O acelerado ritmo de crescimento das áreas ocupadas com cultivos geneticamente modificados em várias partes do mundo cria no mercado a expectativa de que o número de pedidos para liberação comercial de transgênicos no Brasil aumente ainda mais nos próximos anos, já que o país tem grande capacidade produtiva e uma extensa área de plantio que ainda pode ser utilizada. Para se ter uma ideia do potencial de expansão das plantas geneticamente modificadas em um país com extensão territorial de dimensões continentais, os Estados Unidos, segundo relatório publicado este ano pelo Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Biotecnológicas (ISAAA, na sigla em inglês), plantaram um total de 69,5 milhões de hectares com transgênicos em 2012.
Segundo colocado, com 36,6 milhões de hectares plantados, o Brasil já se posiciona bem à frente dos outros principais produtores mundiais de transgênicos: Argentina (23,9 milhões de hectares), Canadá (11,6 milhões), Índia (10,8 milhões) e China (4 milhões). Atualmente, segundo o relatório do ISAAA, os transgênicos são legalmente cultivados em 28 países e já estão presentes em todos os continentes, num total de 170,3 milhões de hectares plantados. O último país a entrar no rol dos produtores de plantas geneticamente modificadas foi Cuba, que no ano passado começou a plantar milho com tecnologia B.t.
No mercado internacional, o principal comprador de transgênicos produzidos no Brasil hoje é a China, que fica com 70% da produção brasileira de soja geneticamente modificada, segundo a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT), entidade filiada à Associação Nacional dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil): “Para se ter uma ideia da importância chinesa, a Monsanto só decidiu começar de fato o plantio com a nova semente Intacta depois que foi liberada sua importação pela China, o que é uma garantia de venda. Eles esperaram por duas safras no Brasil, mas enquanto a China não bateu o martelo não dava para usar a nova soja transgênica”, diz Nery Ribas, diretor técnico da entidade.
O relatório do ISAAA revela que em 2012, pela primeira vez, a área plantada com transgênicos nos países desenvolvidos (48%) foi superada pela área plantada nos países em desenvolvimento (52%). Nesse contexto, os países ditos emergentes têm papel de destaque, liderados pelo Brasil que, segundo o ISAAA, a partir da próxima safra já será responsável por um quarto dos transgênicos cultivados em todo o mundo. Entre os países do grupo conhecido como Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), somente a Rússia continua livre de transgênicos.
A posição russa está alinhada com a da União Europeia (UE) que, assim como o Japão, rejeita o plantio e dificulta a comercialização de transgênicos em seu território. Na Europa, a rejeição ao consumo de frutas, legumes e verduras transgênicos é tão disseminada no imaginário da sociedade que países como Itália, França, Bélgica e Bulgária, entre outros, já proibiram totalmente o cultivo de plantas geneticamente modificadas em seu território.
No Japão, a proibição é levada a sério ao ponto de o Ministério da Agricultura ter cancelado, em maio, a importação de parte das 750 mil toneladas de trigo que o país havia comprado este ano dos Estados Unidos. A proibição aconteceu após o Departamento de Agricultura estadunidense ter anunciado a descoberta de contaminação de uma plantação no estado do Oregon por uma variedade transgênica de trigo RoundUp Ready, desenvolvida pela Monsanto. O detalhe é que o plantio de trigo geneticamente modificado para fins comerciais jamais foi autorizado em nenhum país, nem mesmo nos EUA.
Monsanto desiste da Europa
Responsável por autorizar a entrada de transgênicos nos países da UE, a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA, na sigla em inglês) liberou até hoje pouco mais de 50 produtos compostos por transgênicos para alimentação humana ou animal. Apenas dois tipos de cultivo em território europeu, no entanto, foram liberados em todos esses anos: o milho MON 810, desenvolvido pela Monsanto e cultivado desde 2008 na Espanha, Alemanha, Portugal, Polônia, República Tcheca, Eslováquia e Romênia, e a batata Amflora, desenvolvida pela Basf e cultivada desde 2010 na Alemanha e na Suécia.
A Espanha, com 97,3 mil hectares plantados com o milho modificado da Monsanto, é o país europeu que tem hoje a maior área cultivada com transgênicos. Por outro lado, o plantio do MON 810 foi completamente proibido na França, Alemanha, Grécia, Áustria, Hungria e Luxemburgo. A batata Amflora da Basf, por sua vez, teve a entrada proibida na Áustria, Hungria, Polônia, França e Luxemburgo.
Em julho, o porta-voz da Monsanto divulgou um comunicado oficial no qual a empresa estadunidense afirma sua desistência de levar adiante todos os projetos envolvendo o cultivo de transgênicos na Europa. Na mesma ocasião, o porta-voz afirmou que “o foco da empresa, no que diz respeito ao desenvolvimento de transgênicos, são os Estados Unidos e a América Latina”, e que a Monsanto continuará pedindo à UE autorizações para importar transgênicos colhidos nos EUA, no Brasil e na Argentina.
Soja convencional
Mesmo com apenas 12% de sua última safra composta pela soja tradicional, o agronegócio brasileiro também vai bem nesse nicho de mercado. A possibilidade de exportação para a Europa e o Japão faz que o país seja hoje o maior produtor mundial da chamada soja convencional, setor que hoje proporciona uma maior lucratividade que a soja transgênica. Segundo a Associação Brasileira de Produtores de Grãos Não Geneticamente Modificados (Abrange), os agricultores brasileiros recebem de compradores japoneses e europeus um valor adicional que pode chegar a até R$ 8 por cada saca vendida do grão convencional, que se tornou um artigo de luxo.
Por outro lado, como a lavoura convencional não pode ter nenhum contato direto ou indireto com a lavoura transgênica, sob risco de contaminação, os agricultores que optam por exportar a soja convencional têm hoje um custo extra por serem obrigados a separar máquinas, equipamentos e silos para uso exclusivo. Ainda assim, diz a Aprosoja com base em estudos do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), os custos entre as produções convencional e transgênica hoje se equivalem: “A economia feita com equipamentos e mão de obra é consumida, em muitos casos, no pagamento de royalties pela utilização da tecnologia transgênica”, diz Nery Ribas.
A importância dos mercados europeu e japonês para a soja convencional brasileira hoje é tão grande quanto a dos mercados dos Estados Unidos e da China para a soja transgênica: “Não podemos abandonar ou relegar a um segundo plano a soja convencional. Se formou um nicho de mercado interessante para a soja convencional, em termos de preço e valorização na comercialização, com países europeus e alguma coisa no Japão. A produção não pode passar de um determinado volume que já degringola, mas, até esse volume, o produtor tem bônus, tem prêmio e preço e não tem royalties para pagar. Então, a soja convencional proporciona hoje ao produtor uma renda bastante interessante”, diz Ribas.
Dirigente da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Jean Marc von der Weid ressalta que a reserva de mercado para a soja convencional brasileira na Europa e no Japão é importante também para a resistência contra o domínio total da soja transgênica em nossa lavouras: “Garantimos um espaço de produção não transgênica vital para poder abastecer o mercado europeu que resiste aos transgênicos. Sem essa produção brasileira, os europeus teriam, por exemplo, de se render às empresas de transgenia por falta de opção de oleaginosas para alimentação animal”, diz.
Para parte dos produtores brasileiros, a resistência da soja convencional é também esperança de que as exportações no setor voltem a se qualificar no futuro, já que um efeito colateral do avanço dos transgênicos no Brasil foi a queda nas vendas para o mercado externo dos derivados da soja com maior valor agregado que o grão in natura, como óleo, farelo e outras formas do grão processado.
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Repórter Brasil