Agência Estatal de Tabaco da China diz ‘Não’ para rótulos de advertência à saúde

22/03/2016 22:37 Atualizado: 23/03/2016 09:32

Fumantes de cigarro em mais de 65 países ao redor do mundo têm sido obrigados a refletir um pouco a respeito dos malefícios do fumo quando enfrentam imagens perturbadoras de pulmões, garganta e outros órgãos doentes em suas embalagens de cigarros. Porém, a administração estatal do tabaco na China recentemente decidiu continuar poupando centenas de milhões de fumantes deste lembrete visceral em relação ao que será de seu futuro, uma medida que provocou diversas críticas na internet por usuários chineses.

Em entrevista a jornalistas durante a Sessão Anual da Legislatura do Carimbo na China, Duan Tieli, vice-ministro da Administração Metropolitana Estatal de Tabaco da China, disse que o país não tem planos para colocar rótulos gráficos de advertência em maços de cigarros, pois isso poderia “violar a cultura tradicional chinesa”, de acordo com a mídia estatal da China Legal Evening News, em 15 de março. Duan acrescentou que a China não estaria violando a Convenção da Organização Mundial de Saúde para o Controle do Tabaco, que a China assinou em 2003.

O que ocorre é que colocar as imagens de advertência também prejudicaria gravemente o monopólio estatal baseado na venda de cigarros.

De acordo com o artigo 11 da Convenção do Tabaco, as embalagens dos produtos de tabaco devem levar mensagens de alerta à saúde. Os produtos de tabaco atualmente vendidos na China cumprem os requisitos mínimos da convenção, que exige um aviso de saúde escrito que cubra pelo menos 30% da área de visualização principal.

A maioria dos países em todo o mundo adotam as exigências mais rigorosas das convenções de tabaco. Por exemplo, a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA requer que os produtos de tabaco exibam rótulos de aviso gráficos em toda a metade superior de ambos os painéis dianteiros e traseiros das embalagens de cigarros.

Leia também:
Privacidade do iPhone está por um fio na China
O bom, o ruim, e o pior cenário para a economia chinesa
Inovação e liberdade são os maiores problemas da China, aponta estudioso chinês

Os rótulos gráficos de advertência têm provado mais eficácia para motivar as pessoas a pararem de fumar do que advertências apenas com textos e embalagem simples, de acordo com a revista científica Addictive Behaviors Reports. De acordo com Raymond S. Naiura, diretor de ciência no Schroeder Institute for Tobacco Research e Policy Studies at Truth Initiative em Washington, “os reguladores podem e devem usar esta pesquisa para criarem etiquetas de advertência mais eficazes e mensagens para os fumantes que decidam enxergar os efeitos negativos do tabagismo, com o objetivo de instigar pensamentos e ações que ajudem os fumantes a pararem de fumar”.

No Sina Weibo, uma rede social da China semelhante ao Twitter, os internautas criticaram Duan Tieli por suas declarações, e afirmaram que as mesmas apontam para um sério problema na China. Um internauta de Chongqing, com o apelido de “Village Mushroom”, escreveu: “A renda do chefe da administração do tabaco teria uma certa perda se as imagens de advertência fossem adicionadas.”

“Será que a administração do tabaco não tem vergonha agora, quando se trata de fazer dinheiro”, perguntou “Laksa_Berlin”, um internauta de Xangai.

“Senior Xie Talks”, apelido de outro internauta da província de Shandong, escreveu: “Os governantes da dinastia Qing, em certo momento, aprovaram uma ​​lei que proibia fumar. Tornou-se muito claro para quem o departamento atual de governo serve. Todo o sistema fundamentalmente não serve o povo.”

Durante o governo do imperador Kangxi, da dinastia Qing (1644-1912), aqueles que possuíam tabaco enfrentavam a pena de morte. Esta proibição nacional do tabaco foi ampliada a partir do que foi implementado pela primeira vez durante a dinastia Ming (1368-1644), que só se aplicava aos dependentes de tabaco.

Os governantes Qing, no entanto, não foram capazes de erradicar completamente as importações de tabaco e ópio para a China durante um período de imperialismo em meados do século 19. No século 20, tanto o governo nacionalista quanto o Partido Comunista Chinês realizaram diversas tentativas para permitir o consumo de tabaco. Em junho de 2015, já havia cerca de 300 milhões de fumantes na China, e cerca de 1,4 milhões de mortes anuais por doenças relacionadas ao fumo, de acordo com o Diário do Povo, porta-voz do Partido Comunista.

Guardião comprometido

Hoje, o regime chinês goza de um monopólio quase que total sobre a venda de produtos do tabaco na China (a China Tobacco, maior fabricante de tabaco do mundo, é uma entidade estatal chinesa). De acordo com um relatório da Xinhua, publicado em janeiro de 2016, a administração do tabaco arrecadou um esplêndido 1,14 trilhão de yuans (cerca de R$ 627 bilhões) em receitas fiscais em 2015, um aumento de 20,2% em relação ao ano anterior.

Já que os fabricantes e reguladores de tabaco na China fazem parte do mesmo grupo, ao contrário dos EUA por exemplo, os internautas chineses estão preocupados que a administração estatal do tabaco priorize lucrar com os cidadãos chineses, não colocando os rótulos gráficos de advertência nas embalagens de cigarros, ao invés de se preocuparem com a saúde de sua população.

A administração do tabaco, no entanto, adiciona rótulos gráficos de advertência nas embalagens de cigarro que são exportadas para países que exigem as etiquetas, como Tailândia e Hong Kong.

Cigarros Chunghwa, uma marca de cigarros chinesa, que vem em embalagens diferentes quando vendido na China (E) e Tailândia (D) (Sina)
Cigarros Chunghwa, uma marca de cigarros chinesa, que vem em embalagens diferentes quando vendido na China (E) e Tailândia (D) (Sina)