Nos dois artigos anteriores, abordamos sucintamente a formação do ego (nosso eu mais rudimentar e superficial), e vimos que os conflitos interpessoais e sociais não podem ser resolvidos a partir dele, já que ele mesmo é o responsável e perpetuador de tais conflitos.
O nosso ego não só cria e perpetua conflitos, como nos coloca e mantém em uma montanha-russa de emoções, devido às contínuas expectativas e frustrações de nossos desejos. De fato, o nosso ego cria uma vida de contínuas ilusões e sofrimentos para nós mesmos. Ele formula desejos e aspirações sem fim, e projeta-os continuamente no mundo. No entanto, tais desejos são muitas vezes frustrados amargamente pelas condições naturais da existência humana.
A cada aspiração não concretizada surge o sofrimento. E isso se dá porque os desejos e vontades do nosso eu rudimentar são apenas formas emocionais superficiais de satisfazermos nossas carências e fugirmos do sofrimento – o que, certamente, não resolve as questões reais profundas, e gera contínuas frustrações na vida. Porém, uma vez que um forte apego que temos é negado definitivamente pelas circunstâncias da vida, e depois que experimentamos a profunda desilusão, o impulso interminável de projeções de nossos desejos no mundo para. Surge então o vazio interior, e a aquietação da mente.
Quando perdemos alguém que amamos muito, quando nossas ambições mais intensas e objetivos mais importantes são frustrados, ou quando nossos desejos mais ardentes e expectativas mais excitantes são negados fundamentalmente, caímos num estado de choque e imobilização do ego, que, por sua vez, gera em nós um vazio de expectativas. Isto, consequentemente, nos leva ao silêncio interior.
Uma vez que nos deparamos com a profunda frustração e impossibilidade, com a dor da perda altamente significativa, o movimento egoísta e ansioso do ego deixa de existir. E se não houver o uso de nenhuma artimanha ou fuga, como drogas, bebidas, jogos, sexo, remédios, namoros imediatos e outras, então o encantamento e a obsessão promovidos pelos anseios do ego se dissolvem, e o coração do indivíduo se torna livre. Nesse estado, a pessoa volta a abrir os seus olhos para o mundo, para as pessoas e para as coisas ao seu redor. Sua atenção se torna presente e em contato com a realidade imediata que o cerca, e seus sentimentos passam a ficar livres, não egoístas e cheios de compaixão natural por tudo o que o cerca.
Quando chega nesse estado e não recai em nenhum novo desejo e anseio intenso do ego, a pessoa vai ampliando naturalmente a sua atenção e consciência sobre as coisas, já que não está mais obcecada com seus próprios pensamentos e desejos. Além disso, ela naturalmente deixa de lutar com as pessoas pelas suas vontades e interesses particulares. Ao contrário, agora cada necessidade do outro e cada sofrimento alheio passam a lhe importar de verdade. É somente nesse nível de existência, nesse estado interior livre do ego, que as ações se tornam realmente altruístas e as iniciativas levam em conta, de fato, cada um e todos os demais – o eu pessoal para de ter tanta importância como tinha antes. Viver passa a ser naturalmente um estado de comunhão com os outros seres humanos e, inclusive, com os demais seres vivos.
Estar livre da obsessão do ego e seus desejos é a única forma real de interagir de maneira amorosa e transformadora no mundo. Enquanto uma pessoa estiver atada e dirigida pelo seu ego, a utopia mais bela, os ideais mais perfeitos, os planos e iniciativas mais encantadores e as ideologias mais promissoras ainda serão subprodutos de egos envaidecidos, ressentidos ou ingênuos.
Somente quando o ego e os anseios emocionais do eu superficial são removidos é que surge a inocência, o amor verdadeiro, o altruísmo e a perfeita clareza mental (a sabedoria que está além dos pensamentos egoístas). É exatamente por isso que todos os caminhos espirituais verdadeiros e mestres espirituais genuínos ensinaram o desapego, o fim do desejo pessoal, como forma de alcançarmos a verdadeira felicidade, a comunhão humana e a ascensão espiritual.
Isso mostra que não é somente a frustração dos nossos desejos e a nossa profunda desilusão que nos levam a desencantarmo-nos com o nosso ego e suas aspirações. Os verdadeiros caminhos espirituais ensinam como chegar a esse estado de genuína felicidade, sabedoria e profunda comunhão conosco e com os demais, de um modo amoroso, crescente e sério. É claro que atualmente é muito difícil encontrar um caminho genuíno que não tenha sido corrompido pelos seus próprios representantes, devido a seus desejos egoístas e noções humanas superficiais. Por isso, é preciso encontrar um caminho que evidencie claramente como propósito central o abandono gradual dos apegos, que nos estimule o interesse pelos demais, a elevação do caráter humano, a busca do eu verdadeiro e o aprimoramento da consciência espiritual.
A situação da humanidade é extremamente grave, pois os conflitos sociais se intensificam atualmente, e a distorção e a corrupção do espírito humano estão corroendo todas as estruturas sociais. Para quem sinceramente deseja encontrar a solução para todo esse emaranhado caótico, e atuar de forma realmente transformadora e benéfica para a humanidade, é urgente a busca de um caminho que ensina o desapego e o abandono das tendências egoístas, a elevação da sabedoria, e o encontro do altruísmo verdadeiro.
Alberto Fiaschitello é terapeuta naturalista e cientista social