Políticas equivocadas aumentam produção em curto prazo, mas podem transformar a Índia num importador de alimentos
Após décadas à margem do comércio agrícola internacional, a Índia estava pronta no ano passado para se tornar um dos principais fornecedores de alimentos, superando exportadores tradicionais de grãos e carne. Mas isso pode ser fogo de palha.
A súbita ascensão e queda da Índia como exportador de alimentos é de sua própria autoria: um cálculo populista da coalizão governista, sacrificando uma política sustentável. O destaque da Índia como exportadora de grãos também pode sinalizar o declínio geral da indústria agrícola do país, com níveis aquíferos em queda e degradação do solo.
A Índia tem sido o gigante adormecido da agricultura global. Apesar de ser o segundo maior produtor agrícola mundial, por exemplo, de arroz e trigo, ela tem sido lenta para integrar-se aos mercados globais, preferindo manter uma política comercial relativamente restritiva. O país limita as importações de produtos como sementes oleaginosas e sementes de leguminosas de alta proteína (como feijão e lentilha), que não podem ser produzidas internamente em quantidades adequadas. A Índia tende a reduzir as exportações para salvaguardar o abastecimento interno.
Mas isso mudou. A Índia superou a Tailândia para se tornar o maior exportador de arroz do mundo – suas remessas representaram 25% das exportações globais. Exportações de trigo também subiram acentuadamente, com a participação da Índia atingindo 5%. O país também ultrapassou o Brasil ao se tornar o maior exportador mundial de carne bovina, capturando 24% do mercado.
No entanto, a posição recente da Índia como líder exportador de alimentos será de curta duração. Políticas governamentais que priorizam a produção de arroz e trigo e uma nova lei de direito alimentar que está agora no Parlamento não aumentará a segurança alimentar. Em vez disso, as políticas conduzirão à inflação, acelerarão a transformação da Índia num importador de grãos e aumentarão sua dependência dos mercados globais de alimentos não-cereais. A Índia será forçada a entrar no mercado global de alimentos e não nos próprios termos.
O principal motor das exportações excepcionalmente grandes de grãos da Índia no ano passado e de sua mudança para um grande importador de alimentos é o sistema governamental de contratos de alimentos e distribuição, criado para fornecer arroz e trigo subsidiado para os pobres.
O sistema deve funcionar assim: O governo oferece incentivos de produção aos agricultores, comprometendo-se a comprar arroz e trigo anualmente a preços mínimos de apoio (PMA), com agricultores livres para vender diretamente ao mercado pelo preço de mercado ou ao governo pelo PMA, o que for maior.
Os PMAs são supostamente destinados a proporcionar segurança aos agricultores em caso de um colapso nos preços de mercado. O grão adquirido pelo governo, por estados individuais e pela ‘Food Corporation of India’ (FCI) é então adicionado a uma reserva central administrada pela FCI. Estoques de grãos na reserva central são então distribuídos aos pobres por meio do Sistema de Distribuição Pública (SDP).
Na realidade, o sistema produz uma série de resultados disfuncionais, incluindo a inflação dos alimentos, a superprodução de arroz e trigo em relação a commodities de não-cereais, o estoque excessivo de grãos e a rápida erosão da capacidade agrícola produtiva do país.
Armadilhas da política
A política pró-cereal tem sido bem sucedida em aumentar a produção, mas a um custo. A produção de alimentos não-cereais como leguminosas, oleaginosas, frutas e legumes – em demanda crescente que acompanha o aumento da renda – está defasada, elevando os preços e beneficiando os países que atendem a demanda crescente da Índia.
O compromisso do governo de comprar trigo e arroz a PMAs cada vez mais elevados tem gerado um ciclo cada vez maior de aquisição. Isto também contribui para a inflação dos alimentos.
Altos níveis de aquisição resultaram em rápida acumulação dos estoques de grãos, hoje 66 milhões de toneladas, mais que o dobro das reservas de segurança necessárias. Para colocar isto em perspectiva, os estoques de trigo da Índia são equivalentes a toda a produção anual de grãos da Austrália, enquanto seus estoques de arroz são 50% maiores do que a produção anual da Tailândia.
O nível de estoque excede em muito a capacidade de armazenamento do governo e resulta em desperdício significativo. O governo estimou evitáveis perdas pós-colheita de grãos em cerca de 20 milhões de toneladas por ano, o equivalente a 10% da produção total. Diante de estoques excessivos e da necessidade de abrir espaço para a próxima safra, o governo é forçado a recorrer às exportações.
Essas exportações e todo o ciclo de eventos que as tornam necessárias são insustentáveis. Estados celeiros da Índia estão chegando ao limite da capacidade produtiva. A superprodução de grãos, devido aos crescentes PMAs, tem esgotado rapidamente as reservas aquíferas subterrâneas e reduzido drasticamente a fertilidade do solo.
Perversamente, a Lei Nacional de Segurança Alimentar planejada pelo governo só acelerará este processo. O projeto de lei cria um direito à alimentação para dois terços do 1,2 bilhão de pessoas da Índia e obriga o governo a distribuir grãos altamente subsidiados em grande escala.
A lei de segurança alimentar aumentará as metas de aquisição e exigirá PMAs mais elevados, distorcendo ainda mais o incentivo dos agricultores ao cultivo de grãos. A lei reduzirá os excedentes exportáveis pelos próximos dois anos, porque exigirá que a FCI forme maiores estoques de grãos para evitar ter de recorrer a importações grandes e caras em caso de uma seca. A lei também acelerará a transformação da Índia num importador de grãos, colocando pressão extra sobre a terra já sobrecarregada.
O resultado final dessas políticas será a integração forçada da Índia nos mercados agrícolas globais, não apenas como um importador de grãos, mas também como um grande comprador de commodities de não-cereais. Isso beneficiará os exportadores de grãos nas Américas, os produtores de leguminosas como o Canadá, Austrália e Birmânia e os exportadores de óleo de palma na Indonésia e Malásia.
Os indianos sairão perdendo. A inflação dos alimentos, impulsionada principalmente pelos alimentos ricos em proteínas, como leguminosas, laticínios, carne e ovos, além da escassez pós-colheita de grãos no mercado aberto, continuarão a pesar nos rendimentos. A volatilidade dos preços aumentará enquanto a dependência do país das importações aumentará a exposição às vicissitudes dos mercados globais. O gigante adormecido da agricultura global pode estar acordando para um pesadelo.
Deepak Gopinath é o diretor de mercados globais do serviço de consultoria e pesquisa de mercados emergentes Trusted Sources. Com a permissão de YaleGlobal Online. Copyright © 2013, Centro Yale para o Estudo da Globalização da Universidade de Yale.
—
Epoch Times publica em 35 países em 21 idiomas.
Siga-nos no Facebook: https://www.facebook.com/EpochTimesPT
Siga-nos no Twitter: @EpochTimesPT