pelas florestas e oceanos – são o maior impacto desse consumo excessivo.
“O enfrentamento de tais restrições impacta diretamente as pessoas. As populações de baixa renda têm dificuldade em competir por recursos com o restante do mundo”, afirma Mathis Wackernagel, presidente da GFN e co-criador da Pegada Ecológica, uma medida para contabilizar o uso de recursos naturais.
Preparando-se para o futuro
A contabilidade da Pegada Nacional de 2012 feita pela GFN demonstra que, no ritmo em que a humanidade utiliza os recursos e serviços ecológicos hoje, precisaríamos de um planeta e meio (1,5) para renová-los. Se continuarmos nesse ritmo, precisaremos de dois planetas antes de chegar à metade do século.
A Pegada Ecológica total da China é a maior do mundo, principalmente devido a sua grande população. A Pegada por pessoa da China é muito menor do que aquela dos países da Europa ou da América do Norte; nos últimos sete anos, entretanto, a China ultrapassou os recursos disponíveis por pessoa no mundo todo.
Hoje, mais de 80% da população mundial vive em países que utilizam mais do que seus próprios ecossistemas conseguem renovar. Esses países “devedores ecológicos” esgotam seus próprios recursos ecológicos ou os obtêm de outros lugares.
Nem todos os países demandam mais do que seus ecossistemas são capazes de prover. Mas até mesmo as reservas de tais “credores ecológicos”, como o Brasil, diminuem com o tempo. Não podemos mais manter essa discrepância orçamentária que se alarga entre o que a natureza é capaz de prover e as demandas de nossa infraestrutura, economia e estilo de vida.
“A América Latina e, mais especificamente, a América do Sul está numa posição única no contexto mundial, já que suas reservas ecológicas ainda superam sua Pegada Ecológica na maior parte dessa região”, afirma Juan Carlos Morales, diretor-regional para a América Latina da GFN. “No entanto, esse padrão está mudando e agora, mais do que nunca, os países da América do Sul precisam realmente compreender a produção e o consumo de seus recursos naturais para continuarem competitivos na nova economia”, concluiu Morales.
Hoje somos 7,2 bilhões de pessoas e, se a população ainda está crescendo, as tecnologias da informação e de transporte permitem multiplicar a economia mundial num ritmo ainda mais acelerado. Apesar disso, em muitos casos, as restrições legais e os cuidados ambientais são vistos como obstáculos ao crescimento econômico, ainda traduzido diretamente em desenvolvimento social e progresso.
Por isso, para a GFN e a Rede WWF, em lugar de dilapidar os recursos, é mais sábio tratá-los como uma fonte contínua de riqueza a ser usada de forma sustentável e estratégica, garantindo um futuro seguro para toda a humanidade.
“Para assegurar um futuro limpo e saudável para nossos filhos, é preciso preservar o capital natural que nos resta e cuidar melhor do planeta que chamamos de lar”, afirma Jim Leape, diretor-geral da Rede WWF.
Redução da Pegada Ecológica
Com o objetivo de ampliar o debate sobre o consumo e equilíbrio ambiental, o WWF-Brasil iniciou em 2010 um trabalho pioneiro no Brasil, em parceria com a GFN, a prefeitura de Campo Grande (MS) e parceiros locais. Realizou-se então o cálculo da Pegada Ecológica da capital sul-mato-grossense, primeira cidade brasileira a fazer esse cálculo. Em 2011, realizou-se o cálculo para o estado e para a capital de São Paulo.
De acordo com a secretária-geral do WWF-Brasil, Maria Cecília Wey de Brito, cidadãos e governos têm papel fundamental na redução dos impactos do consumo sobre os recursos naturais do planeta. “Políticas públicas voltadas para esse fim, como a oferta de um transporte público de qualidade e menos poluente, construção de ciclovias e o estímulo ao consumo responsável, por exemplo, são essenciais para reduzir a Pegada Ecológica. E este é um papel dos governos”, ressalta ela.
Já os cidadãos, na opinião de Maria Cecília, devem cobrar dos governos e dos políticos a criação e aplicação de políticas deste tipo. “Mas enquanto elas não existem, podemos fazer nossas escolhas lembrando que nosso planeta é finito, como nossa conta no banco”, salientou ela.
Em Campo Grande, as ações de mitigação para ajudar a reduzir a Pegada Ecológica estão em curso e o estudo de São Paulo, lançado em 2012 durante a Rio+20, ainda carece de uma ação concreta dos poderes estadual e municipal. “O cálculo traz informações importantes que ajudam no planejamento da gestão ambiental das cidades com o direcionamento das políticas públicas de forma a reduzir esses impactos”, afirma o superintendente de Conservação do WWF-Brasil, Michael Becker, responsável pela condução dos estudos.
Além do trabalho com a Pegada Ecológica, a Rede WWF também é parceira da GFN na edição do Relatório Planeta Vivo, que é publicado a cada dois anos. A próxima edição ficará pronta em setembro de 2014.
Esta matéria foi originalmente publicada pelo WWF-Brasil
Com informações da GFN