Aldeões perdem terras e a vida para financiar governo local na China

27/05/2014 14:03 Atualizado: 27/05/2014 14:03

O segredo obscuro de como os governos locais na China se financiam explodiu violentamente na face do público chinês mais uma vez recentemente, quando centenas de bandidos foram contratados por autoridades locais para esmagar protestos contra a apropriação de terras no Sul do país, resultando em duas mortes, segundo moradores.

Bandidos contratados armados com porretes, barras de metal e facões atacaram uma multidão desarmada de camponeses no município de Taiping, cidade de Shaotong, província de Yunnan, no Sul da China, em 11 de maio. Os manifestantes estavam furiosos porque sua propriedade foi efetivamente roubada por funcionários do Partido Comunista.

O incidente destaca como os governos locais são dependentes da receita de venda de terras para impulsionar o desenvolvimento econômico. Moradores que vivem na terra há décadas são levados à fúria e ao desespero quando suas casas são demolidas sem compensação razoável ou devido processo legal.

O que ocorreu em Taiping ocorre regularmente em toda a China e o incidente serve como uma amostra da desapropriação de terras e das tensões extremas que desencadeiam. Além de dois homens espancados até a morte, pelo menos 20 moradores ficaram gravemente feridos, segundo o website Jasmine Places, que costuma retratar incidentes em massa na China.

Uma das fotos enviadas ao Jasmine Places mostra uma imagem alarmante de um aldeão ensanguentado, sentado numa cama de hospital, com um facão alojado nas costas, entrando no meio das costas e saindo pelo ombro.

Isca e engodo

As apropriações de terras em Taiping começaram em 2000, quando o governo local comprou as terras de alguns moradores pelo baixo preço de 14 mil yuanes por acre (US$ 2.244) e prometeu compensar cada família com um lote de 60 metros quadrados de terra residencial no futuro próximo. Mais de uma década se passou, no entanto, e nenhuma área residencial foi dada aos moradores, cuja terra constitui seu único bem.

“A terra é a vida para nós agricultores. Vimos esses prédios altos serem erguidos em nossa terra um após o outro, mas nos tornamos camponeses sem terra”, escreveu anonimamente um morador local no Tianya, um fórum popular da internet. “Estamos em condição desesperadora… Não há lugar onde possamos dirigir nossas queixas e corrigir essa situação”, escreveu o morador.

Protestos esmagados

No protesto, os moradores estabeleceram tendas na terra disputada. Por volta das 17h em 11 de maio, o secretário municipal do Partido Comunista, Chi Huancai, e vários oficiais da segurança pública levaram mais de 200 bandidos contratados para reprimir os manifestantes. Então, eles começaram a atacar e espancar os moradores, convocaram mais reforços e continuaram a refrega até a meia-noite. Moradores estimam que até 500 criminosos foram direcionados ao local e instruídos a esmagar os protestos.

O morador local Jia Qiyun morreu durante o conflito, enquanto outro aldeão chamado Zhuang Hai morreu num hospital no dia seguinte. Mais de mil moradores indignados e ofendidos se reuniram em frente ao edifício do governo local em 13 de maio, enquanto o corpo sem vida de Jia permanecia num freezer no meio da rua.

Um padrão hediondo

A série de eventos em Taiping é apenas um dos confrontos mais recentes e violentos. Casos semelhantes são frequentemente relatados em toda a China.

No condado de Xia, província de Shanxi, por exemplo, 60 aldeões foram agredidos por bandidos que agiam em nome do governo local. Em 20 de maio, após uma surra, 10 camponeses foram hospitalizados em estado crítico. Os camponeses rebelados conseguiram queimar um veículo oficial durante o conflito.

Apesar do fato de que seus próprios funcionários comandaram esses abusos, o Partido Comunista Chinês está preocupado apenas com a instabilidade resultante.

A Academia Chinesa de Ciências Sociais, um dos principais institutos de pesquisa do regime chinês, disse que dezenas de milhares ou mais de 100 mil “incidentes de massa” como este ocorrem na China a cada ano.

Metade desses incidentes seriam causados por apropriações de terras e demolições arbitrárias de casas. Pelo menos 16 casos de morte em disputas de terra foram relatados pela mídia chinesa no ano passado: algumas vítimas foram espancadas até a morte por bandidos contratados, enquanto outras foram esmagadas por equipamentos de demolição.

Alguns, levados à beira do desespero, cometem suicídio, inclusive por autoimolação, como forma de protesto. A propriedade estatal da terra na China abriu um enorme espaço para o abuso de poder, a corrupção e acordos secretos.

Mas há poucos indícios de que o problema tenha solução. Os governos locais são fortemente dependentes do financiamento obtido pela negociação da terra pelo menos por uma década: o mercado imobiliário responde por até 40% das receitas do governo local, segundo o China Securities Daily. Com o grande aumento na dívida do governo local em toda a China, isso sugere que as autoridades do regime chinês apenas aumentarão as desapropriações.

No caso de Taiping, a morte do aldeão Jia não resultou em qualquer punição para seus assassinos. A morte foi reconhecida num curto comunicado no website do governo local, mas mencionou apenas que ele “caiu de repente no chão” durante uma disputa, e reconheceu que “a família repudiou a explicação da causa da morte de Jia”, mas em seguida passou a culpá-los por bloquear o tráfego por várias horas.