A abordagem para lidar com o crime internacional de falsificação foi, até recentemente, baseada em torno de tentar negociar com o principal autor: a China.
Mas os tempos mudaram. Entre os impactos dos documentos vazados pelo ex-contratado da NSA Edward Snowden – que expôs a espionagem internacional da NSA –, deu-se o fim de qualquer possibilidade de discussão com a China sobre o roubo de propriedade intelectual pelos próximos anos.
Assim, o foco mudou e os Estados Unidos e seus aliados visam agora a impedir por outros meios a ciberespionagem da China e o subsequente fluxo de produtos falsificados.
Em Times Square, Nova York, em 14 de janeiro, um exemplo visível desta nova abordagem foi ao ar na tela da NASDAQ.
Um anúncio público na grande tela mostrou crianças exploradas e homens armados, dando uma breve introdução aos laços escuros que se ligam a indústria da falsificação com o crime organizado.
Os produtos falsificados e o roubo de propriedade intelectual caminham lado a lado. Os criminosos e Estados que procuram explorar os mercados de empresas estrangeiras roubam seus projetos de produtos e então fabricam suas próprias cópias.
Trabalho infantil
A indústria de falsificação “apoia o trabalho infantil, crianças de 7 anos acorrentadas a máquinas de costura que comem duas refeições de arroz por dia”, disse Valerie Salembier, presidente da Authentics Foundation, uma organização sem fins lucrativos que luta contra os perigos das falsificações.
Salembier era editora da Harper’s Bazaar quando esta imprimiu uma matéria investigativa sobre a indústria de falsificação em janeiro de 2009, incluindo uma visão de dentro de uma fábrica em Guangzhou, na China, onde duas dúzias de crianças de 8 a 14 anos confeccionavam bolsas em máquinas de costura enferrujadas.
Salembier disse que a resposta do público ao artigo da Harper’s Bazaar a fez acreditar que a educação pública pode ser uma ferramenta poderosa contra a indústria da falsificação. “Essas histórias de meninas que trabalham em fábricas na China; a resposta que obtivemos pela história foi impressionante”, disse ela.
Problemas de Cooperação (da China)
Enquanto poucos duvidariam que a campanha do ‘Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime’ (UNODC) é um passo na direção certa, ele é uma reminiscência de problemas levantados quando o Acordo Comercial Anticontrafação (ACTA) foi assinado em outubro de 2011 pelos Estados Unidos, Austrália, Canadá, Coreia, Japão, Nova Zelândia, Marrocos e Cingapura.
Especialistas argumentaram então – como fazem agora – que qualquer esforço significativo para acabar com a falsificação requer uma ampla cooperação da China. E as autoridades chinesas não mostram qualquer interesse sério em desenraizar a indústria da falsificação.
Estima-se que 15-20% de todos os produtos fabricados na China sejam falsificações, segundo o Centro de Estudos Internacionais do MIT. O Penn State Journal of Law & International Affairs também relatou em 2012 que cerca de 80% dos produtos falsificados apreendidos nas fronteiras dos EUA vem da China.
Pedir as autoridades chinesas que impeçam o fluxo de contrafações é “impossível, especialmente porque 8% do PIB da China é baseado em produtos falsificados”, disse Daniel Katz, especialista sobre os efeitos da terceirização da produção, em entrevista por telefone. “Uma enorme quantidade da receita deles vem disso, então como eles poderiam apenas se desfazer dessa receita? Com o que eles substituirão isso? É uma situação que não pode ser desfeita até que a China mude como um país”, disse Katz.
Alertar o consumidor
A campanha de conscientização pública, “Falsificações: Não compre do crime organizado”, está sendo promovida pelo UNODC. Claro, a China é um membro do UNODC, mas a campanha não faz qualquer menção à China. O foco é exclusivamente o crime organizado transnacional; na lista estão grupos como as tríades chinesas, a máfia italiana e a Yakuza japonesa.
“O objetivo da campanha é fazer o consumidor olhar por trás das compras que fazem, especialmente se eles conscientemente compram produtos falsificados, e fazem uma escolha eticamente informada sobre suas compras”, disse Alun Jones, o chefe da divisão de comunicação e defesa para políticas de análise e assuntos públicos do UNODC, num e-mail.
Jones disse que a campanha é parte de uma iniciativa maior do UNODC, que começou em meados de 2012, para aumentar a conscientização sobre o crime organizado e os esforços da ONU contra ele.
E o escopo do problema não pode ser subestimado. Jones disse que o comércio global de falsificações gera US$ 250 bilhões por ano “e é provavelmente o segundo mais lucrativo dos grupos criminosos organizados após o tráfico de drogas”.
Parar o fluxo
Pela primeira vez em maio de 2013, o Pentágono abordou a China diretamente sobre seus ciberataques destinados a roubar inteligência corporativa dos EUA. Isto veio apenas um mês depois que a Microsoft ganhou um caso de destaque num tribunal de Pequim, um processo contra o proprietário e gerente chinês da Bai Nao Hui sobre a disseminação de cópias falsificadas do Windows na China.
Também em maio de 2013, Jon Huntsman Jr., o ex-embaixador dos EUA na China e agora copresidente da ‘Comissão sobre o Roubo de Propriedade Intelectual Americana’, disse que, segundo o New York Times: “A China representa dois terços do problema de roubo de propriedade intelectual, e estamos num ponto em que ela está nos roubando inovações para fortalecer sua própria indústria ao custo de milhões de empregos.”
Para a liderança comunista chinesa – que censura amplamente a internet e controla rigidamente a mídia nacional – a imagem pública tem importância. E foi justamente sua imagem pública que é manchada pela exposição de suas campanhas de espionagem e roubo.
No entanto, a tentativa do governo americano de discutir com a liderança chinesa descarrilou devido aos vazamentos de Snowden sobre a espionagem da NSA. Mesmo que a NSA tenha como alvo a inteligência estrangeira, em vez de segredos comerciais, os chineses usaram as revelações para acusar os Estados Unidos de hipocrisia. Como este diálogo já não é possível, outras propostas têm sido esboçadas para lidar com os produtos falsificados chineses e o roubo de propriedade intelectual.
Muitas propostas foram delineadas num relatório de 2013 elaborado pela ‘Comissão Econômica e de Segurança EUA-China’ para o Congresso americano. Elas incluem proibir as importações de empresas chinesas que imitam produtos americanos, prevenir empresas chinesas violadoras de usarem os bancos dos EUA e estabelecer sistemas mais eficientes para empresas norte-americanas abrirem processos internacionais.
Mas um grande problema é que a falsificação está enraizada no modus operandi da própria liderança comunista chinesa, segundo Greg Autry, economista sênior do American Jobs Alliance e coautor de “Death by China“.
“Como indivíduos, eles de fato não julgam que o roubo de propriedade intelectual seja um problema”, disse Autry em entrevista por telefone. “Sob a ideologia comunista, é claro, eles acreditam que tudo é comum” e, portanto, todo ato é válido para alcançar sua meta utópica.
“No sistema comunista, é necessário se prostrar diante das autoridades de Pequim”, disse ele. “É uma decisão política que move algo ou alguém para frente. Ter grandes ideias não é o que garante seu sucesso – roubar grandes ideias de outras pessoas e ajudar os líderes a lucrarem é o que faz alguém ser promovido.”