Um alerta de desespero sobre a crise ambiental na China

06/05/2014 12:56 Atualizado: 06/05/2014 12:56

A sra. Chen, uma residente da cidade de Huaian, estava claramente fora do lugar no programa de televisão “Linha Direta do Governo”, transmitido da província de Jiangsu, no mês passado. Seu sotaque local, o rosto queimado de sol e a avidez e o desespero em segurar o microfone a identificavam imediatamente como uma camponesa do interior.

Mas ela foi convidada para demonstrar no programa algo crucial aos espectadores e às autoridades locais, que também estavam presentes: a água do rio Chami que corria por sua casa se tornou preta. Vejam bem, a água não ficou marrom-escura, mas preta como a tinta dessa cor.

Ela foi chamada ao palco e apresentou uma garrafa de água mineral cheia com o líquido preto. A anfitriã do programa cautelosamente destampou a garrafa, cheirou o conteúdo e recuou com asco. Em seguida, ele passou-a para outros que tiveram a mesma reação.

Uma luta então se seguiu quando Chen agarrou o microfone e indecorosamente caiu de joelhos, implorando que o governo fizesse alguma coisa. “Por favor, me ajudem a resolver a poluição”, gritou ela. “Nós somos idosos e podemos morrer, mas as mãos de nossas crianças começaram a mudar. A pele delas está mudando!”

A anfitriã, perturbada, conseguiu tomar de volta o microfone e ajudou Chen a se levantar. A sra. Chen foi dispensada e os dignitários locais do Partido Comunista foram convocados a responder.

“Esta é uma lição profunda”, disse Shi Weidong, um oficial obeso de óculos que se levantou na primeira fila da plateia. Shi é o diretor do Departamento de Proteção Ambiental no distrito de Qingpu. Seu trabalho é manter o rio Chami limpo.

“Eu realmente não estava ciente disso… Estou muito chocado”, disse ele. “As empresas que espalham poluição devem ser punidas.” (Na verdade, os moradores dizem que se queixaram inúmeras vezes, segundo o Legal Evening News.)

Funcionários com o Partido Comunista Chinês – inclusive os que chefiam apenas órgãos ambientais locais – normalmente não aparecem diante do público para receber críticas e pedir desculpas, nem esboçam preocupação.

O episódio foi uma demonstração direta da gravidade da poluição dos rios da China.

Rios envenenados

Mais de 1.700 incidentes de poluição da água são relatados a cada ano, segundo dados compilados pela conhecida publicação chinesa 21 Century Business Herald. A frequência desses incidentes aumentou rapidamente na última década, segundo o relatório. Apenas no mês passado, dois incidentes de grande escala aumentaram a ansiedade pública sobre a qualidade da água.

Em 23 de abril, o governo de Wuhan, uma cidade populosa da província de Hubei, no Centro da China, anunciou que interromperia o abastecimento de água da cidade devido ao excesso de nitrogênio amoniacal, um poluente tóxico. Mais de 300 mil residentes e centenas de empresas de alimentos foram afetados.

Lanzhou, na província de Gansu, Noroeste da China, também relatou níveis excessivos de benzeno, um produto químico tóxico, no rio que abastece o suprimento de água potável local. Moradores em pânico correram para as lojas em busca de água engarrafada. Descobriu-se que o benzeno estaria presente na água há meses sem ser sido detectado.

Novos padrões de água potável definidos em 2006 pela Comissão Nacional de Saúde e Planejamento Familiar da China correspondem de perto aos recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), mas a fiscalização na China é insignificante.

Especialistas dizem que a punição branda dos poluidores e uma cultura geral de ilegalidade contribuem para a gravidade do problema.

“A punição para essas empresas que poluem a água é irrisória”, disse Wang Yongshang, especialista em poluição da água de Pequim, numa entrevista com a emissora nova-iorquina NTDTV. “A China não tem uma legislação rigorosa para punir essas empresas e o povo chinês não têm o direito de votar em qualquer coisa. É tudo decidido pelas autoridades.”

Poluição subterrânea

Um novo relatório do Ministério de Terra e Recursos da China disse que quase 60% dos 4.778 pontos de monitoramento da água subterrânea apresentam água de “qualidade ruim” e “qualidade extremamente ruim”.

Especialistas da Pesquisa Geológica da China, um instituto de pesquisa afiliado ao Estado, disseram numa conferência em 2010 que 90% das fontes de água subterrâneas da China estão poluídas em algum grau, enquanto 60% estão gravemente poluídas, segundo a mídia estatal Xinhua.

A água subterrânea constitui um terço das fontes de água totais da China e fornece água potável para quase 70% da população. Essa poluição destrutiva e rápida do abastecimento de água subterrânea tem preocupado profundamente os chineses.

“Nesse ritmo de poluição, não demorará muito para que a água subterrânea da China esteja total e severamente poluída”, escreveu Li Shangyong, um professor chinês de economia, no artigo recente “A situação ambiental da China é catastrófica”, publicado na revista China Reform.

Li disse que a poluição da água subterrânea deriva do uso de fertilizantes químicos, dejetos industriais com metais tóxicos, incluindo cádmio, níquel, cobre, arsênico, mercúrio, chumbo, DDT e muito mais. Arroz e vegetais cultivados nessas condições também estão gravemente poluídos. Essa poluição fundamental é difícil de reverter, disse Li, e pode levar décadas ou um século.

“Quando a hora chegar”, escreveu Li, “tanto nós como as futuras gerações perderemos nossa base de sobrevivência.”