A ideia de ajudar uma mulher grávida, por exemplo, cedendo-lhe um assento no ônibus ou trem, está enraizada na cultura ocidental e chinesa como algo correto a se fazer. Mas isto foi perturbado recentemente quando uma menina de 17 anos, após ajudar uma mulher grávida na rua, foi drogada, estuprada, morta, colocada numa mala e jogada no mato, na província de Heilongjiang, norte da China.
A internet na China reagiu com choque e indignação e espalhou a história amplamente. O caso foi adicionado a uma lista de tais incidentes chocantes que têm contribuído para a relutância do povo chinês em ajudar e confiar uns nos outros.
Uma pesquisa no Sina Weibo, uma plataforma chinesa similar ao Twitter, fez a seguinte pergunta: “Você ajudaria uma mulher grávida a atravessar a rua?” Dos 1.054 votos, 86,7% disseram: “Não, tenho medo de ser enganado.” Menos de 20% votaram: “Sim, eu ainda faria isso, pois muitas pessoas são boas.”
“O que este incidente tirou não foi apenas a vida de uma jovem, mas toda a compaixão neste mundo”, escreveu um internauta de Shanxi após ver os resultados.
O incidente ocorreu em 24 de julho, quando uma mulher grávida de sobrenome Tan fingiu estar doente na rua. Depois de atrair a jovem chamada Hu Yixuan até sua casa, a mulher ofereceu um iogurte com soníferos dissolvidos. Após as drogas fazerem efeito, o marido violentou sexualmente a menina, antes que o casal a sufocasse com um cobertor e a enterrassem a poucos quilômetros de distância de seu município, onde a polícia a encontrou dias depois.
Mais de 160 websites se conectaram ao artigo original do Diário da Manhã de Heilongjiang, um jornal estatal local, e os internautas produziram mais de 364 mil mensagens com tags com o nome da vítima logo após a publicação da história.
Esta não é a primeira vez que a China tem visto pessoas explorarem a bondade dos outros. Em 2007, um jovem de Nanjing, Peng Yu, foi multado em 6 mil dólares em contas médicas pela mulher que ele ajudou.
Em 2012, Yi Jianbin ajudou uma mulher ferida num acidente de trânsito, apenas para ver os parentes da acidentada culpando-o e exigindo compensação. Depois que Yi processou a família e ganhou, ele perguntou: “De agora em diante, eu deveria ajudar as pessoas ou é melhor simplesmente ignorá-las?”
Como Yi, muitos chineses têm se tornado relutantes em auxiliar estranhos. Um caso famoso foi o de uma menina de dois anos que morreu de perda de sangue em 2011, após ser atingida por uma van. Dezoito pessoas passaram caminhando a seu lado sem ajudá-la.
Mark Mackinnon, o chefe do escritório de Pequim do jornal canadense ‘Globe and Mail’, disse que os chineses são simpáticos aos necessitados, mas “o sistema legal aqui é imprevisível e injusto para aqueles sem dinheiro e com conexões políticas. Envolver-se pode muitas vezes trazer problemas.”
Mais de mil pessoas do condado de Huanan foram ao memorial da jovem Hu Yixuan, segundo o artigo local. Várias pessoas exibiram faixas que diziam: “Pequeno anjo, tenha uma viagem tranquila e segura” e acenderam velas para ela. Outros escreveram bênçãos em lanternas de papel que foram lançadas para flutuar nos céus da região.
Hu Yixuan, a vítima adolescente, foi descrita por amigos como extrovertida, alegre e interessada em moda e beleza. Ela era enfermeira interna no hospital do município.
Em sua página no QQ, um serviço chinês de mensagens instantâneas, suas últimas postagens mostram uma jovem dada à autorreflexão. “Meu mau humor rechaçou tantas pessoas, mas aqueles que ficam são verdadeiros amigos”, escreveu ela. “Ser uma boa companhia é a melhor demonstração de amor.”
“Esta menina era tão bondosa. É trágico que algo assim tenha ocorrido com ela. Depois que li sua história no jornal, fiquei extremamente irritado”, disse o Sr. Xu ao Diário de Heilongjiang. Outro local, a Sra. Liu, disse quase em lágrimas ao jornal: “Estamos aqui para dizer adeus à menina e espero que sua alma possa descansar em paz no céu.”
Uma internauta da província de Shandong questionou no Sina Weibo: “A vítima era uma menina tão bonita. Não se pode sequer fazer uma boa ação mais sem ser explorado. O que há de errado com as pessoas?”